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Força, alegoria e a estratégia da dissuasão.
As duas primeiras palavras são substantivos femininos contrastantes no contexto da estratégia militar. Para quem não teve a oportunidade de se aprofundar em assuntos dessa natureza, mas os aprecia, aqui se explicará simples e comparativamente a Estratégia da Dissuasão.
Pense em dissuadir como o ato de enfraquecer a vontade do oponente de eleger a guerra como solução de um conflito. Exemplificando, grandes desfiles expressam, em uma linguagem simbólica, o que um determinado país deseja apresentar aos seus potenciais adversários ou inimigos, ainda mais quando adensados por equipamentos
sofisticados.
Não estranhamente, tais demonstrações são realizadas em datas festivas, quando o espírito patriótico se aflora espontaneamente, revelando a predisposição psicológica do povo para o sacrifício, em uma leitura mais profunda, seu ânimo e sua motivação para ir à guerra.
Nesse ambiente, povo e armas, em um breve momento de entusiasmo, somam-se para apresentar o vigor de uma nação para atacar ou para se defender, empregando meios de toda ordem.
Há, contudo, um antigo ditado que diz o seguinte: quanto mais enfeitado é o cacique, pior é a tribo.
Este adágio nunca fez tanto sentido quanto nos dias atuais, quando as imagens estão supervalorizadas e quase nada fica oculto sob as camadas de segurança que um Estado coloca sobre seus negócios de defesa.
Observe este cenário: os Estados Unidos não expõem seu poderoso arsenal bélico publicamente, tampouco revelam seu numeroso efetivo de soldados em longas paradas, ainda que isso pudesse evidenciar o maior poderio da história da civilização e intimidar qualquer antagonista. No 4 de julho, predominam comemorações civis, em que veteranos de combate são venerados por sua coragem.
Há, contudo, um antigo ditado que diz o seguinte: quanto mais enfeitado é o cacique, pior é a tribo.
De outro norte, alguns países comemoram suas datas nacionais com aparatos exuberantes, reunindo tanques robustos; simulacros de mísseis volumosos; desfiles aéreos com rasantes de aeronaves; tropas cadenciadas com a precisão de um relógio suíço; e, não raras vezes, uma plateia adestrada e equipada com bandeirinhas.
Qual dessas alternativas você escolheria: a discrição da força ou a teatralidade das encenações?
A resposta parece óbvia; entretanto, prezado leitor, você será desafiado em sua inteligência mais adiante. Continue!
O poder alemão, antes da 2ª Guerra Mundial, era espetacular: uma massa de soldados em ordem unida sincronizada; uniformes com caimento impecável; equipamentos modernos; blindados velozes; bandeiras flamejantes etc. Os exércitos do mundo sabiam, desde muito antes, que o estado-maior alemão também havia sido renovado por uma mentalidade extraordinária, que se materializou na avassaladora blitzkrieg ou Guerra
Relâmpago. Mesmo assim, a Alemanha perdeu a guerra.
Em outro episódio mais recente, os EUA, ao verem seus interesses ameaçados pela invasão do Iraque ao Kuwait (1990), desencadearam a Operação Tempestade no Deserto, eliminando as defesas iraquianas como um vento forte que derruba um castelo de cartas. Os mais velhos sabem que Saddam Hussein nunca foi moderado em suas exibições e que nem ele, nem seus correligionários, nem seu público adestrado poupavam gritos contra o “Grande Satã” ou seu maior inimigo. O Iraque também perdeu a guerra.
Com base nessas duas passagens, seria óbvio afirmar que as simulações enganam o inimigo mais fraco, nunca o mais forte. Quem estuda a arte da guerra sabe que, no cálculo do poder de combate, há inúmeras variáveis em jogo.
E o que dizer dos majestosos desfiles na Praça da Paz Celestial? Eis o seu desafio.
Os megaeventos chineses reúnem meios impressionantes: tropas elegantemente uniformizadas; mísseis gigantescos; blindados de última geração; acrobacias de aviões e helicópteros; e, curiosamente, mulheres que encantam com sua beleza e altivez, capazes de dobrar os efetivos mobilizáveis. A plateia se exalta com a magnitude desse aparato e, sem dúvida, sente-se como um só ente, motivada pelo resultado dos esforços empreendidos por gerações de chineses.
Quem é capaz de desafiar a China atual?
Com essa explicação, é difícil imaginar a maneira mais adequada de se empregar a Estratégia da Dissuasão; contudo, é fácil compreender que exibir o que não se tem, ou o que se possui em pouca quantidade, é arriscado, sendo prudente optar pela moderação, sob pena de incitar a contraparte a se preparar antes da hora.
E para ser prático, uma pergunta: como o Brasil deve dissuadir?
Sem dúvida, o País deve expor seu poder de forma discreta, sem alegorias, evitando manifestações nacionalistas episódicas, seja por revelar o que não temos, seja por não mostrar o que deveríamos ter.
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José Arnon dos Santos Guerra, coronel da reserva, com Altos Estudos Militares na Academia de Defesa Nacional da Polônia.