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Fundeb: meia vitória, mas vitória

Reunião do MEC em 12 de junho de 2019 para discutir propostas para o Fundeb. (Foto: Gabriel Jabur/MEC)

Em 1961, o Brasil promulgou sua primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação Nacional, que resultou de uma tramitação consideravelmente longa no Congresso Nacional. A tramitação teve início em 1948 e a votação final foi sucessivamente postergada porque, a partir de 1950, a elaboração do documento que daria diretrizes e bases para a educação tornou-se fonte de conflitos. E isso especialmente por dois motivos: o primeiro relacionava-se aos parâmetros do financiamento da educação pública, com a indicação das responsabilidades orçamentárias dos municípios, estados e da União; o segundo motivo decorria do primeiro.

Especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro emergiram posicionamentos políticos que contestavam um dos fundamentos da educação pública, o vínculo da escola pública com o Estado. Argumentava-se que o Estado não poderia arcar exclusivamente com essa “despesa” e que deveria, em consequência, reconhecer que o financiamento deveria recorrer a “novas” estratégias.

A “novidade” suposta pode surpreender o leitor atual, porque neste momento alguns projetos políticos se apresentam como “novos” quando, na realidade, estão presentes há tempos. Propunha-se, no transcorrer da década de 1950, uma estratégia considerada “mais barata”, que era a de repassar recursos aos pais pobres para que pagassem escolas conforme suas próprias escolhas. Isso era elogiado não somente como projeto menos dispendioso, mas também como exemplo de respeito à liberdade de escolha das famílias, que poderiam “escapar do totalitarismo de Estado”. Sim, em plena Guerra Fria, a escola pública era criticada com argumentos anticomunistas.

A reação a isso veio com a Campanha Nacional em Defesa da Escola Pública, que cresceu e tornou-se movimento de grande proporção a partir de 1958. A campanha uniu liberais e socialistas como, por exemplo, Anísio Teixeira e Florestan Fernandes. De um lado, os que defendiam que a escola privada era a saída para a educação pública valiam-se da grande imprensa paulista e de veículos renomados como a Revista de Cultura Vozes, do Rio de Janeiro. De outro, os que defendiam a escola pública como responsabilidade precípua do Estado, baseada nos princípios da universalidade, gratuidade e laicidade, valiam-se da organização de marchas, manifestos e comícios e contavam com o apoio da Revista Anhembi, mantida pela intelectualidade cosmopolita de São Paulo.

O Fundeb é meia vitória, mas vitória. Se não for consolidado, seu desaparecimento não será meia derrota

Quando aquela LDB foi finalmente promulgada, muitos se decepcionaram com a timidez de seus pressupostos. Se não foi aceita a hipótese de repassar recursos públicos para as famílias “comprarem matrículas”, por outro lado, as premissas da universalização da educação pública em todos os níveis para todos os cidadãos foram podadas.

Mas Anísio Teixeira, que, naquele contexto, publicou dois títulos fundamentais para a compreensão da educação brasileira – Educação é um direito e Educação não é um privilégio – destoou de seus pares e afirmou que o texto daquela LDB era “meia vitória, mas vitória”. O que ele festejava era que o financiamento da educação básica, naquele momento denominada educação primária (que precedia a educação ginasial e superior), estava definido, assegurado, e a partilha entre os entes federados ficou estabelecida, ainda que de modo tímido e sem a abrangência sonhada na Campanha Nacional em Defesa da Escola Pública.

Esse capítulo singular na história da educação brasileira tem lições a nos ensinar neste momento. Estamos às vésperas de encarar o compromisso com a educação básica que está expresso no Fundeb, e as lições da história não devem ser desconsideradas.

O Brasil tem, desde 2006, um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Proposto como dispositivo transitório, tanto é assim que sua existência está prevista até 2020, responde por aproximadamente 60% do financiamento da educação. Baseia-se numa dinâmica de cálculo que faz com que sua incidência seja mediada pelos estados, com distribuição por índice de matrícula nos municípios e com complementação federal.

Essa complementação, por exemplo, é essencial para atenuar (sem eliminar) grandes distorções. A desigualdade no financiamento de um aluno da Região Norte do país em relação a um aluno da Região Sul, sem a incidência do Fundeb, apenas com as diferenças de arrecadação, faria com que o estado da Região Norte utilizasse R$ 900 mensais para cada aluno e os estados do Sul, até R$ 56 mil mensais para cada aluno. Aplicando a dinâmica do Fundeb, os estados do Norte conseguem gastar R$ 3 mil. Na prática, os estados do Sul gastam em média R$ 20 mil por aluno, bem abaixo dos R$ 56 mil possíveis, mais muito acima dos R$ 3 mil que os estados de pequena arrecadação têm.

Se o Fundeb não for renovado, teremos uma tragédia, um verdadeiro desmonte de uma estrutura que já é, como se sabe, desigual e insuficiente.

Como se percebe, o Fundeb não exerce função equilibradora. Não temos um Brasil, mas muitos Brasis, e são muito expressivas as distâncias estruturais entre as estruturas de escolarização. Mas, parodiando o grande Anísio Teixeira, o Fundeb foi e é uma meia vitória, mas vitória. Proporcionou avanços e amarrou na mesma teia compromissos educacionais de todos os entes da federação. Seu impacto sobre a valorização dos profissionais da educação foi muito menor que seu impacto sobre as questões de manutenção. Por isso, seus efeitos foram benéficos, mas insuficientes.

O Fundeb precisa ser consolidado e transformado em estrutura permanente de financiamento da educação básica pública. Precisa ser ampliado e acrescido com programas específicos, estes com metas realizáveis em curto e médio prazos. Tudo o que não pode acontecer neste momento é submeter o Fundeb à lógica do “Estado mínimo”, pois alguns municípios brasileiros sem esse apoio deixarão de oferecer educação pública.

O Fundeb é meia vitória, mas vitória. Se não for consolidado, seu desaparecimento não será meia derrota. Será perda absoluta e irreparável para todo o país.

Gilberto Alvarez Giusepone Jr. é diretor do Cursinho da Poli e presidente da Fundação PoliSaber.

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