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Nessa história da descoberta de uma reserva gigantesca de petróleo no Brasil talvez Deus seja brasileiro, como declarou o presidente Lula. Mas estou mais convencido de que somos é parecidos com o Gastão das tiras do Pato Donald, aquele primo sortudo para quem tudo dá certo, faça ele o que fizer. Não digo isso no sentido pejorativo, pois a sorte é um atributo fundamental. Não existe goleiro bom se não for também sortudo e todo mundo sabe que Napoleão Bonaparte não escolhia seus generais sem antes se assegurar que eles fossem bafejados pela fortuna.

Se não for sorte, como explicar que o dólar tenha caído ao seu menor nível dos últimos sete anos e assim mesmo o país continue a bater recordes de exportação e a acumular colossais superávits comerciais? O pobre Pedro Malan trabalhava como um mouro, fazia tudo tintim por tintim como "os mercados" mandavam, mas o dólar vivia disparando, o risco Brasil alcançou inimagináveis 2.400 pontos e o Brasil teve de recorrer duas vezes ao FMI para simplesmente não quebrar. O dólar barato de agora ajuda tremendamente o combate à inflação, pois os produtos importados ficaram muito mais baratos nos últimos anos, reduzindo a pressão sobre os preços internos. E, de lambuja, facilita a modernização do parque industrial brasileiro, tornando mais acessíveis as importações de máquinas, equipamentos e novas tecnologias. Além disso, estamos acumulando reservas internacionais bilionárias, nós, que sempre vivemos em uma penúria atroz em matéria de divisas. É claro que o talento do dr. Meirelles e sua capacidade de ir fazendo as coisas certas sem dar bola para a retórica anti-capitalista ajuda enormemente, mas o aumento da presença internacional brasileira se deve mais ao que está acontecendo no resto do mundo – como o Oriente, por exemplo – do que ao acerto das políticas macroeconômicas do governo brasileiro.

A sorte se manifesta também de outras maneiras. Se a sorte explica que num momento em que o petróleo se aproxima dos US$ 100 o barril o Brasil comprove a existência de uma reserva do tamanho que parece ter, não se trata apenas da sorte de furar poços e jorrar óleo, como aconteceu ao Visconde de Sabugosa de Monteiro Lobato, mas também de que, contrariando toda a retórica inflamada d’O Petróleo É Nosso, o governo Geisel decidiu enfrentar o patrulhamento corporativista da Petrobrás e abriu a prospecção de óleo a empresas privadas brasileiras e estrangeiras no regime de contratos de risco. O mesmo tipo de sorte que está permitindo ao Brasil se projetar como uma potência energética no campo dos biocombustíveis, o que nunca teria acontecido se há 30 anos não se tivesse começado a desenvolver a tecnologia do álcool carburante em nosso país. A mesmíssima sorte, ainda, livrou a Embrapa do fanatismo ideológico dos primeiros tempos do governo Lula contra a agriculturas moderna, que ameaçava jogar fora 30 anos de avanços científicos e tecnológicos em nome do obscurantismo de alguns "técnicos".

Mas a sorte grande do Brasil ainda está por vir. A descoberta de reservas gigantescas de petróleo de Tupi, se confirmadas, terá um efeito maior ainda, que é sepultar definitivamente o que Nélson Rodrigues chamava de "complexo de vira-latas", a permanente auto-depreciação de nossas qualidades e de nossas potencialidades como povo e nação. Sou da geração contemporânea da grande tragédia da final da Copa de 1950 no Maracanã, mas o que mais doeu na alma dos brasileiros não foi ver a nossa seleção, a melhor do mundo na época, perder para um time de pernas-de-pau. O pior foi vê-la humilhada por Obdulio Varela, o capitão da celeste que, aos berros, teria intimidado os jogadores brasileiros que se encolheram como coelhos medrosos, como reza a lenda. Fomos perseguidos pelo fantasma de Obdulio Varela durante muitos anos, carregando para as outras dimensões da nossa vida nacional, essa fama da pusilanimidade.

Agora, a perspectiva de que podemos, sim, ser uma potência mundial, sepulta definitivamente o complexo de vira-latas. Aliás, um nome mal aplicado, pois qualquer um sabe que não existe cachorro melhor do que eles. Quem dera fôssemos todos, a começar pela nossa elite dirigente capazes de agüentar qualquer sacrifício, contentar-se com o pouco, ser solidário, amigo e bem humorado como um genuíno, verdadeiro, inconfundível vira-latas.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.

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