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Há muitos anos, voltando de ônibus de Curitiba para o Rio, um senhor extraterrestre sentou-se ao meu lado. Educado, disse ser um representante da raça Almaran. Me explicou que eles tinham bases submarinas no triângulo das bermudas e são conhecidos como “jardineiros do universo”. Com toda a polidez, respondi: “Desculpe, mas não acredito em nada do que o senhor está me dizendo”. Mesmo assim, ele insistiu que podia confiar em mim e fez uma pergunta: “Qual o melhor sistema de governo para a Terra?”. Tive que esperar o Google ser inventado para finalmente receber mais de 15 milhões de respostas.
Sabemos que confrontos ideológicos entre nazismo e comunismo contribuíram para a Segunda Guerra Mundial gerando aproximadamente 70 milhões de mortos há 80 anos. No Brasil de hoje, há brasileiros achando que se livraram de um presidente “nazista” e que um presidente “comunista” seria aparentemente a solução para a nona economia capitalista do mundo.
Será que os que ganham mais de R$ 3.100 por mês estariam dispostos a ganhar menos para compartilhar mais? Incluindo políticos e juízes?
Como? Redistribuindo a riqueza? O PIB do Brasil é de 1.6 trilhões de dólares. A população é de 214 milhões. Distribuindo tudo com “justiça social” daria uns 7.476 dólares por ano para cada um, ou 623 dólares por mês – equivalentes a mais ou menos 3.100 reais por mês. Seria isso? Bastaria aumentar o salário-mínimo de R$1.300 para R$ 3.100 e todos os nossos problemas estariam resolvidos? Para que isso aconteça, será que os que ganham mais de R$ 3.100 por mês estariam dispostos a ganhar menos para compartilhar mais? Incluindo políticos e juízes? E depois?
Será que há algo errado além da excessiva simplicidade dos meus cálculos? Parece que sim. A riqueza de um país é muito mais do que apenas salários. Os salários representam a parte que vai principalmente para consumo e, em menor medida, para poupança. Precisamos considerar também a produção (indústria, infraestrutura, comércio, serviços) e a realidade dos que não podem produzir: crianças, idosos, pessoas especiais etc.
A história não termina nunca, mas o desafio do momento parece ser a própria natureza humana.
Precisamos imaginar que nada seria desviado em corrupção e todos os que podem produzir teriam incentivos para isso. Afinal, em última análise, o que o país produziria e como? Essas foram algumas das dificuldades que acabaram derrubando o comunismo da União Soviética em 1991. Em 1992, o cientista político americano Francis Fukuyama escreveu um livro sobre o Fim da História, explicando que o fascismo e o comunismo tinham sido derrotados, e, portanto, não deveria haver nenhuma competição séria pela democracia liberal e pela economia de mercado. E eu acrescento: a história não termina nunca, mas o desafio do momento parece ser a própria natureza humana.
Não podemos julgar o capitalismo a partir das ações dos capitalistas mais selvagens e predadores que já existiram, como não podemos condenar a ideia de sociedades um pouco mais justas a partir dos massacres comunistas promovidos por Stalin na União Soviética, por Mao na China ou Pol Pot no Camboja. Há sempre o salutar exemplo da Suécia, dizem alguns, esquecendo que a Suécia é um país onde um empresário capitalista pode ter melhores condições de prosperar do que nos EUA. Por outro lado, alguns citam até a China, esquecendo que a China é o maior país comunista mais capitalista do mundo.
Não podemos condenar a ideia de sociedades um pouco mais justas a partir dos massacres comunistas promovidos por Stalin na União Soviética.
E há outros que insistem em achar que a solução universal para o futuro estaria em teorias utópicas do passado, como comunismo, socialismo, ditadura do proletariado etc. Muitas pessoas que acreditam nisso são genuinamente boas. Muitas são até ricas e expiam sua culpa pensando que o sistema capitalista que as tornou ricas poderia ser substituído por um sistema socialmente mais igualitário e democrático sem desigualdades sociais.
Mas esse sistema existe? Até onde sabemos, não existe como sistema ou como fórmula de governo. Há bons exemplos de teorias e práticas pontuais como sustentabilidade corporativa, democracia social, capitalismo natural, capitalismo consciente, desenvolvimento sustentável. Bibliotecas inteiras já foram escritas sobre essas boas ideias. Mas nunca houve ditadores sanguinários querendo implantá-las à força.
Poderemos dizer que os brasileiros finalmente terão mais renda, educação, comida, habitação, transporte, saúde e emprego?
Na prática, o Brasil está polarizado. Um novo governo completa cem dias com resultados nada animadores. Há quase 60 anos o comunismo foi afastado por um movimento militar em 31 de março. Há uns 60 dias atrás, um estranho tipo de “comunismo” teria começado por falta de um movimento militar?
Ao invés de ressaltar o que nos divide, eu gostaria de sugerir uma plataforma que nos una. Que tal olharmos as políticas públicas não por suas intenções, mas por seus resultados, como disse o economista, e ganhador do Prêmio Nobel, Milton Friedman? Alguns dos resultados desejáveis para um Brasil melhor poderiam incluir, por exemplo, ministros e políticos seriam pessoas com ficha limpa e especialistas em sua área de atuação, o governo trabalharia de forma técnica para atrair investimentos e com isso aumentaria a renda de todos ao gerar empregos, instituições governamentais não fariam marketing político e poupariam recursos para investir em prioridades sociais etc.
Os indicadores de sucesso do governo seriam bem objetivos: índice de emprego alto, inflação baixa, aumento dos investimentos no país, indicadores sociais equilibrados, produtividade industrial e agrícola, preservação ambiental, desempenho da bolsa de valores, segurança pública, liberdade de expressão, número de pessoas concluindo educação primária, secundária e terciária, melhor acesso a saúde etc. Mas... espera aí! Um momento. O governo que acabou derrotado nas invioláveis urnas eletrônicas não estava tentando fazer exatamente isso?
Eliminadas as narrativas, o marketing, fake news, ideologias, rótulos falsos, o verniz das hipocrisias, o jogo de cadeiras sobre quem será nomeado onde, qual partido domina qual orçamento etc., poderemos dizer que os brasileiros finalmente terão mais renda, educação, comida, habitação, transporte, saúde e emprego? Estou ansiosamente acompanhando os resultados para poder dizer ao meu amigo extraterrestre qual seria o melhor sistema de governo para o planeta Terra, com urgência urgentíssima, antes que os brasileiros destruam tudo.
Jonas Rabinovitch é arquiteto urbanista com 30 anos de experiência como Conselheiro Sênior para inovação e gestão pública da ONU em Nova York.