Ainda em 7 de janeiro de 2022, foi anunciado nas redes sociais pelo Ministro da Justiça o auxílio da Força Nacional de Segurança Pública. Àquela altura, ele disse que “assinei agora Portaria autorizando a atuação, em face de ameaças veiculadas contra a democracia”. Mais tarde, foi noticiado que a articulação e a escalada do movimento que resultou nas atrocidades ocorridas em Brasília no dia 8 de janeiro foram acompanhadas com antecipação aos órgãos de segurança, em especial aqueles que integram o SISBIN (Sistema Brasileiro de Inteligência), que, por sua vez, conta com ampla participação do Ministério da Justiça.
A Portaria anunciada pelo Ministro mostra não apenas sua ciência quanto aos riscos que tais movimentos representavam, mas também a percepção sobre a necessidade de reforçara segurança na Esplanada dos Ministérios e na Praça dos Três Poderes.
O apoio policial planejado não foi eficiente. Tais falhas reclamam rápida apuração e esclarecimento, inclusive para evitar que voltem a ocorrer no futuro.
A Força Nacional de Segurança Pública não constitui unidade ou instituição policial específica. Trata-se de instrumento interfederativo levado a efeito mediante a cooperação entre Estados-membros. Seu emprego, a ser realizado de modo episódico e planejado, implica a mobilização de integrantes – que receberam do Ministério da Justiça treinamento especial para atuação conjunta – das Polícias Federais e dos órgãos de segurança dos estados que tenham aderido ao programa de cooperação federativa.
Sua atuação não contempla qualquer tarefa ou competência privativa ou reservada. É uma força policial de apoio, voltada a reforçar as ações desenvolvidas pelos órgãos estaduais de segurança pública. A definição da esfera de competência da Força Nacional, conforme o art. 2° do Decreto 5.289/2004, reflete claramente sua função de apoio e auxílio. Segundo o Ministro Alexandre de Moraes, trata-se de “apoio às atividades; sempre auxílio, sempre apoio”.
Seu emprego, como autorizado, “para auxiliar na proteção da ordem pública e do patrimônio público e privado entre a Rodoviária de Brasília e a Praça dos Três Poderes” implica avaliação que considera necessário o apoio dos órgãos de segurança pública do Distrito Federal em face das ameaças detectadas com antecipação.
O anúncio sobre o emprego da Força Nacional foi precedido por outra mensagem que, além de aludir a orientações repassadas à Polícia Federal em face de suposta “guerra” que impatriotas dizem querer fazer em Brasília, confirma ter mantido contato com o governador do Distrito Federal e o Ministro da Defesa.
O caráter cooperativo que informa o emprego da Força Nacional requer a solicitação ou o consentimento do respectivo governador da unidade federativa que receberá o auxílio. Segundo observado em julgado do STF, “não é aceitável, sob pena de ferir a autonomia do ente estadual, que as tropas da Força Nacional de Segurança Pública sejam enviadas sem que haja prévia solicitação expressa do respectivo governador de Estado ou do Distrito Federal”. Com base nessa posição, a Corte considerou inconstitucional disposição que legitimava o envio da Força Nacional por mero requerimento de Ministro de Estado.
Tais circunstâncias sugerem que a interlocução entre o Ministro da Justiça e o governador do Distrito Federal tenha ensejado a manifestação exigida para licitamente acionar a Força Nacional. Permitem presumir, assim, comportamento ativo e diligente do governador no sentido de obter crucial reforço policial de modo a fazer frente ao iminente ataque às instituições. Sem sua tempestiva intervenção, o auxílio não poderia ter sido anunciado e autorizado.
A urgência do caso era patente. O emprego da Força Nacional, anunciado já durante o sábado, dia 7 de janeiro, foi autorizado para atuação nos dias 7, 8 e 9 de janeiro. No mesmo dia 7, nota publicada pelo Ministério da Justiça confirmou haver “planejamento definido pela Diretoria da Força Nacional” que definia “o contingente a ser disponibilizado”, dado que não poderia ser divulgado. Tomando-se em consideração que a publicidade dos atos administrativos é pressuposto de sua eficácia jurídica, supunha-se que a autorização ministerial seria veiculada às pressas via edição extra do Diário Oficial da União.
Em 30 de março de 2020, o uso da Força Nacional foi autorizado a atuar em face da pandemia a partir do mesmo dia 30 em sessão extra do Diário Oficial veiculada naquele dia. No dia 06 de janeiro de 2023, também houve autorização veiculada em sessão extra para emprego imediato da Força por 90 dias em ações de combate ao crime organizado, ao narcotráfico e aos crimes ambientais, na calha do Rio Negro e Solimões. Outros vários outros casos semelhantes.
Os graves ataques às sedes dos poderes em Brasília não mereceram, contudo, a mesma presteza. A portaria ministerial sobre o emprego da Força Nacional de Segurança Pública somente foi publicada no Diário Oficial do dia 10 de janeiro, após transcorrido o prazo autorizado para atuação das tropas. Os anúncios levados a efeito no dia 7 de janeiro evidenciam razoável consciência das autoridades quanto aos riscos decorrentes da movimentação realizada pelos grupos que protagonizaram os graves atentados de 8 de janeiro. Também indiciam, ante o acionamento da Força Nacional de Segurança Pública, compreensão acerca da necessidade premente de reforço e auxílio aos órgãos locais de segurança para conter a ação de tais grupos.
No entanto, a maior parte do contingente da Força Nacional enviado teria chegado tarde demais. A autorização para seu emprego foi publicada, como se viu, apenas em 10 de janeiro. O apoio policial planejado não foi eficiente. Consoante um experiente partícipe da vida nacional, o Estado falhou. Tais falhas reclamam rápida apuração e esclarecimento, inclusive para evitar que voltem a ocorrer no futuro.
Roger Stiefelmann Leal é doutor em Direito do Estado, professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Visiting Scholar na Harvard Law School (2019).
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