Desde o princípio, estamos sempre em busca da nossa liberdade, seja no mercado de trabalho, seja na vida pessoal, seja dentro da nossa rotina. Com a energia isso não é diferente. A liberdade impulsiona o mercado a procurar a sua ótima solução, seja na questão de preço, investimento, opção de fornecedor ou tipo de contrato.
O setor de energia vem há tempos tentando se libertar de suas próprias amarras. A primeira foi a quebra do monopólio da cadeia de geração, transmissão e distribuição. Grandes projetos e grandes usinas hoje vivem um livre mercado, liberal, incentivado pela expansão do mercado livre. Mas esse ainda é um mercado para poucos. Somente grandes consumidores (com demanda mínima de 500 kW) podem ter acesso a esse mercado em que se contrata energia diretamente da “fonte”, sem o intermediário (a distribuidora) no meio.
A geração distribuída veio para mudar esse mercado. Ofereceu oportunidades de investimento para investidores que jamais imaginaram poder investir em energia; permitiu o surgimento de empresas de energia que antigamente não teriam condições de concorrer com grandes grupos econômicos; permitiu que clientes que nunca tiveram opção pudessem comprar seu próprio gerador, ou instalar e até mesmo contratar energia diretamente de uma usina, seja ela uma fazenda solar, uma planta eólica, de biomassa, hidráulica ou de cogeração.
Podíamos; talvez não possamos mais.
Até agora, quem gera a própria energia recebe como crédito 100% do excedente gerado e que é lançado na rede. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) quer rever esse porcentual e vinha conduzindo bem o processo regulatório revisório, mas, aos 45 minutos do segundo tempo, alterou todas as propostas e premissas que estavam sobre a mesa, querendo retirar mais de dois terços desse crédito. A Aneel está, assim, equiparando pequenas usinas de geração distribuída a grandes projetos, o que não é razoável, pois nunca será factível competir com o ganho de escala e as diferentes premissas de comercialização.
Enquanto há técnica e transparência, existe confiança. Nesse caso, a questão virou política, reação da mudança de comportamento da Aneel. Comentários como “essa casa não se submete a fake news” e “se o usuário não quiser, ele que opere off-grid (desconectado da rede)” fizeram parte da fala dos diretores na reunião pautada por uma das questões mais sensíveis nos últimos anos dentro do setor de energia.
As mudanças abruptas e a imprevisibilidade no setor de energia repetem fatos recentes. Em 2012, a então presidente Dilma Rousseff promulgou a MP 579, rompendo diversos contratos. A promessa de redução de 20% nas contas de energia feita na sua campanha presidencial se tornou aumento de 50% desde 2014. Vale ressaltar que temos diversas componentes dentro da conta de energia; a MP 579 não foi o único fator para o aumento, mas foi o que teve mais impacto. Imagine o empresário brasileiro, que normalmente tem a energia elétrica como terceiro maior custo fixo no seu negócio, ao ver o custo da sua energia dobrar entre 2004 e 2019 na Copel, atingindo às vezes múltiplos do IPCA, a inflação oficial, referência de mercado.
A Aneel tem livre arbítrio para realizar mudanças e adequações nas suas próprias resoluções normativas, mas espera-se um mínimo de previsibilidade quanto aos seus ritos regulatórios e sensatez na escolha adotada, seja no porcentual que será tirado de quem decidiu gerar a sua própria energia, seja na inexistência de um período de transição, aniquilando diversas empresas e empregos que foram criados. Em um setor tão essencial e estratégico, a segurança jurídica e a previsibilidade são premissa básica para a subsistência de toda a cadeia, seja para a implantação de novas fábricas de equipamentos, na rede de distribuição, para empresas de projetos, desenvolvimento e instalação.
Antigamente, atuar no mercado de energia era privilégio de grandes e poucos. Empresas estatais como Copel, Cemig, Eletrobrás e Chesf detinham o monopólio e o know how para atuar no setor. Hoje, o privilégio é de todos. Vivemos, finalmente, a liberdade. Mas corram, pois a liberdade desse mercado tão rico e promissor pode estar com os dias contados.
A geração de energia, afinal, é um mercado para todos ou para poucos?
Eduardo Hahn de Castro, engenheiro civil, mestre em Planejamento Estratégico com MBA em Setor Elétrico, é CEO da Argon Energia.