| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

“Todo dia, durante um mês, fui estuprada”. A fala, divulgada pela mídia, é da transexual Fernanda Galvão sobre experiência em prisão masculina. A situação expõe a violência contra corpos feminilizados em espaços de confinamento ocupados por homens.

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Mesmo assim, uma decisão da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal indeferiu pleito de transferência de mulheres transexuais a unidades femininas. O posicionamento, paradoxalmente, partiu de Resolução Conjunta da Presidência da República, de 2014, que buscou concretizar direitos fundamentais da população transexual encarcerada. Porém, uma manobra interpretativa conduzia a conclusões como a narrada, movendo a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) a acionar o Supremo Tribunal Federal.

Atacar a decisão judicial em outros âmbitos significaria uma alteração no rumo daquelas mulheres transexuais. Mas, para se alcançar o destino de todas as encarceradas no país, o STF é a melhor aposta.

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Nada há de novo em que uma corte constitucional atualize um entendimento à luz da realidade

Bater às portas desta corte não é acontecimento corriqueiro. Há mecanismos próprios para se acessar esta instância. Para a hipótese acima, a opção é uma ação denominada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Para propô-la, a legislação elenca os legitimados. A única chance de um agrupamento com temática verticalizada, como direitos LGBTI, oferecer uma ADPF se encaixa à previsão de legitimidade ativa de entidades de classe de âmbito nacional. A questão que tem se colocado é sobre a necessidade de tal entidade ter atuação profissional ou econômica, conforme se inclinava a jurisprudência até junho de 2018.

Nesta data, acertou o ministro Luís Roberto Barroso ao responder que não, em medida cautelar na ADPF 527, por três contundentes argumentos: a interpretação consolidada está desatualizada; é central a proteção aos direitos fundamentais na nova ordem constitucional; e a desigualdade que a interpretação vigente instala ao impedir o acesso à corte por minorias sociais deve ser combatida.

Nada há de novo em que uma corte constitucional atualize um entendimento à luz da realidade, em especial quando o faz para homenagear princípios constitucionais caros ao ambiente democrático que o ano de 1988 pretendeu inaugurar. Termos imprecisos como “entidade de classe” determinam que os encarregados de sua constante interpretação possam buscar solução concreta para situações de impossibilidade de acesso a direitos fundamentais que o ranço de um período autoritário não permitia imaginar.

Decisão deve ser revertida: Um ministro não pode alterar a Constituição (artigo de Alexandre Semedo de Oliveira , juiz de Direito e membro do Movimento Magistrados para a Justiça)

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Defender o contrário traz incontornável paradoxo. É concluir que o instrumento de resguardo às mais básicas garantias constitucionais está fora do alcance de quem mais necessita. Além disso, o critério de atuação profissional ou econômica revela limitações insuperáveis. Algum sindicato, afinal, melhor traduz a pauta de transexuais em presídios do que uma associação de projeção nacional dedicada a este público?

A abertura deste rol de legitimação não abarrotaria o STF de ações constitucionais. A corte já dedica a maior parte do tempo a questões que não envolvem direitos fundamentais. Por isso, nada além do esperado ocorrerá à instância tida como a guardiã destes direitos.

Ligia Ziggiotti de Oliveira, advogada e doutoranda em Direitos Humanos e Democracia, é professora da graduação em Direito do Centro Universitário do Brasil. Rafael dos Santos Kirchhoff, advogado, é presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/PR.