O projeto de lei ordinária que cria a chamada Super Receita, aprovado pela Câmara dos Deputados, está sendo apreciado pelo Senado Federal. Trata-se, segundo se diz, de componente do choque de gestão que se dará à previdência, em lugar de se castrar direitos do trabalhador.

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A questão financeira que resta é a aplicação da Desvinculação da Receita da União às contribuições previdenciárias. Está sendo alterada a relação jurídica previdenciária. O sujeito ativo não será mais o INSS, mas a União. Nesse passo, 20% do total previsto da arrecadação para 2006, 120 bilhões de reais, serão retirados do Fundo da Previdência Social, vale dizer, 24 bilhões, para compor o superávit primário. Desfalca-se a reserva para garantir no futuro o direito dos trabalhadores, aposentados e pensionistas, para pagar os juros da dívida pública aos rentistas. É uma opção governamental.

O governo federal tenta imprimir a cadência de trator à tramitação desse projeto. Vai atropelando os obstáculos constitucionais, que são muitos. É a velha história. É difícil ao governo zelar pela observância da Constituição, quando ela protege os direitos dos frágeis, no caso, trabalhador, aposentados e pensionistas.

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Com efeito, a Constituição previu uma sistematização jurídica de autarquia para o ente que cuida da captação administrativa e judiciária das contribuições previdenciárias – o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS (art. 194, parágrafo único, inciso VII). E separou os orçamentos. O da seguridade social, aí incluindo as contribuições previdenciárias, é distinto do orçamento fiscal referente aos Poderes da União (art. 165, § 5.º, III).

Houve o cuidado de separar os recursos financeiros exatamente para evitar que o Ministério da Fazenda se apropriasse dos recursos dos trabalhadores. Deu-se autonomia ao INSS e vinculou-o ao Ministério da Previdência Social. Essa edificação constitucional está sendo erodida.

O trator da União funcionou na Câmara dos Deputados, equipado por mensaleiros, sanguessugas, a turma que forma a base governamental.

Mas não ficam aí as inconstitucionalidades. Há mais. O art. 165, § 9.º, II, diz que "cabe a lei complementar estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta, bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos".

Mudar a administração tributária, vale dizer, passando-a para a Super Receita, é tratar de gestão financeira, que não pode ser feita por lei ordinária. Além disso, está sendo transferido patrimônio imobiliário do Fundo Previdenciário sem pagamento dos imóveis transferidos. Trata-se de gestão imobiliária também reservada à lei complementar. A alienação de bens públicos deve ser procedida por certame licitatório, conforme art. 37, XXI da CF. O art. 3.º do projeto autoriza a apropriação por órgãos do Poder Executivo – Receita Federal e Procuradoria-Geral da Fazenda – de imóveis do Fundo Previdenciário. Os imóveis não são da União, mas dos associados à Previdência, os trabalhadores do país. Ainda pelo art. 165, § 9, II da CF, o repasse de recursos a tal Fundo deve ser tratado por lei complementar.

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Afora isso, a Super Receita resulta da fusão da atual Secretaria da Receita Federal, quase quarentona, com a debutante Secretaria da Receita Previdenciária, criada em janeiro de 2003. Esta fusão constitui artifício para se levar os funcionários desta instituição previdenciária para a Receita Federal, sem concurso público. Alquimia, dispensando concurso público. Maracutaia.

O resultado pode ser desastroso para os interesses dos trabalhadores do país, pois na nova estrutura as contribuições previdenciárias serão mais um tributo administrado pela Super Receita. Um entre mais de uma dezena. Sem a prioridade e a exclusividade atuais. O inacreditável é que, neste ano de 2006, de janeiro a outubro, as contribuições previdenciárias administradas pela Secretaria da Receita Previdenciária cresceram, em relação a igual período de 2005, 15,11%; e quanto à arrecadação federal, gerida pela Receita Federal, a elevação foi de 8,31%. Tem gato aí.

Osíris de Azevedo Lopes Filho é advogado,professor de Direito na Universidade de Brasília – UnB – e ex-secretário da Receita Federal.

osirisfilho@azevedolopes.adv.br