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Geopolítica como filosofia política radical: o Clube Bilderberg e as teias ocultas do poder
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"A expressão “teoria da conspiração” foi cunhada pela CIA no documento número 1035-960, datado de 1⁰ de abril de 1967. (Os donos do mundo, p. 29 

Os estudos de filosofia política, dada a predominância do modelo de leitura estrutural de textos clássicos, em geral se debruçam sobre um ou mais autores canônicos da história da filosofia. Outra via possível é a escolha de um conceito acerca do qual se faz a devida hermenêutica a partir de um recorte temporal ou autoral. Eis caminhos bastante percorridos pelos pesquisadores em filosofia quando o tema é a política. Trabalho de elucidação de autores e problemas internos aos sistemas, tem grande valor pedagógico, pois ensina a pesquisar e a pensar. Pode, noutra chave, levar a ótimos resultados de elucidação de um autor, conceito ou problema filosófico.

Ao girar em torno dos clássicos, a filosofia política deixa a outras áreas a pesquisa sobre questões de conjuntura ou históricas. Focada no conceito, prescinde em larga medida da empiria, que fica a cargo da história ou das ciências sociais. Nada impede, entretanto, que investigações não exclusivamente filosóficas, ou que não sejam feitas nos moldes acima indicados, apresentem resultados altamente filosóficos, bem como métodos filosóficos – aliados a dados concretos – de investigação.

No livro Os donos do mundo apresenta-se a filosofia política em um de seus desdobramentos mais ricos e pouco usuais,

O clássico, aponta Ítalo Calvino, é “aquele que não cessou de dizer o que tem a dizer”. Portanto, é lente para ler e esclarecer o mundo. Pode e deve ser usado para a leitura do conjuntural e do histórico. Quando conceitos definidos pelos autores canônicos da filosofia política são colocados em xeque por orquestrações de bastidor, que é exatamente o que mostra a pesquisa de Cristina Martín Jiménez no livro Os donos do mundo (Vide Editorial, 2020), apresenta-se a filosofia política em um de seus desdobramentos mais ricos e pouco usuais, aquele que borra as fronteiras entre história, conjuntura e filosofia.

Autores da filosofia política apresentam teses sobre os modos de exercício do poder, investigam acerca do melhor governo, do mais apropriado regime, tratam do conceito de Estado, da definição da justiça, de temas como liberdade e bem comum. O que ocorre, todavia, quando uma pesquisa em fontes primárias, realizada cuidadosamente por mais de uma década, coloca sob os holofotes decisões de bastidor, tomadas por uma pequena elite, as quais minam instituições muito caras à filosofia política? Como qualificar uma pesquisa que apresenta análises geopolíticas que emparedam conceitos preciosos à filosofia política, como democracia, soberania, representatividade, liberdade política?

O espanto causado pelas descobertas de Jiménez é profundamente filosófico, bem como o são os caminhos adotados como método pela autora.

Uma hipótese em dois lances é: (a) um ensaio de tal natureza é um braço da filosofia política; (b) trata-se de uma radicalização, no sentido de ida à raiz, dos estudos de filosofia política. Por isso, talvez se possa chamar tal gênero de ensaio também de filosofia política ou, no mínimo, o considerar uma de suas derivações. Pois o espanto causado pelas descobertas de Jiménez é profundamente filosófico, bem como o são os caminhos adotados como método pela autora.

O ensaio faz pensar sobre articulações de bastidor, realizadas por quem tem enorme poder, inclusive para se travestir com instituições fundamentais ao Ocidente, objetivando alcançar o domínio de espectro total de maneira sutil. Lobos em pele de cordeiro, nominados no correr da obra, postos a cuidar das democracias ocidentais, bem como a implantar tal regime onde não exista, porém fazendo no frigir dos ovos o exato oposto do que pregam em discursos, por meio das instituições que comandam, desde fundações a organismos supranacionais.

O objeto de investigação do ensaio de Jiménez é o Clube Bilderberg.

O ensaio de Jiménez, Os Donos do Mundo, é, nesse sentido, um braço da filosofia política, não obstante ser, em classificação usual, um ensaio de geopolítica ou uma investigação jornalística. Assim como Milton Santos conseguiu elevar a geografia a patamares filosóficos em obras tais como Técnica, Espaço, Tempo, Jiménez o faz em Os Donos do Mundo. Ao ir à raiz dos problemas usando lentes e métodos filosóficos cruzados com análise conjuntural e histórica, traz empiria à luz de conceitos filosófico-políticos, mostra a desconstrução da política e a usurpação do poder global por uma oligarquia oculta. Como corolário do ensaio, conceitos da filosofia política se liquefazem, o que é problema de alto interesse às investigações filosóficas. Que mapa radical e instigante mostra Jiménez? É o que se desenha a seguir, iluminando em maior medida algumas partes do livro e apenas apontando outras.

O objeto de investigação do ensaio de Jiménez é o Clube Bilderberg. Trata-se de um clube de elite constituído por bilionários e pessoas muito influentes – jornalistas, professores universitários de escol, políticos, executivos etc. – que se reúnem anualmente, desde 1954, a portas fechadas. Na verdade, o livro encerra uma trilogia, ao lado de Perdidos: los planes secretos del Club Bilderberg e Los planes del Club Bilderberg para España. Soma-se à trilogia a tese doutoral defendida pela autora em junho de 2017, Interrelación entre el poder sociopolítico-mercantil y el poder mediático mercantil: el “Club Bilderberg” (1954-2016), na qual realizou uma análise estrutural dos magnatas, acionistas, CEOs e diretores dos meios de comunicação globais, membros do Clube Bilderberg, encerrando um ciclo de treze anos de investigação acerca da entidade.

O livro se estrutura em treze capítulos e seis anexos. Os temas trabalhados vão desde o Clube Bilderberg, no capítulo 1, passando pela maçonaria e sua relação com os bilderbergs, o uso de instituições para manipulação da sociedade,a submissão das mídias mainstream aos donos do mundo, à tática das pandemias, objeto do capítulo 10, entre outros correlatos. Não desdobrarei cada um dos capítulos, uns mais bem fundamentados, outros mais especulativos – o que é compreensível, dada a natureza do objeto de estudo, mas farei alguns apontamentos sobre o capítulo 9, que se intitula As mentiras do “aquecimento global”, para que o leitor aquilate o teor polêmico dos problemas trabalhados pelo ensaio.

Ressalte-se, no caso específico deste capítulo, a base empírica e teórica consistente, o que explicita, no mínimo, a divergência científica em torno do tema. Curiosamente, divergência que não se constata na consulta às mídias mainstream, para as quais o tema não pode mais ser objeto de discussão, dada a (suposta) urgência.

O conteúdo trazido pelo referido capítulo é sensível. Mesmo havendo cada vez mais cientistas e pesquisadores que se declaram céticos em relação à tese do aquecimento global antropogênico, ou seja, causado pelas emissões advindas de atividades humanas, a cobertura midiática mainstream dá mais voz a um dos lados que ao outro, com raras exceções, como é o caso do debate promovido por Luis Nassif em 2010. Para a autora, isso não é casual.

Os estudos de filosofia política em geral se debruçam sobre um ou mais autores canônicos da história da filosofia

O capítulo 9 começa com a reconstituição de uma reunião do Clube Bilderberg, na qual se planejava uma nova estratégia em direção à imposição de um governo mundial. Lemos na obra que “a expressão de David Rockefeller se manteve serena como de costume quando interrompeu o grupo para manifestar sua genial e mais recente ideia. – Diremos aos cidadãos que todos nós temos que lutar contra um grande perigo que ameaça nossa própria existência: a mudança climática [...] Mas, para que o plano seja eficaz, precisamos acrescentar o bordão “causado pelo homem”, porque se não convencermos as pessoas de que somos nós que a estamos causando, não seria possível lutar contra isso para resolver os problemas que supostamente geramos”. Diante de questionamentos, outro membro do grupo argumenta que “nós temos o controle sobre os meios de comunicação em massa, podemos dizer o que quisermos e transformar a maior mentira do mundo em realidade. Só temos que repeti-la cem vezes, a todo instante, em nossos jornais e canais de televisão. [...].”

Há então nova manifestação de Rockefeller: “Sim, contrataremos algum ator famoso, mas, para começar, acredito que Al Gore será um excelente candidato para implementar o plano [...] Falaremos com nossos contatos em Hollywood para que lhe deem um Oscar pelos documentários que vamos realizar [...]  Vamos revestir a informação de religiosidade, a ecologia será a grande religião do milênio, ou, melhor ainda, nós a transformaremos numa seita”. A autora, na sequência, narra o grau de espanto do discípulo lerdo – o membro que ousara discordar –, tempos depois, ao assistir ao documentário de Al Gore sobre o aquecimento global antropogênico (Uma verdade inconveniente, de 2006).

Ao girar em torno dos clássicos, a filosofia política deixa a outras áreas a pesquisa sobre questões de conjuntura ou históricas.

As palestras iam muito bem no mundo inteiro e a exibição do documentário foi uma bomba de amplo alcance. Quando, entretanto, tentaram obrigar, por lei, na Inglaterra, a exibição do documentário nas escolas, uma denúncia foi apresentada por um diretor escolar do condado de kent, Stewart Dimmock, em face da decisão do governo britânico de exibir a fita nas escolas secundárias do país (p. 187). O juiz do Tribunal Superior de Londres, Michael Burton, decidiu que o governo britânico poderia enviar a fita às escolas. Entretanto, apenas se “fosse acompanhada por um manual de orientação em que estivesse exposto o outro lado do argumento, para contrabalançar o ponto de vista ´unilateral` e a fim de desenvolver um espírito crítico nos alunos.”

No movimento seguinte, a autora expõe nove mentiras contidas no documentário de Al Gore segundo o veredito do juiz Burton. Nesta seção do capítulo, Jiménez afirma, ao final: “Al Gore levou o prêmio pra casa [o Nobel da paz pelo documentário referido], mas também uma denúncia interposta em razão de fraude [a denúncia que teve o desfecho com a sentença do juiz Burton]”. E finaliza: “Parece que nem todo mundo está disposto a ser enganado. Ao lado de mais de 30 mil cientistas, John Coleman, fundador do Weather Channel americano, cansado de convidar Al Gore e o IPCC da ONU para um debate televisivo, disse que o ex-vice presidente não poderá recursar o debate que ocorrerá durante o julgamento por conta de uma acusação de fraude”.

Na sequência do ensaio, a autora elenca vários argumentos de cientistas renomados contrários à tese de Al Gore, na seção do capítulo intitulada A grande farsa do aquecimento global. Este é exatamente o título de um documentário, exibido sem nenhum alarde midiático, no canal 4 britânico, em 2007. No documentário, vários cientistas de peso colocaram em jogo suas reputações e carreiras, bem como futuros financiamentos de pesquisa, para denunciar a fraude contida nas teses de Al Gore. Entre muitos outros, o professor Tim Ball, do Departamento de Climatologia da Universidade de Winnipeg, no Canadá, o professor Phipip Stott, do Departamento de Biogeografia da Universidade de Londres, Patrick Michaels, da Universidade da Virgínia, assim como Carl Busch, professor de oceanografia no MIT (Massachusetts Institute of Technology) e professor visitante de Harvard.

Nada impede que investigações não exclusivamente filosóficas apresentem resultados altamente filosóficos.

É Carl Busch quem afirma que “os oceanos têm memória dos acontecimentos passados até 10 mil anos atrás. Quando alguém diz ‘observo mudanças no Atlântico Norte, isso deve significar que o sistema climático está mudando’, não é bem assim: isso só pode significar que algo ocorreu numa parte remota do oceano dezenas ou centenas de anos antes, cujos efeitos estão agora começando a se manifestar no Atlântico Norte”.

Nenhum dos cientistas presentes no documentário concorda que o CO₂ emitido pelos humanos tenha qualquer relação causal com o aquecimento global. Nesse sentido, Nir Shaviv, físico do Instituto Racah e professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, diz: “Se tivesse me perguntado há alguns anos, teria dito: é o CO₂. Por quê? Porque, como qualquer outra pessoa, dei ouvidos ao que dizia a mídia.” Em outro ângulo sobre a questão, para mostrar a manipulação do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, da ONU), a autora cita, entre outros, o professor Paul Reiter, do Instituto Pasteur de Paris e ex-membro do IPCC. Diz o professor: “Essa afirmação de que o IPCC é composto de 2.500 dos melhores cientistas do mundo todo [...], se se observar a biografia dessa gente, você vai perceber que isso não é verdade; há uma enorme quantidade de pseudocientistas. E quanto aos especialistas que não estão de acordo com a polêmica e abandonaram o grupo (e eu conheço muitos deles), simplesmente foram inseridos na lista de autores e se tornaram parte desses 2.500 melhores cientistas do mundo”. Na mesma linha, Richard Lindzen, do IPCC e do MIT, afirma: “[...] para aumentar o número de 2.500 tiveram que começar a apelar para críticos, funcionários governamentais e qualquer conhecido. [...] O pessoal decidiu que tinha de convencer mais gente, e que, como nenhum cientista discorda, você também não devia discordar. Mas isso, embora digam que é ciência, não passa de pura propaganda”.

O leitor está convidado a se aventurar por este consistente ensaio de geopolítica e de jornalismo investigativo.

Na seção intitulada Os talibãs do clima, no mesmo capítulo, Jiménez traz o depoimento de Patrick Moore, cofundador do Greenpeace, que afirma: “não gosto sequer de chamá-lo de movimento ambiental; nunca mais vou chamá-lo assim, porque, na verdade, é um movimento político com muita influência em todas as partes do mundo”.

A cortina de fumaça do ambientalismo posto nesses termos, segundo a autora, faz com que os verdadeiros problemas ambientais locais – rios poluídos, lixões urbanos, falta de saneamento básico etc. – sejam atribuídos a causas que nada têm a ver com os problemas. Ou seja, os verdadeiros problemas ambientais são lateralizados e suas causas escamoteadas enquanto falsos problemas são atribuídos a falsas causas.

Os cientistas citados por Jiménez são unânimes em afirmar que as causas das mudanças climáticas macro, qualquer delas, aquecimento ou resfriamento, são o sol e os oceanos, sendo a atividade humana absolutamente indiferente para as mudanças estruturais do clima ao longo da história do planeta. Enquanto o foco é colocado no macro, com graus de falseamento e uso das mídias de massa como veículo de propaganda – na visão da autora, veículos cujos donos fazem parte, em grande medida, do Clube Bilderberg –, uma agenda de controle político das soberanias e da representação política é posta em ação.

Por fim, de uma perspectiva mais conceitual, o ensaio de Jiménez não pode – e não deve – passar em brancas nuvens ao interessado em filosofia política. De um lado, lança luzes nos porões de uma organização cuja existência é cercada de mistérios, mas que, provado fica, existe e tem peso no debate e nas decisões políticas mundiais. De outro lado, pode colocar em xeque o grau de efetividade de uma gama de conceitos muito caros à filosofia política – representação, soberania, democracia, justiça, bem comum, liberdade de expressão etc. Devemos igualmente dar crédito ao ensaio por ser parte de um projeto de pesquisa de treze anos, feito com o cuidado de alguém que encarou o assunto para além da simplificação que impede o debate, ou seja, para além da tese da “teoria da conspiração” – mais um termo “cortina de fumaça”, cuja paternidade está explicitada na epígrafe desta resenha.

Ademais, a pesquisa teve como coroamento a tese doutoral da autora, sendo o ensaio Os Donos do Mundo uma parte do caminho investigativo. Se as hipóteses de Jiménez são tão espantosas (para falar aristotelicamente), seu ensaio pode ser considerado uma derivação, ou mesmo um braço limite – no borrão das fronteiras disciplinares – da filosofia política. O leitor está convidado, assim, a se aventurar por este consistente ensaio de geopolítica e de jornalismo investigativo que se apresenta como um veio radical da filosofia política.

Luiz Carlos Montans Braga é professor de Filosofia do DCHF da UEFS em licença. É doutor em Filosofia, mestre em Direito, graduado em Direito e em Filosofia. É autor dos ensaios “A lente e o pince-nez: Machado de Assis, Espinosa e a cultura política no Brasil” (Cadernos Espinosanos), “Álvaro Vieira Pinto e a filosofia política da técnica” (Revista Tecnologia e Sociedade) e do livro “A Cidade e o Medo: filosofia, direito, literatura” (Max Limonad). Pesquisa autores da filosofia brasileira, especialmente Álvaro Vieira Pinto e Gustavo Corção. Uma resenha completa do livro Os donos do mundo, de Cristina Martín Jiménez, será publicada pelo autor na Revista de Geopolítica.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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