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Gestor público: servir e ser útil ao maior número de pessoas

Leitos para Covid-19 no Paraná. (Foto: Rodrigo Felix Leal/AEN)

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Em tempos de confinamento somos bombardeados, diariamente, com uma série infindável de informações. Evolução do número de infectados, escalada no número de mortos, taxa de ocupação de leitos de UTI, necessidade de distanciamento social e compra de respiradores. O clima não está ameno.

A prática de atos de gestão convenientes e oportunos na busca do interesse público, assim como a atenção às peculiaridades da situação emergencial em que vivemos – nunca se esquecendo dos aspectos legais – é o “fiel da balança” para o gestor público, nesse cenário de cobranças exacerbadas e incertezas quanto ao futuro. É sempre bom lembrar, conforme ensina o eminente professor Regis Fernandes de Oliveira, que o ato administrativo é uma declaração unilateral do Estado, ou do servidor que faça suas vezes no exercício de determinado cargo, que produza efeitos jurídicos.

Phillip Gil França, outro ilustre mestre, enfatiza que saber o que fazer, quando fazer e como fazer, assim como ter a consciência das consequências do que é feito, são fatores importantes para uma boa gestão pública. Nesse sentido, o bom gestor público precisa ter em mente quais serão os reflexos de sua atuação para que a sua atividade, verdadeiramente, alcance a realização do desenvolvimento esperado. De forma diametralmente oposta, o que não fazer é tão ou mais importante quanto o que fazer.

Assim, quando um secretário de Saúde estadual decide pelo recebimento de respiradores que não estão acordo com as especificações do termo de referência, instrumento obrigatório para toda contratação pública, sem a qualificação das circunstâncias objetivas que autorizam a prática desse ato, ocorrerá efetivamente a consecução dos objetivos de interesse público, em um momento emergencial como o que vivemos? É claro que não.

A motivação dos atos praticados, assim como a transparência, é um dever de todo gestor público e direito pleno da sociedade numa democracia. Entretanto, sem qualquer tentativa de justificar atos criminosos, uma questão é digna de nota: ser gestor público é algo muito difícil. Em tempos de pandemia é mais difícil ainda, pois aquele que possui poderes materializados na tinta de sua caneta está diante do seguinte dilema: tomar medidas tempestivas ou ser responsabilizado administrativamente e até mesmo na via judicial?

Ser gestor público é algo muito difícil, mas não impossível. Lembra Phillip Gil França que a possibilidade de optar por um caminho, dentre alguns, que estão à disposição do gestor público, mediante um contexto, para o alcance do interesse público denomina-se discricionariedade administrativa. Não é a mera escolha entre duas ou mais opções legais, mas a escolha do “melhor” caminho. Por meio da ponderação dos valores envolvidos na situação, o administrador prudente e sensato prosseguirá firme na construção da melhor resposta para a situação com que se defronte.

Para complicar ainda mais esse cenário, com a pandemia de Covid-19 a demanda por insumos, equipamentos e medicamentos aumentou vertiginosamente, praticamente em todo o mundo. Em paralelo, os problemas logísticos se acentuaram, com a dependência do mercado externo, o colapso do setor aéreo e a falta de voos, dificultando o transporte de alimentos, cargas e suprimentos em geral, isso sem citar os equipamentos de proteção individual – EPI, específicos da área de saúde. Além disso, no que tange aos recursos humanos, existe a necessidade premente dos mais variados tipos de profissionais. Médicos intensivistas, enfermeiros e fisioterapeutas são tão importantes quanto à disponibilidade de leitos em UTI.

Nessa sequência, em função da complexidade do momento em que vivemos, o Secretário de Saúde estadual deveria utilizar sua competência para atingir a finalidade previamente traçada (salvar vidas, prover infraestrutura de saúde etc). Isso não foi feito, uma vez que estamos diariamente a ouvir relatos sobre fraudes e irregularidades na utilização dos recursos públicos destinados ao combate da pandemia. São compras de respiradores em adegas, pagamentos antecipados de equipamentos que nunca serão entregues e hospitais de campanha não finalizados. O cardápio de problemas é variado, atendendo a todos os gostos e áreas temáticas.

Phillip Gil França salienta que, para uma boa administração pública, ciente das consequências de suas ações, é imprescindível que o gestor público tenha em mente os seguintes princípios: o que se faz é tão importante como se faz; qualquer exercício de gestão pública é passível de responsabilização; e as consequências do ato administrativo extrapolam o universo pessoal do gestor público, atingindo outras pessoas, bens e direitos. Nesse caso, alcançou até mesmo os familiares de um suposto Secretário de Saúde estadual, que recebeu a visita da Polícia Federal às 6 horas da manhã para uma alvorada festiva.

Não poderia deixar de mencionar que, com a pandemia, ocorreram mudanças significativas nos hábitos e costumes que atingiram cruelmente nossas almas. Parecia que o mundo passava por um castigo coletivo sem hora para acabar. Por um breve momento pairou a esperança por um mundo mais fraterno e atento às necessidades coletivas. Pura ilusão. O que se viu, de forma potencializada, foi o tratamento do dinheiro público como se privado fosse e um total descaso com o semelhante. Estamos muito mal.

Como cidadão carioca, termino com uma frase de Michel Eyquem de Montaigne, jurista, político, filósofo, escritor e humanista francês, que apresenta o seguinte: a mais honrosa das ocupações é servir ao público e ser útil ao maior número de pessoas. Nossos gestores públicos estão precisando de uma boa dose desse ensinamento, além de compaixão, em tempos de pandemia.

Carlos Alexandre Nascimento Wanderley é mestre em Ciências Contábeis e autor de livros e artigos na área de auditoria e controle governamental.

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