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Future-se: proposta inovadora ou mais uma nuvem de fumaça?

(Foto: Marcos Tavares/Thapcom)

Quando a ideia é fantástica, o modelo é adequado, mas a forma apresentada é quase sem pé nem cabeça, fica difícil obter o apoio popular. Este é o caso do Future-se, criado pelo Ministério da Educação para mudar a autonomia financeira das universidades e institutos federais, e que envolve a alteração de trechos de 17 leis atualmente em vigor.

As audiências públicas anunciadas mostram que a ação será de médio prazo e visa mascarar o contingenciamento das verbas para a educação, a falta de políticas para implantar o novo ensino médio e, mais ainda, de assegurar a nova Base Curricular Nacional da Educação Fundamental. A proposta do governo faz sentido, mas foi apresentada de maneira abrupta, sem fundamentação.

A ideia de se construir uma igreja começando pelo sino comumente encontra oposições que destroem o projeto antes mesmo de ele ser desenhado. Por isso, o Future-se pode se transformar em uma “nuvem de fumaça”, a exemplo da reforma da Previdência, que equaciona as contas em dez anos, mas não diz o que vai acontecer com dezenas de milhões de desempregados durante a próxima década.

Ao menos, está claro que a presença de um gestor com formação em Economia e experiência em mercado financeiro trará ao MEC uma proposta de eficiência econômica e de valorização de projetos acadêmicos voltados ao setor produtivo, seja ele qual for. Em sua essência, a proposta traz algumas questões que fazem sentido. A relação entre saber científico e eficiência de produção deveria ser íntima desde sempre, e qualquer ação pública na direção da aproximação deve ser valorizada e aplaudida.

Educação é bem social e precisa de políticas públicas claras

As universidades, centros universitários e faculdades deveriam desenvolver conhecimentos, construir projetos e realizar ações que fortalecessem os segmentos produtivos. Afinal, para que aprender derivadas e integrais se não for para identificar equações com múltiplas variáveis que ajudem a criar um sistema de financiamento de baixo custo para o cidadão? Para que estudar a estrutura das moléculas dos materiais se não for para identificar materiais sintéticos que sejam menos poluentes, até mesmo biodegradáveis?

Desta forma, com o Future-se, o MEC propõe um tema encantador que aproxima conhecimento do fazer. No entanto, sua proposta desenvolverá, por meses ou por anos, audiências de discussão do tema; trará uma série de estruturas legais a serem alteradas para o Legislativo – que já está com pautas saturadas, como a Previdência, a segurança, a reforma tributária, e agora terá mais um tema relevante; mas não diz o que vai acontecer na educação básica em 2020, nem como será a retomada de crescimento de ingresso na educação superior, e nem como serão feitas as implantações das reformas estruturais já estabelecidas.

Destacar recursos vindos de venda de imóveis públicos como indutor de criação de um fundo de investimentos é algo extremamente positivo, mas se torna vazio se não existe uma proposta de linha pública de valorização de projetos já existentes e de linhas de financiamento mais interessantes para propostas de longo prazo para o governo.

A gestão atual do MEC, a exemplo dos últimos ministros, deixou esquecido o Plano Nacional de Educação, com metas e planos de atendimentos, promulgado em 2014. Recentemente, o ministério apenas acrescentou ao PNE a implantação da Base Nacional Comum Curricular da Educação Básica, publicada em 2018 e que traz dificuldades para os municípios – as políticas para sua implantação não existem –, e fez a reforma do ensino médio, promulgada em 2017.

Se o foco a ser dado era a educação básica, nos ciclos fundamental e médio, mesmo sendo essa etapa responsabilidade dos municípios e estados, é parte da ação do governo federal na pasta de educação contribuir para a implantação de reformas com visão de ganhos e melhorias nacionais. Mais uma vez, vemos que educação é um tema de Estado e não de governo e, assim, as bases e premissas essenciais ficam esquecidas, até porque a gestão atual não se vê hábil para propô-las, trazendo uma nova proposta de inovação dissociada das necessidades principais.

O que se faz pelas beiradas é comer mingau quente; gerir uma pasta de tanta importância nacional exige conhecimento e vontade para mergulhar no local mais fundo e quente do prato, onde estão os problemas principais. O Future-se será mais uma proposta inócua, como o homeschooling. Ao menos, sem discussão de gênero.

Em vez de devaneios sem fundamentação científica, como o ensino domiciliar e a suposta “balbúrdia” nas faculdades, o MEC deveria prestar atenção ao quadro desalentador mostrado pelos números cadentes de inscritos no Enem, que denota a frustração dos alunos que terminam o ensino médio com as perspectivas de prosseguir estudos, ingressando no ensino superior. Desde 2017, a redução acumulada de inscritos é de 46,2%, caindo de 8,6 milhões em 2016 para 5,1 milhões em 2019.

Outro dado alarmante do setor está na faixa da educação mais básica, etapa anterior à formação dos futuros profissionais para o mercado de trabalho do país. Hoje o número de brasileiros matriculados no ensino fundamental e médio – 48,6 milhões e 7,9 milhões, respectivamente – representa apenas 25% da população brasileira. Desenvolver um sistema de ensino sem ter como elemento principal o aluno e as suas características é elaborar um projeto fadado ao insucesso da evasão, da falta de motivação e do desinteresse.

Educação é bem social e precisa de políticas públicas claras. Se as mensagens forem de ainda mais desordem entre os poderes, sem uma linha indicativa de planos de estímulo à educação, os resultados podem ser mais catastróficos que os já estimados.

Cesar Silva é presidente da Fundação FAT (Fundação de Apoio à Tecnologia).

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