O crescimento do PIB em 2019, de 1,1%, voltou a decepcionar. É bem verdade que esses são números preliminares e, como nos anos anteriores, é possível que sejam revistos nos próximos meses. Após amargar a recessão mais dramática de sua história moderna, a economia brasileira continua a apresentar um desempenho medíocre e o futuro da recuperação é incerto. A política econômica da administração Bolsonaro gerou expectativas positivas, mas a pergunta que ora se coloca é se a recuperação pós-crise será na realidade o proverbial voo de galinha sem sustentação de longo prazo.
No início de 2019, a expectativa de crescimento havia melhorado em comparação ao desempenho em 2018, quando o crescimento foi de 1,3%. As previsões iniciais de organismos internacionais e de analistas econômicos apostavam em um crescimento de 2% a 2,5% para 2019. Ao longo do ano, no entanto, tais estimativas foram gradualmente reduzidas. Choques exógenos como o desastre de Brumadinho, com o seu impacto no setor de mineração, e a desaceleração do comércio internacional em meio ao conflito comercial entre a China e os EUA não ajudaram. Mas a realidade é que a “lua de mel” do governo Bolsonaro foi curta.
A recessão de 2015-16 gerou uma perda significativa do grau de confiança na economia brasileira, tanto por parte de atores externos como pelos domésticos. A expectativa de uma recuperação da confiança e de uma retomada de investimentos estava associada à capacidade do governo de implementar uma série de reformas estruturais, incluindo a reforma da Previdência, liberalização comercial, desburocratização, privatização e uma reforma tributária com o intuito de diminuir o custo de se fazer negócios no país.
O governo conseguiu resultados importantes em termos de controle fiscal com base na reforma da Previdência e com a redução da taxa de juros. Os déficitsdo Regime Geral de Previdência Social (o sistema administrado pelo INSS) e do Regime Próprio de Previdência Social (o sistema que ampara os servidores públicos) equivalem a cerca de 2,5% e 2% do PIB, respectivamente, sendo responsáveis por mais de 50% do déficitnominal do Estado brasileiro. A reforma trará uma poupança de cerca de R$ 800 bilhões nos próximos dez anos, uma contribuição importante para evitar um crescente desequilíbrio fiscal. A política monetária também vem contribuindo ao promover uma queda substantiva da Selic, sinalizando uma queda na taxa de juros de mercado no médio prazo. Essa trajetória tem o potencial de revitalizar o mercado de capitais no país e alavancar investimentos, como já se observa com relação ao mercado imobiliário.
Infelizmente esse progresso vem ocorrendo em paralelo a um crescente ruído político entre os três poderes. Políticas heterodoxas com relação ao meio ambiente, relações internacionais, educação e agenda de costumes vêm contribuindo para a polarização da sociedade brasileira. Como consequência, crescem as dificuldades de avanços significativos em temas importantes como as reformas tributária e administrativa em 2020, um ano eleitoral. Ao mesmo tempo, a percepção do Brasil no exterior vem sendo afetada negativamente, criando desafios adicionais para a recuperação da credibilidade econômica do país.
As previsões econômicas para 2020 começam também a ser afetadas pelo impacto da pandemia associada ao Covid-19. Até o momento esse impacto foi limitado. Cabe mencionar que o Purchasing Manager’s Index (PMI) para o setor de manufaturas no Brasil foi de 52,3 em fevereiro, indicando um setor em expansão. Já no caso da China, o PMI teve uma leitura de 35,7, ilustrando o impacto dramático do Covid-19 na economia chinesa, na medida em que números abaixo de 50 indicam contração econômica. O Brasil não ficará imune à pandemia. A desvalorização do real, refletindo uma aversão crescente a riscos, e o impacto negativo sobre preços de commodities são os primeiros sinais do que está por vir. A desaceleração da economia brasileira é inevitável e o mercado já aponta para um crescimento abaixo de 2% em 2020.
A questão fundamental é até que ponto a administração Bolsonaro será capaz de administrar esses choques e revitalizar a agenda de reformas estruturais com base em um diálogo produtivo com o Congresso e o Judiciário. A realidade é que a melhor metáfora para a economia brasileira não é a de um “voo de galinha”, mas a possibilidade de um voo de albatroz. O albatroz é um pássaro conhecido pelo seu decolar desajeitado, mas que bate recordes de voo sustentado. Resta esperar que a continuidade das reformas facilite a decolagem do “albatroz” brasileiro.
Carlos A. Primo Braga é professor associado da Fundação Dom Cabral e ex-diretor de Política Econômica e Dívida do Banco Mundial.
Deixe sua opinião