Dentro do atual capitalismo financeirizado, os fundos de pensão são um mecanismo importante de articulação da economia, pois aglutinam diversas poupanças individuais, permitindo a inserção de pequenos poupadores no circuito do capital

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Os fundos de pensão são propagados como um elemento importante para ganhos socioeconômicos em nossa sociedade. Para os ideólogos dessa tese, os fundos seriam os responsáveis por permitir a estabilização das operações nos mercados de capitais, o financiamento e o fortalecimento da indústria nacional e a socialização dos lucros por milhares de proprietários trabalhadores. Logo, constituiriam uma proteção a mais ao trabalhador, por garantir na inatividade renda similar à do período de contribuição, e um fator de desenvolvimento econômico nacional. Segundo essa tese todos ganham indiscutivelmente. Será?

Nos últimos anos, os fundos têm recebido um forte incentivo à expansão, fruto de uma política oficial que, inclusive, promoveu alterações legislativas que acarretaram modificações substanciais na estruturação desses planos. Uma dessas mudanças foi a migração do regime de Benefício Definido (BD) para o de Contribuição Definida (CD), que transferiu os riscos aos beneficiários, já que seriam eles os titulares dos investimentos. Essa migração desvinculou os fundos da possibilidade de uma garantia de rentabilidade mínima e de uma renda programada a ser atendida. Inseriu o ganho somente como uma expectativa de renda.

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Essa mudança exige que os trabalhadores fiquem atentos às formas de gestão dos investimentos pelos fundos de pensão. Alguns cientistas sociais defendem que os participantes do sistema deveriam exercer maior pressão junto aos gestores para que estes realizassem investimentos capazes de propiciar um desenvolvimento de longo prazo e ecologicamente sustentável.

Realmente, dentro do atual capitalismo financeirizado, os fundos de pensão são um mecanismo importante de articulação da economia, pois aglutinam diversas poupanças individuais, permitindo a inserção de pequenos poupadores no circuito do capital por meio das bolsas de valores. Os fundos, por deterem um passivo de longo prazo, trarão maior liquidez e estabilidade às operações. Mas isso não significa dizer que sejam eles capazes de propiciar o desenvolvimento socioeconômico, nem o da indústria nacional, por dois motivos-chave.

Primeiro: investir em uma indústria nacional não significa investir em capital nacional, já que a EC 6/95 alterou a redação do art. 171 da Constituição Federal e fez desaparecer a diferença até então existente entre empresa brasileira, empresa brasileira de capital nacional e empresa estrangeira. O que existe é apenas uma diferença formal entre as empresas brasileiras e não brasileiras.

Segundo: se aos fundos compete o dever fiduciário de buscar a melhor rentabilidade para os investimentos dos participantes, como os mesmos poderiam privilegiar a aplicação em uma indústria nacional em detrimento de outra estrangeira que apresente melhor rentabilidade?

Além do mais, os fundos de pensão estão inseridos na lógica de arbitragem do mercado e irão buscar o lucro financeiro diferencial decorrente da evolução dos títulos sempre os vendo como ativos negociáveis dentro de uma economia de cassino, o que dificulta um planejamento de longo prazo.

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Mesmo que ainda concentrassem seus investimentos nos setores no qual o país detém posição privilegiada, não trariam desenvolvimento nacional, pois são esses setores atrelados à valorização dos recursos naturais, que reconhecidamente detêm um baixo valor agregado e de tecnologia. São esses argumentos, portanto, incoerentes para uma inserção diferenciada do Brasil na era da economia do conhecimento.

Dizem, contudo, que os riscos para os participantes não seriam tantos frente à expectativa dos benefícios e que eles poderiam ser mensurados.

Afora isso, os participantes precisariam desnudar inúmeras operações de criação, fusão e subvenções empresarias nas quais estão envolvidos os investimentos dos fundos de pensão numa participação "estimulada" desses fundos nos negócios de interesse de governos. Há de se convir, em tom irônico: nada mais fácil...

De fato, parece-nos estar em curso uma crescente insegurança social, especialmente na fase de inatividade, que pode levar a profundas fraturas no seio da sociedade, já que a segurança social, consagrada como um direito no art. 6.º da CF/88 é importante elemento de coesão da organização social.

É preciso repensar o sistema dentro de um debate democrático que harmonize as necessidades individuais e coletivas tendo claro que o texto constitucional de 88 consagrou como norma objetiva, a moldar todo nosso ordenamento jurídico, o princípio da solidariedade. Caso contrário, nossa incapacidade de pensar e fazer política corroerá as bases da sociedade brasileira democrática e de um verdadeiro desenvolvimento nacional.

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Alexandre Coutinho Pagliarini, pós-doutor em Direito pela Universidade de Lisboa, é advogado e professor universitário.

Stefania Becattini Vaccaro, especialista em Bioética pela PUC/MG, é advogada e mestre em Estado e Política Social pela UFES.