O desejo de se estabelecer um governo ou império global remonta a séculos antes de Cristo. Todos os grandes tiranos do mundo de que se tem notícia ao menos pensaram nessa hipótese, de Alexandre “O Grande” a Napoleão, de Stalin a Hitler. Contudo, pode-se dizer que é apenas a partir da segunda metade do século 20 que a dimensão ambiental entra decisivamente na arena do jogo de dominação internacional, passando a fazer parte do centro dos discursos e das preocupações mundiais. No presente século, as questões ambientais, tidas como globais, têm sido usadas como justificativa para o avanço do pensamento imperialista-globalista.
Os meios utilizados no avanço desse projeto são sofisticados e sutis, mas também tenebrosos e nefastos. A lógica que relaciona a demarcação de problemas e suas soluções é relativamente simples. Imagine que só existissem problemas ambientais locais e regionais – que são, de fato, a vasta maioria dos casos. Haveria justificativa para se incorporar o discurso ambientalista nos debates da ONU ou nos Fóruns Econômicos Mundiais? Se problemas ambientais globais não existissem (ou se não fossem discursivamente fabricados), qual seria a desculpa e/ou a motivação para o estabelecimento de uma governança global dos recursos naturais? Problemas globais requerem governança global, é o que nos dizem.
Na luta por poder, de um ponto de vista político-ecológico – disputas por territórios e seus recursos naturais –, tanto faz se problemas ambientais globais existem ou não, se são sérios ou nem tão graves assim. Para fins de tomada de decisão e controle, importa apenas que sejam capazes de persuadir e adotar justificativas palatáveis (não aversivas), aquelas que agradam aos olhos e ouvidos da opinião pública e ainda oferecem boas oportunidades aos experts. O pulo do gato é criar medo global. Para que a estratégia funcione é preciso construir casos/problemas terríveis que abram precedentes para a intervenção daqueles que podem “nos salvar” de nós mesmos. Isso é essencial ao globalismo ambiental da Nova Ordem (Eco)mundial.
Nesse sentido, a cooperação internacional pode não fornecer os fundamentos para a implantação de projetos totalitários, visto que a via da cooperação pressupõe a participação de Estados-nação: autônomos e soberanos, possuidores de culturas, histórias, com capacidades, interesses e características extremamente singulares e, muitas vezes, conflitantes entre si. É evidente que soberanias nacionais são o maior obstáculo à aplicação de regras universais de uso e acesso de recursos naturais, como as que vêm sendo elaboradas e aplicadas por agências multilaterais, como a ONU, há quatro décadas. Tendo em vista esse contexto geopolítico, cooperação internacional passa a ser apenas um manto, uma “fase simulacro” para a formação de blocos continentais, que por sua vez deverão ser subordinados aos centros de decisão de um governo global hierárquico, multiescalar e policêntrico, mas, ainda assim, (eco)totalitário.
Ao longo das últimas quatro décadas diversas tentativas globalistas-ambientalistas fracassaram ao buscar respaldo científico e apelo popular duradouros. Isso se deu, dentre outros motivos, porque o alcance dos problemas elencados no passado era predominantemente local, regional e, quando muito, de escala continental. Ainda não havia uma ameaça (real ou imaginária) que fosse suficientemente global e inescapavelmente de origem humana. Os problemas de menor alcance espacial eram, para citar alguns, a “primavera nuclear”, o pânico em relação ao DDT, a chuva ácida e o “buraco” na camada de ozônio, para citar os mais conhecidos. Eram problemas reais, contudo, em grande medida exagerados e usados para fins políticos. Até hoje, nenhum deles se mostrou uma ameaça à vida na Terra.
Somente após os anos 1990 é que se consolidou entre pesquisadores e a população em geral (com muita ajuda da mídia catastrofista) a hipótese do aquecimento global antropogênico, assim como a ameaça global resultante da perda “em massa” da biodiversidade do planeta. Em comum, todos os danos do passado e do presente colocam os seres humanos como a causa principal – portanto, o alvo do controle. Os globalistas-burocratas não eleitos da ONU, por exemplo, conjecturam, de longa data, meios de reduzir a população mundial, ao fomentarem programas dissimulados que chamam de “planejamento familiar” e “direitos reprodutivos das mulheres”. Para os terráqueos que insistem em permanecer no planeta, oferecem diretrizes “inocentes e bem-intencionadas” para uma vida próspera e feliz, desde que ecofriendly. As cartilhas do desenvolvimento sustentável, que almejam a formação do bom cidadão (eco)global, e que são elaboradas pelos profetas do apocalipse ambiental, versam sobre o que devemos comer, como nos deslocar, onde morar e assim por diante. E pasmem, a benevolência é tamanha que sugerem até quais causas ambientais e sociais devemos abraçar. Quanto altruísmo!
Como se não bastasse a ingerência sobre hábitos culturais, comportamentos individuais e controle sobre os corpos, ainda nos inculcam direta ou subliminarmente que, com exceção de comunidades indígenas e “tradicionais”, não sabemos cuidar da natureza, da “casa” nem tão “comum” assim. Pior ainda se somos habitantes de cidades do “terceiro mundo”, do Global South ou dos “países em desenvolvimento” (todos sinônimos). Nesse caso, representamos o ápice da degradação ambiental.
A comunidade internacional está segura de que precisamos de tutela ambiental. Aliás, como país em desenvolvimento, somos cada vez mais rechaçados, na medida em que escolhemos caminhos de desenvolvimento similares aos que possibilitaram progresso científico-tecnológico e muitas riquezas aos nossos críticos externos. Segundo essa visão hipócrita, o “Planeta-Mãe-Terra-Gaia” não suportaria mais gente (como eles) vivendo bem e comendo do bom e do melhor.
Enquanto discursos (eco)cêntricos e (eco)apocalípticos se tornam hegemônicos, e são promulgados em alguns países com base no princípio da precaução, o cenário vai tornando-se absolutamente tenebroso para a soberania nacional, em especial de países como o Brasil, que detém incalculável capital natural. Acionado por esse princípio – arbitrário e sem base científica alguma –, a ocorrência de qualquer evento ambiental, econômico ou cultural pode levar a “comunidade internacional” a classificá-lo como risco (real ou imaginário) à “casa comum”. Nessas circunstâncias, conforme ressaltei, ser real ou imaginário não importa. Esse caminho, já aberto, poderá servir de álibi para crescentes e permanentes ingerências internacionais, por exemplo, sobre o território brasileiro e os recursos aqui produzidos, sejam eles commodities agrícolas, minérios, plantas medicinais, florestas inteiras, ou até mesmo atividades como o ecoturismo.
Apesar dos benefícios reais da conservação da natureza – desde que sob bases nacionais soberanas –, fica claro que o aparato (eco)ideológico acadêmico e midiático dominante serve primordialmente aos interesses internacionais, que por meio dele ampliam legitimidade para controlar recursos naturais e “mentes” ambientalistas pelo mundo. É impressionante o número surpreendente de acadêmicos brasileiros que apoiam agendas progressistas-globalistas, sendo simultaneamente militantes de assuntos da moda, que incluem estudos “descoloniais”, “virada ontológica indígena”, “direitos da natureza”, “decrescimento” e assim por diante. Esses que se autoproclamam membros de uma “casta superior”, “intelectual não entreguista”, são os mesmos que adotam discursos que promovem agendas globalistas-entreguistas, antinacionalistas e antipatriotas. Conscientes ou não, abraçam calorosamente a retórica do colonialismo contemporâneo, ou o (neo)colonialismo das elites globais. Ao contrário do que imaginam, caminham contra a libertação efetiva das amarras coloniais do passado. Enfim, se toda essa lógica prevalecer, com ou sem o apoio dos “intelectuais”, cooptados ou não, qualquer nação que “usurpar” do que as elites econômicas e políticas mundiais elegeram como “bens comuns” será vigiada e punida.
Como nação brasileira, ainda que participantes e dependentes de um mundo globalizado, precisamos sair do jugo ambientalista-globalista. A esperança não se resume aqui, mas passa pelo ressurgimento do patriotismo não xenofóbico e não hiperprotecionista. Se precisarmos de ajuda dos “sábios” do exterior, continuaremos solicitando sem orgulho, imaturidade e irresponsabilidade. Mas, seja lá como for, precisamos assegurar, acima de tudo, além de conservarmos a natureza, que as decisões sobre como usar e acessar recursos naturais em território nacional caibam somente ao povo brasileiro e seus representantes legais.
Rodrigo Penna-Firme, biólogo, mestre em Ciências Ambientais e Florestais e Ph.D. em Antropologia, é professor do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.