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No mês passado, em Foz do Iguaçu, os países do G20 assinaram uma Manifestação Ministerial, algo que não acontecia desde 2021. Trata-se de um documento significativo, que ratificou os compromissos celebrados por ocasião da COP28 em Dubai para reduzir o consumo de combustíveis fósseis e triplicar os investimentos em energia renovável até 2030. O documento também trouxe para o centro das discussões questões de interesse dos países do hemisfério sul, como o reconhecimento dos biocombustíveis como indispensáveis para que o mundo alcance suas metas climáticas.
Como presidente da Associação Brasileira do Biogás (ABiogás), gostaria de destacar o papel relevante que o Brasil assumiu neste ano, demonstrando sua liderança mundial ao colocar, no centro das discussões do G20, questões cruciais para a transição energética, que antes não recebiam a devida importância dos demais países. Até então, os debates internacionais apresentavam uma visão mais eurocêntrica sobre as estratégias para se alcançar o net zero. Agora, graças à atuação do Brasil, abriu-se o caminho para que as potencialidades de todo o mundo sejam reconhecidas, especialmente os biocombustíveis.
A decisão do G20 de incentivar o uso do biometano e de outros combustíveis sustentáveis constitui um marco crucial na luta global pela sustentabilidade
Um ponto de extrema relevância no documento assinado em Foz do Iguaçu foi a introdução do conceito de que a transição energética deve ser justa e inclusiva. Esse conceito abrange o combate à pobreza energética e a garantia de acesso à energia, preferencialmente limpa, para aqueles que ainda não a possuem. Dentro do tema, ganhou especial destaque a discussão sobre tecnologias limpas para cozinhar. A utilização de fogões a lenha e a carvão causa milhares de mortes precoces todos os anos, especialmente entre mulheres e crianças de baixa renda. A utilização de fontes de energia renovável nas cozinhas, como o uso do biogás nos fogões, pode evitar que essa tragédia se perpetue.
Outro aspecto para que se alcance uma transição energética justa e inclusiva é o reconhecimento da necessidade de valorização e de incentivos à produção de energias renováveis em países do hemisfério sul, que hoje não recebem 20% das verbas disponíveis para financiamento e tampouco têm acesso a subsídios e outros benefícios comuns nos países desenvolvidos.
Além disso, soluções viáveis na Europa e nos Estados Unidos, como a eletrificação total da energia, além de não serem economicamente viáveis para outros países, não são as mais eficientes e tampouco são ideais em cenários como o do Brasil, da Índia e de outros países que contam com uma agroindústria forte. Nesse sentido, as 20 maiores economias do mundo reconheceram a importância de haver neutralidade tecnológica, com integração e abordagem inclusiva para desenvolver e empregar uma variedade de combustíveis e tecnologias sustentáveis, acelerando a transição energética, especialmente nos setores de difícil descarbonização.
O acordo reconheceu a necessidade de organismos internacionais considerarem não apenas as informações técnicas e científicas do IPCC, mas também circunstâncias específicas de cada país, pois não existe uma receita única para todas as regiões do planeta. Reconheceu-se a importância de que os organismos internacionais colaborem para que o cálculo das emissões de gases de efeito estufa de combustíveis sustentáveis tenha mais consistência quanto a suas metodologias, para aumentar sua escala e viabilidade econômica, promover uma competição justa com as demais fontes de energia e acelerar seu uso.
Nessa linha, os países do G20 mencionaram explicitamente a necessidade de que a metodologia utilizada para verificação das emissões de gases de efeito estufa considere a análise de ciclo de vida de cada contexto e de acordo com circunstâncias nacionais. Historicamente, essas análises observavam apenas as emissões de CO2 no momento do uso da energia, como no escapamento dos veículos automotivos. Muito embora tenha se propagado a sustentabilidade dos carros elétricos, essa sustentabilidade é muito variável, dependendo do percentual de energia limpa utilizada para a geração de energia elétrica.
Outra incongruência advinda da utilização de uma mesma linha de base metodológica para localidades com realidades contrastantes diz respeito ao reconhecimento da redução das emissões de gases de efeito estufa por meio da recuperação energética de resíduos. Há organismos internacionais que desconsideram a importância de incentivos ao tratamento adequado de resíduos orgânicos pelo reconhecimento ambiental das emissões evitadas pela produção de biogás e biometano, por exemplo. Usam como base a realidade de países como a Dinamarca e a Suécia e ignoram o fato de que o Brasil, por exemplo, ainda tem 38% de seu lixo depositado em lixões a céu aberto e enfrenta dificuldades para arcar com os custos do tratamento adequado desses resíduos. Essa redução das emissões deve ser considerada para fins de cálculo das emissões de metano, se quisermos ver avanços significativos em países do hemisfério sul.
A decisão do G20 de incentivar o uso do biometano e de outros combustíveis sustentáveis constitui um marco crucial na luta global pela sustentabilidade, reforçando os compromissos estabelecidos pelo Acordo de Paris. O fato de esses posicionamentos terem sido propostos e liderados pelo Brasil o consolida como líder mundial no combate às mudanças climáticas, evidenciando seu papel estratégico em um cenário global cada vez mais preocupado com o meio ambiente. Com recursos naturais abundantes, expertise tecnológica e reconhecimento mundial de seu protagonismo, o Brasil está preparado para liderar inovações e colaborar com outras nações em prol de um futuro mais sustentável.
Renata Isfer é presidente executiva da ABiogás.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos