Ruy Castro, o brilhante autor de O Anjo Pornográfico e Chega de Saudade, livros obrigatórios para quem gosta de um belo texto, costuma acertar no alvo. Em sua coluna na Folha de S.Paulo, mais uma vez, foi preciso, corajoso e politicamente incorreto. Ao comentar a Política Nacional de Drogas do governo que investirá na abstinência do usuário, em vez da redução de danos, Castro fechou com a proposta. Armado de uma sinceridade afiada, fruto da experiência vivida e sofrida, não faz concessões.
Considera um equívoco, marca registrada da política de redução de danos, a referência aos usuários cujo grau de dependência seja mais baixo. “Na condição de dependente químico que se tratou há 31 anos e tem se mantido à distância dos produtos, aprendi, comigo mesmo e com usuários e dependentes com quem convivi, que as duas categorias não formam uma mesma pessoa. Um usuário pode passar a vida usando sua droga em quantidade razoável para seu organismo – e apenas para este – sem se tornar dependente. Mas, se a dependência se instalar – ou seja, se o organismo passar a exigir a droga para se manter estável –, não haverá mais possibilidade de autocontrole”. E conclui, carregado de realismo e com uma chispa de ironia: “Bater papo com o terapeuta no consultório e continuar bebendo ou cheirando só fará bem ao terapeuta”. É isso aí. Rigorosamente.
O Brasil é hoje o maior espaço consumidor da droga na América do Sul
As drogas avançam. Devastam. Matam. No mercado da cocaína o Brasil exerce triste liderança. O País é hoje o maior espaço consumidor da droga na América do Sul e, provavelmente, o segundo maior nas Américas. Cresce em progressão geométrica a demanda doméstica. Ademais, somos hoje um importante corredor de distribuição mundial.
Multiplicam-se, paradoxalmente, declarações otimistas a respeito das estratégias de redução de danos. O essencial, imaginam os defensores dessa corrente, não é a interrupção imediata do uso de drogas pelo dependente, mas que ele tenha uma melhora em suas condições gerais. Embora alguns usuários possam imaginar que sejam capazes de controlar o consumo, cedo ou tarde, descobrem que, de fato, já não são senhores de si próprios. Não existe consumidor ocasional. Existe, sim, usuário iniciante que, frequentemente, engrossa as fileiras dos dependentes crônicos. Afinal, a compulsão é a marca do usuário de drogas.
Transcrevo o depoimento de um adicto recuperado. Ele fala com a força e a sinceridade de quem esteve no fundo do poço: “Sou filho único. Talvez porque meus pais não puderam ter outros filhos, me cercavam de mimos e realizavam todas as minhas vontades. Aos 12 anos comecei a fumar maconha, aos 17 comecei a cheirar cocaína. E perdi o controle. Fiz um tratamento psiquiátrico, fiquei nove meses tomando medicamentos e voltei a fumar maconha. Nessa época já cursava Medicina e convenci meus pais de que a maconha fazia menos mal que o cigarro comum. Meus argumentos estavam alicerçados em literatura e publicações científicas. Eles mal sabiam que estavam sendo enganados, pois, além de cheirar, também passei a injetar cocaína e dolantina, que é um opiáceo. Sofri uma overdose e somente não morri porque estava dentro de um hospital, que é o meu local de trabalho”.
Do mesmo autor: O STF e as drogas (publicado em 13 de fevereiro de 2017)
Leia também: Efeitos e mitos do consumo de maconha por adolescentes (artigo de Pablo Roig, publicado em 13 de julho de 2018)
“Após esta fatalidade”, continua, “decidi me internar numa comunidade terapêutica e hoje, graças a Deus, estou sóbrio. O uso moderado de maconha sempre acabava em drogas injetáveis. Somente a sobriedade total, inclusive do álcool, me devolveu a qualidade de vida que não pretendo trocar nem por uma simples cerveja ou uma dose de uísque” (A.S.N., médico, ex-interno da Comunidade Terapêutica Horto de Deus, Taquaritinga, SP).
Observa-se, na contramão da realidade, um crescente movimento a favor da descriminalização das drogas, sobretudo da maconha. Bandeira frequentemente agitada em certos setores do entretenimento e em alguns redutos de profissionais da saúde pública, a descriminalização não ajudará nada. Ao contrário.
A prevenção e a recuperação, guindadas à condição de prioridade da Política Nacional de Drogas, merecem o apoio de todos nós.
Carlos Alberto Di Franco é jornalista.
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