Gostaria de resgatar uma ideia central para a filosofia e para a psicologia moral: a ideia de finalidade da vida humana. Por quê? Porque é a finalidade que dá sentido à vida humana e a vida conforme ela é que torna boa todas as ações humanas.
Em filosofia nós aprendemos que do ponto de vista ontológico, as coisas só podem ser boas na medida em que alcançam sua finalidade. Todavia, a ideia que eu pretendo salientar aqui é a de que do ponto de vista moral e psicológico, o homem só pode ser feliz e bom na mesma medida em que busca o sentido de sua vida vivendo conforme sua finalidade. Sempre que alguém se propõe a atacar o ocidente e a ciência clássica, de alguma maneira, tenta destruir essa ideia fundamental, esse princípio. Contudo, algo mais sério ainda se dá quando escolas de filosofia moral negam ou erram ao ensinar sobre o verdadeiro sentido da vida humana.
O fim último verdadeiro, segundo Santo Tomás, consiste simpliciter (absolutamente) na visão da divina essência.
Entre os grandes filósofos, a ideia é apresentada pela primeira vez por Platão, ao falar da ideia de bem como o fim que explica e dá sentido para todas as formas. Avançando um pouco mais na história, a boa filosofia aristotélico-tomista nos ensina que cada substância recebe o seu sentido da sua causa final.
E o que é a causa final? Antes de responder essa questão, é preciso lembrar que o conceito causa, de modo geral, significa aquilo do que depende um ente para ser ou para vir a ser. Segundo Aristóteles, existem quatro causas: causa formal, material, eficiente e final. Dentre elas, a causa final significa aquilo para o qual o ente é feito. Sem ela o ente não seria, pois, alguém só faz algo se sabe bem para que faz. Por essa razão, segundo o padre Álvaro Calderón, os escolásticos chamavam a causa final de “causa das causas”.
Essa ideia mestra norteia tanto as ciências especulativas, que nos permitem entender o que são as coisas e para que são, quanto a moral, pois para agirmos precisamos conhecer o porquê de nós e as coisas existirem. Toda a vida humana se estrutura a partir do fim que damos para ela. Cabe aqui perguntarmos qual a finalidade da vida humana. Respondo de imediato: a felicidade. Mas devemos também nos perguntar o que é a felicidade.
Imagine que ao passar por uma praça e avistar um objeto, você percebe que não sabe para o que ele é feito. Certamente terá dificuldades de se relacionar de maneira boa, ordenada e justa com esse objeto. E no que tange ao fim último e sentido da vida humana, não será assim também? Um dos principais problemas que atormenta o homem moderno é a falta de sentido para viver. O homem não sabe mais o que lhe faz feliz.
E isso acontece por duas razões. A primeira por não conhecer mais qual é o verdadeiro sentido da vida humana; o segundo é não querer aquilo que dá verdadeiramente sentido à existência humana. Não se conhece ou se ignora o verdadeiro sentido da vida humana, colocando assim, no lugar deste, o que os filósofos e psicólogos chamam de “falsos fins”, “fins aparentes” ou “fins fictícios”. Damos exemplos: o pensamento de que o homem pode “projetar um sentido para a sua existência”, as honras, as glórias, a fama, a riqueza, o poder, o prazer e o dinheiro. Nada disso pode verdadeiramente dar sentido à vida humana. A sã filosofia e a Sagrada Teologia são unívocas nesse ponto.
Boécio, por meio da sua obra De Consolatione Philosophiae, do ponto de vista filosófico, ensina que o homem não pode ser feliz nesta vida, porque procura para ser feliz, como fim último, a “posse permanente e constante de um sumo bem”. Para chegar a essa conclusão, Boécio faz uma análise da estrutura psicológica e moral dos atos humanos. Olha para a vontade, percebe que ela busca um bem perfeito para ser saciada. Observa os homens e a si mesmo e vê que agem buscando esse bem como seu fim último. Duvido que alguém conheça uma pessoa que não aja para alcançar a própria felicidade.
Nada mais em harmonia com a Revelação. Nosso Senhor Jesus Cristo, no sermão das bem-aventuranças, nos dá conselhos que apontam para essa mesma realidade. É como se Ele nos estivesse dizendo: buscai viver como pobres em espírito, como os que choram, como os mansos, os puros, os justos, os que buscam misericórdia e são pacíficos, etc. para encontrar a felicidade, mas a felicidade “onde a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não perfuram as paredes nem roubam” (Mt, 6: 19-20), para encontrar a grande recompensa. Que recompensa? A felicidade. O sentido da vida. Não neste mundo, mas onde não “há choro e ranger de dentes” (Mt, 13: 42).
O grande teólogo da moral católica, Santo Afonso Maria Ligório, também instruía as almas piedosas dizendo que o sentido da vida humana não pode estar nesta mesma vida, pois, se isso fosse verdade, com a morte qualquer sentido que pudéssemos dar para a vida desapareceria e a vida novamente cairia no absurdo e na frustração: “Os mundanos consideram afortunados aqueles que gozam dos bens deste mundo: honras, prazeres, riquezas. Mas, a morte porá fim a todas essas venturas da terra […] a morte, enfim, despoja o homem de todos os bens deste mundo”.
Fé e razão se harmonizam: a causa final do homem, em sua plenitude, não pode estar nesse mundo. Ambos conhecimentos nos ensinam isso. Como pode, então, ouvirmos por aí que fé e razão são contrárias? Acabamos de ver, por meio da reflexão psicológica e moral, que isso não é verdade. É um mito moderno.
Devemos ter em mente que os trabalhos, profissões, estudos, missões, vocações e as escolhas que fazemos nesta vida, por mais nobres que sejam, não são o sentido absoluto da vida humana, a causa final, o fim último, mas meio ou fins intermediários. O fim último verdadeiro, segundo Santo Tomás, consiste simpliciter (absolutamente) na visão da divina essência. Ali sim seremos completos, felizes, beatos. É para isso que devemos viver, e aos demais devemos olhar como meios para esse nobre fim, esperando de Deus e de Maria Santíssima sempre os auxílios para O alcançarmos na hora de nossa morte.
Willian Kalinowski, graduado, mestre e doutorando em Filosofia, é professor, membro pesquisador da Sociedade Brasileira para o Estudo da Filosofia Medieval; membro do Conselho Científico do Instituto De anima. É autor do livro “O intelecto e as virtudes intelectuais em Santo Tomás de Aquino”.
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