Em 7 de julho de 2022, em meio ao conflito ucraniano, o presidente russo Vladimir Putin fez um discurso a representantes da Duma (o Parlamento russo) em que, entre outras coisas, ele comenta o seguinte: “[...] porque essa operação também significa o início de uma ruptura radical da ordem mundial no estilo americano. Este é o começo da transição do egocentrismo liberal-globalista americano para uma ordem verdadeiramente multipolar, baseada não em regras oportunistas criadas por alguém para suas próprias necessidades, por trás das quais não há nada além de uma busca por hegemonia, tampouco em padrões dúplices e hipócritas, mas no Direito Internacional e na genuína soberania das nações e civilizações, em sua vontade de viver seu destino histórico, com seus próprios valores e tradições, e alinhar uma cooperação com base na democracia, na justiça e na igualdade”.
Desnecessário dizer que o discurso em questão (como a maioria dos discursos de Putin desde 24 de fevereiro de 2022) causou furor no Ocidente. Naturalmente se pintou o discurso como mera narrativa autolegitimadora de um “autocrata”, questionou-se a razoabilidade de apelar à soberania enquanto se “invadia” um país “soberano” etc. Mas na verdade o principal ponto de controvérsia foi o seguinte: Vladimir Putin estava apelando ao tópico do “globalismo” para justificar o engajamento armado de seu país na Ucrânia.
A “ameaça globalista” aparecia como mito mobilizador de uma “extrema-direita” renovada, não raro, com conotações fascistoides.
Para entender isso precisamos retornar um pouco. O termo em questão despertou atenção midiática apenas em 2016, no contexto das eleições presidenciais nos EUA. Talvez por influência de Steve Bannon (à época, influente como estrategista eleitoral de Donald Trump, mas recentemente falseado como uma espécie de “análogo” direitista de George Soros), o candidato republicano utilizou o “globalismo” inúmeras vezes em seus discursos como um “símbolo”, facilmente identificável, de todos os problemas da “América”.
A palavra evocava, simultaneamente, a imagem de um país governado por uma elite tecnocrática e cosmopolita que, ao se abrir no sonho delirante de se espalhar por todo o espaço planetário, havia perdido as suas fábricas para o Oriente e permitido a invasão do país por massas de desvalidos do Terceiro Mundo. A essa visão central, fundamental para o diálogo de Trump com o proletariado branco do Rust Belt (aquela ampla camada popular apelidada por Hillary Clinton de “basket of deplorables”), diversos outros elementos são acrescentados ou deduzidos no decorrer tanto da campanha eleitoral como da presidência Trump.
Uma maneira radical de “cancelar” o conceito de globalismo e o debate sobre ele foi gestada diretamente pela mais importante instituição internacional ligada ao chamado “lóbi sionista”, a ADL.
Graças ao contexto, o termo se tornou, nessa seara midiática, indissociável do fenômeno político populista em geral. Nas narrativas, mais ou menos acadêmicas, que visavam explicar o fenômeno, a “ameaça globalista” aparecia como mito mobilizador de uma “extrema-direita” renovada (não raro, com conotações fascistoides) para canalizar os ódios e ressentimentos de uma suposta “classe média”. Não se encontra muita preocupação genealógica com o conceito, cuja paternidade é às vezes atribuída ao controverso comentarista político Alex Jones, porque a intenção parece ser a de deslegitimar o conceito e a bagagem temática que ele porta através de uma acusação de irracionalismo e conspiracionismo.
No Brasil é familiar a narrativa segundo a qual o termo teria sido inventado por Olavo de Carvalho, em uma espécie de Reductio ad Olavum, em que a mera conexão olaviana bastaria para descredibilizar o termo ou quaisquer reflexões que fizessem uso dele.
Uma maneira ainda mais radical de “cancelar” o conceito de globalismo e o debate sobre o mesmo foi gestada diretamente pela mais importante instituição internacional ligada ao chamado “lóbi sionista”, a ADL, ou Anti-Defamation League, cujo diretor Jonathan Greenblatt alegou, sem indicar fontes, que o termo teria sido inventado por supremacistas brancos para aludir à ideia extravagante de uma “conspiração mundial judaica”. Nesse sentido, toda crítica ao “globalismo” seria implicitamente antissemita por um vício de origem. A ADL, diga-se de passagem, é uma das principais responsáveis pela difusão das histerias coletivas sobre o “sinal de ok” e sobre o “copo de leite” como “símbolos neonazistas”.
Toda crítica ao “globalismo” seria implicitamente antissemita por um vício de origem.
O tratamento folclórico e histérico concedido ao tema é, por si mesmo, bastante suspeito para todos aqueles que amam o conhecimento pelo conhecimento e não são muito afeitos aos novos tabus e ídolos que as elites atuais ergueram no lugar dos tabus e ídolos dos séculos passados (como previsto por Friedrich Nietzsche). Nesse caso, o que é, então, o globalismo e de onde surge o conceito? O tema pode ser abordado de diversas maneiras.
Podemos fazer uma primeira parada em Raymond Vernon, economista ianque considerado um dos pais tanto do Plano Marshall como do FMI. Em 1988, ele publicou uma obra chamada Beyond Globalism: Remaking American Foreign Economic Policy (poderíamos traduzir como “Para Além do Globalismo: Reconstruindo a Política Externa Econômica dos EUA”). Nessa obra, o autor (que é considerado, também, um dos pais da globalização) define “globalismo” como sendo a visão estadunidense de um mundo de mercados globais abertos operando sob a supervisão tecnocrática de instituições multilaterais. Vernon, porém, demonstra ceticismo em relação à perspectiva de uma cooperação internacional irrestrita sob a liderança dos EUA pelo que ele considera o “amadorismo” dos políticos ianques.
Se avançarmos um pouco para o ano de 1991 veremos Robert Reich, que serviu nas administrações Ford, Carter e Clinton, abordando o “globalismo” na obra The Work of Nations: Preparing Ourselves for 21st Century Capitalism (A Obra das Nações: Nos Preparando para o Capitalismo do Século XXI) da seguinte maneira: “Estamos passando por uma transformação que vai reconfigurar a política e a economia do século vindouro. Não haverá mais produtos ou tecnologias nacionais, tampouco corporações nacionais ou indústrias nacionais. Não haverá mais economias nacionais [...] Todas as fronteiras se tornarão crescentemente irrelevantes em termos econômicos”.
O que se deduz dessas obras e de vários outros livros e artigos escritos nessa época por intelectuais ianques é que o mundo pós-Guerra Fria estava ingressando em uma nova era de inaudita mobilidade de pessoas, bens e dinheiro, de modo que essas condições objetivas estariam além da capacidade de regulação por parte do Estado-nação, visto então como uma relíquia ultrapassada.
O advento do globalismo permite a seus apologistas inclusive negar a existência de algo como “economia nacional” em nossa época.
A ideia apresentada parece indissociável do capitalismo liberal triunfante, inclusive com a afirmação categórica da supremacia da economia sobre a política, ou seja, do Capital sobre o Estado. De fato, a definição dada pelos intelectuais estadunidenses parece intercambiável com o que se convencionou chamar à esquerda de “neoliberalismo”, ainda que este seja pensado da perspectiva terceiro-mundista do processo de desregulamentação que se testemunha de forma sincrônica em vários países entre os anos 80 e a atualidade.
Essa conexão pode ser ainda mais evidenciada, por exemplo, pela obra Global Companies and Public Policy (Empresas Globais e Políticas Públicas), escrita em 1990 por DeAnne Julius, que sustenta que a natureza do globalismo (enquanto fato objetivo da economia mundial) apagava qualquer caráter nacional original das corporações tornadas multinacionais. Em que medida se poderia dizer, por exemplo, que a Bayer ainda é uma “empresa alemã”? A autora em questão chega ao ponto de negar a relevância do conceito de “comércio exterior” e afirma que os problemas de balanças de pagamento se tornaram irrelevantes em um mundo no qual corporações multinacionais passam a abarcar cadeias globais. O advento do globalismo permite a seus apologistas supracitados, inclusive, negar a existência de algo como “economia nacional” em nossa época.
Em que medida globalismo e globalização seriam sinônimos? Como sempre, tudo aqui vai depender de como definirmos os termos do debate.
Em um interlúdio, poder-se-ia aqui questionar em que medida esses fenômenos já descritos poderiam se encaixar no globalismo tal como ele aparece nos discursos de um Donald Trump, um Viktor Orbán ou um Vladimir Putin. Seria possível, por exemplo, levantar a objeção de que os populistas (ou “autocratas”, não sei bem qual é o termo da moda para líderes que desagradam o status quo pós-liberal) estariam descrevendo alguma outra coisa, na medida em que seus discursos estariam eivados de “ódio”, “conspiracionismo” e “discriminação”.
Na prática, porém, o que os populistas descrevem, usualmente de forma emotiva e teatral (afinal, são políticos), não é precisamente essa transformação já preconizada na virada entre os anos 80 e 90? Se tomarmos a crítica das migrações em massa, e as purificarmos dos histrionismos xenofóbicos não raro presentes, não ficamos com a descrição asséptica da liberdade irrestrita de fluxo de pessoas, funcional para permitir uma redução nos custos de mão-de-obra pelo aumento de sua oferta (e, especialmente, de uma oferta desesperada), com a constituição de um “exército de reserva”?
A globalização até pode ser uma inevitabilidade técnica. O globalismo não.
Quando Trump fala sobre a fuga das empresas ianques para a Ásia, com a consequente decadência do Rust Belt e a lumpemproletarização do “proletariado branco”, o que ele está criticando não é precisamente o fenômeno exaltado pelos ideólogos libertários da aurora do globalismo?
Em 1992, o artigo Jihad vs. McWorld [Jihad contra o McMundo], de Benjamin Barber, que embasou o livro de mesmo nome, um clássico esquecido, publicado em 1995, diz que o mundo era vítima de duas forças antagônicas: o retorno do tribalismo, com a relevância crescente das questões étnicas e religiosas locais, e o avanço do globalismo, enquanto imperativo mercadológico de homogeneização e padronização em escala planetária. O autor tenta encontrar um compromisso “para salvar a democracia”, oferecendo a solução de uma confederação mundial de micronações, ou seja, a fragmentação dos atuais Estados-nações em micro-Estados, todos unidos em uma democracia universal “respeitadora” das diversidades locais.
Vejam que estou me referindo exclusivamente a obras e artigos da virada dos anos 80 para os anos 90, mas todos os temas são familiares e atuais. Nos meandros deste debate se levanta também o problema da “globalização”. Em que medida globalismo e globalização seriam sinônimos? Como sempre, tudo aqui vai depender de como definirmos os termos do debate. Se globalização for, como às vezes é definido, todo movimento no sentido de ampliar os contatos e trocas entre diversas partes do planeta, a ponto de se falar na Era dos Descobrimentos como uma “globalização”, então certamente não há vínculo entre globalização e globalismo.
No auge da Guerra Fria, “globalismo” não poderia ser senão a expansão ilimitada dos interesses estadunidenses, como um “Destino Manifesto” em escala planetária.
Nesse sentido, pode ser possível falar em uma maior facilidade de diálogo, colaboração e intercâmbio intercontinental sem os elementos da integração planetária, da “superação” do Estado-nação por megacorporações transnacionais dirigindo fluxos irrestritos de pessoas, bens e capital. A globalização, nesse sentido, até pode ser uma inevitabilidade técnica. O globalismo não. Podemos voltar um pouco mais no tempo, porém, para entender a teoria do globalismo e a história do desenvolvimento do conceito.
Em Isolationism and American Foreign Policy [Isolacionismo e Política Externa Americana], escrito por George Charles Grosscup em 1972, o globalismo é indicado como sendo a posição daqueles intelectuais e políticos do establishment ianque que defendiam o papel global de seu país. Ou seja, que a Guerra Fria deveria ser travada a nível mundial, que os EUA deveriam estabelecer uma ordem mundial na qual eles próprios exerceriam o papel de “polícia”, mesmo que para isso precisassem impor mudanças políticas e sociais em cada país do planeta. A oposição interna a essa posição é chamada de isolacionista, de modo que essa posição é tomada como sinônimo de antiglobalismo.
No auge da Guerra Fria, “globalismo” não poderia ser senão a expansão ilimitada dos interesses estadunidenses, como um “Destino Manifesto” em escala planetária. É apenas a vitória ianque na Guerra Fria e, portanto, a ausência de um “Outro”, de um rival, que torna possível pensar esse globalismo em termos multilaterais, não mais como mera dominação do “Resto” pelo Ocidente e não mais apenas como “americanização” do mundo.
Aqui se poderia debater em que medida, então, o globalismo se distingue do imperialismo. Isso exigiria um debate extenso sobre o próprio conceito de imperialismo, o que não é possível por fugir ao escopo e às limitações do formato que estamos utilizamos. Mas podemos adiantar que as descrições que trabalhamos até agora permitem “intuir” que a diferença entre os dois conceitos parece ser de grau.
Se o imperialismo é a exportação de capital promovida pelas burguesias nacionais monopolistas dos países “centrais”, sempre assumindo uma forma extrativista nos países-alvo e que não raro é apoiada pela ação militar, na era do globalismo a diferença marcante parece ser a de que as velhas burguesias acumularam capital ao nível de permitir a superação do próprio status “nacional”. Surge, então, uma superclasse transnacional financista que persegue os próprios interesses sem se importar com os interesses nacionais das nações nas quais eles têm os seus negócios.
O Estado-Providência, burocrático, regulador, controlador, foi identificado por Foucault como o principal obstáculo para a autorrealização autônoma dos indivíduos.
Por mais que os membros dessa superclasse certamente possuam cidadania (usualmente dupla ou tripla) eles são verdadeiramente cosmopolitas e não possuem qualquer senso de lealdade nacional específica. Com as coisas postas dessa forma, fica parecendo, novamente, que estamos abordando uma “teoria da conspiração”, mas não é exatamente isso que tem sido descrito por obras de acadêmicos renomados como as citadas previamente?
Restaria, porém, refletir sobre outros elementos associados usualmente ao globalismo, como os tópicos encaixados no que se convencionou chamar de “guerra cultural” que seria travada pelos “populistas” contra o que anos atrás se costumava chamar “politicamente correto” e que hoje é comum ver sob o nome de “agenda woke” ou “pós-liberalismo” (no Brasil, alguns utilizam o termo “identitarismo”, na França chamam de “liberalismo libertário”).
Os tópicos deste elenco costumam ser tratados, à esquerda, ou como mero “oportunismo econômico” de grandes empresas ou como “evolução natural da sociedade”. À direita, tudo isso é empacotado sob o rótulo de “marxismo cultural”.
O globalismo, pelo menos enquanto “utopia”, seria ainda mais antigo? Bem, o que se percebe é que talvez tenhamos nos deparado com uma genealogia cujas raízes vão ainda mais fundo.
Não sendo o escopo aqui esmiuçar esse aspecto do tema, considerando o que já foi apresentado sobre as raízes do termo “globalismo” e suas definições, parece haver um casamento entre essas pautas econômicas de um mundo sem barreiras alfandegárias e limites para os fluxos financeiros, defendidas pela direita, e as pautas culturais de um mundo sem tabus e determinações sexuais, religiosas, tradicionais, etc.
Autores como Adriano Erriguel, em A Desconstrução da Esquerda Pós-Moderna, ou Diego Fusaro, em Globalização Infeliz, associam esse casamento a processos iniciados no Maio de 68, encontrando sua culminação precisamente no Fim da História preconizado por Francis Fukuyama no imediato pós-Guerra Fria.
De fato, o próprio Michel Foucault em seu período tardio do final dos anos 70 até sua morte em 1984, se encantou pelo neoliberalismo estadunidense e chegou a defender certas pautas do pensamento friedmaniano, como o “imposto de renda negativo” (inspiração para o Bolsa-Família). Isso não deveria surpreender ninguém: tal como criticava a escola, o presídio e o mosteiro como aparatos disciplinares, Foucault estendia sua crítica à fábrica no modelo fordista e, naturalmente, ao sindicato, como método de arregimentação e controle do proletariado.
Não por acaso, é consenso acadêmico que Immanuel Kant é a base da política externa neoconservadora.
O Estado-Providência, burocrático, regulador, controlador, foi identificado por Foucault como o principal obstáculo para a autorrealização autônoma dos indivíduos. Nada disso é interpretação deste autor, é já entendimento bem difundido como se pode checar em Le capitalisme de la séduction. Critique de la social–démocratie libertaire (O Capitalismo da Sedução. Crítica da Social-Democracia Libertária), de Michel Clouscard, ou La révolution culturelle du capital. Le capitalisme cybernétique dans la societé globale de l'information (A Revolução Cultural do Capital. O Capitalismo Cibernético na Sociedade Global da Informação), de Maxime Ouellet.
Entendemos, agora, a razão pela qual essa dimensão cultural do globalismo, dos “Gender Studies”, da “Critical Race Theory” etc., toda ela derivada de Foucault, foi gestada nos EUA, a partir da visita do filósofo pós-estruturalista ao país? A compatibilidade entre o pensamento do desconstrucionista francês e o economicismo libertário ianque era óbvia.
O debate sobre “globalismo” não está fundado em conspiracionismo, não foi inventado por Olavo de Carvalho, e é tão atual quanto relevante.
Tal como no campo econômico tratava-se de derrubar barreiras para os fluxos de pessoas, bens e capital, no campo cultural tratava-se de derrubar barreiras para as pulsões sexuais, além de dissolver todos os povos em uma multidão internacional amorfa, um lumpemproletariado universal, que segundo pensadores da “Nova Esquerda” como Toni Negri, Michael Hardt e Ernesto Laclau, seria a classe revolucionária por excelência, que realizaria finalmente a revolução mundial para impor a República Mundial.
República Mundial? Curiosamente, vejam o que disse o Papa Bento XV em 1925: «Amadureceu nos desejos e nas expectativas de todos os sediciosos a chegada de certa república universal, a qual seria fundada sobre a igualdade absoluta entre os homens e sobre a comunhão dos bens, e na qual não haveria mais distinção alguma de nacionalidade, nem teria mais que reconhecer-se a autoridade do pai sobre os filhos, nem dos poderes públicos sobre os cidadãos, nem de Deus sobre os homens reunidos em sociedade civil» (Bento XV, _motu proprio Bonum sane, 25-7-1925)
O globalismo, então, pelo menos enquanto “utopia” seria ainda mais antigo? Bem, o que se percebe é que talvez tenhamos nos deparado com uma genealogia cujas raízes vão ainda mais fundo. Sem pretender fazer saltos lógicos, mas já para encerrarmos esse ensaio, talvez devamos encontrar o ponto de partida dessa utopia no Iluminismo e em sua pretensão de “resetar” o homem (poderíamos falar já em desconstrução, talvez?), de fazer dele, de sua história, de sua sociedade, uma tabula rasa, reconstruindo o homem sobre bases contratuais, voluntárias.
Nesse sentido, poucos pensadores são tão reveladores quanto Immanuel Kant, talvez o maior dos iluministas. Nele encontramos tanto uma crítica da família tradicional, na medida em que coloca cada indivíduo como fim em si mesmo, pensa o casamento nos termos de um contrato para acesso mútuo à genitália e para o prazer recíproco e não concebe qualquer vínculo multigeneracional (para Kant, após alcançar a idade adulta não há mais qualquer vínculo real entre filhos e pais); quanto à defesa de uma República Mundial, uma Cosmópole, como em A Paz Perpétua, em que Kant defende o direito de países iluministas guerrearem contra politeias tradicionais (consideradas “bárbaras”) com o fim de impor a elas o próprio modelo político liberal-republicano, até que toda a paisagem política planetária constitua uma estrutura política transnacional, com o mesmo modelo político iluminista em vigor em cada país. Não por acaso, é consenso acadêmico que Immanuel Kant é a base da política externa neoconservadora.
Não pretendemos afirmar aqui termos encontrado a “origem” do globalismo. Mas acreditamos, sim, ter demonstrado sem qualquer possibilidade de dúvida que o debate sobre “globalismo” não está fundado em conspiracionismo, que o tema não foi inventado por Olavo de Carvalho, e que ele é tão atual quanto relevante.
Raphael Machado é jurista, editor, analista geopolítico e presidente da associação Nova Resistência.
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