De nada servirá atentar contra a população civil palestina ou atirar contra humanitários internacionais. O Hamas, produto do desespero, da humilhação, da privação dos direitos humanos impostos à população palestina e símbolo da resistência, persistirá
Dessa vez, a condenação da comunidade internacional foi unânime. O ataque israelense contra a frota de ajuda humanitária que tentava furar o bloqueio da Faixa de Gaza, em águas internacionais, provocou perplexidade ao redor do mundo.
Equivocaram-se os analistas que, num primeiro momento, discutiram o caso a partir da aplicabilidade ou não da legítima defesa por parte de Israel. Quaisquer explicações revelaram-se injustificáveis. Rapidamente, o foco concentrou-se no cerne da questão, que está na inaceitabilidade do bloqueio da Faixa de Gaza, imposto por Israel em 2007 depois que o Hamas, partido que venceu as eleições de 2006 sobre o Fatah, assumiu o poder no território.
A Faixa de Gaza consiste em um gueto de 352 quilômetros quadrados, que abriga mais de 1,5 milhão de palestinos, revelando uma densidade demográfica dramática. Cerca de dois terços são refugiados e descendentes de refugiados do conflito árabe-israelense de 1948.
Em 1940, após a invasão da Polônia em 1939, os nazistas encarceraram meio milhão de judeus no Gueto de Varsóvia. Muitos morreram de fome e em consequência de doenças. De maneira estranhamente similar, Israel encarcera mais de 1,5 milhão de palestinos na Faixa de Gaza, em situação que faz lembrar aquela do Gueto de Varsóvia. Gaza é igualmente cercada de um muro, mas também conta com instrumentos de repressão como cercas eletrificadas e torres de controle.
O severo bloqueio mantém em poder de Israel o controle do espaço aéreo, das águas territoriais, do tráfego de mercadorias e do movimento da população. O único acesso de bens para Gaza são os diversos túneis de contrabando escavados abaixo da fronteira com o Egito. Desde a imposição do bloqueio, Gaza mereceu a trágica qualificação de um dos maiores campos de concentração a céu aberto existentes na atualidade. A absoluta maioria da população sobrevive graças ao apoio internacional. Os palestinos não são autorizados a viajar, a procurar trabalho em Israel, a pescar a certas distâncias da costa.
Por trás da transformação de Gaza em campo de concentração está uma estratégia de isolamento do Hamas. O objetivo desta política de encarceramento, que tem o condão de punir coletivamente a população local, é tornar a vida insuportável atribuindo a responsabilidade pela crise ao grupo. Para o direito internacional, isso configura crime contra a humanidade. O ocidente, embora sempre pronto a condenar as violações do direito internacional e dos direitos humanos pelos países árabes ou muçulmanos, mantém um silêncio ensurdecedor diante do bloqueio de Gaza.
De nada servirá atentar contra a população civil palestina ou atirar contra humanitários internacionais. O Hamas, produto do desespero, da humilhação, da privação dos direitos humanos impostos à população palestina e símbolo da resistência, persistirá.
Amós Oz, intelectual israelense que representa a esquerda engajada, declarou com razão que o bloqueio da Faixa de Gaza origina-se da errônea suposição de que o Hamas pode ser derrotado pela força das armas, ou que o problema palestino pode ser esmagado, em vez de solucionado. Entretanto, a única maneira de remover o Hamas é chegar a um acordo para a criação de um Estado independente na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, conforme as fronteiras definidas em 1967, com capital em Jerusalém Oriental. A paz só retornará de mãos dadas com a dignidade do Estado palestino, sem muros nas fronteiras. Muros, guetos, racismo, apartheid, deveriam ficar todos esquecidos no século 20.
Larissa Ramina, doutora em Direito Internacional pela USP, é professora da UniBrasil e da UniCuritiba.