Nos últimos dias temos visto uma grande confusão na mídia envolvendo a confusão entre termos “globalização” e “globalismo”, que, apesar da semelhança gráfica, são opostos semanticamente.
A globalização nada mais é que a profunda integração global de capitais, empresas, do comércio, do turismo e, em menor escala, de pessoas e de povos, que se intensificou a partir dos anos 1990, em virtude de uma brutal redução dos custos de transporte e de comunicação, consequências da chamada “revolução da telemática”, que foi o grande desenvolvimento das tecnologias de telecomunicação e de informática. A globalização, portanto, resulta do avanço do liberalismo e do livre mercado.
Já o globalismo é uma política transnacionalista, implantada por burocratas das organizações criadas após o Tratado de Bretton Woods, em 1944 – organizações globais e transnacionais, como a Organização das Nações Unidas e a União Europeia, que veem o mundo inteiro como uma esfera propícia para sua influência política. O objetivo do globalismo é determinar, dirigir e controlar todas as relações entre os cidadãos de vários continentes por meio de intervenções e decretos, que agora são questionados como autoritários. Ao contrário da globalização, que é uma integração econômica e tecnológica e que depende do livre mercado, o globalismo é um arranjo que só existe por causa de políticos e burocratas. Seria impossível haver globalismo se não houvesse políticos e burocratas.
O objetivo do globalismo é determinar, dirigir e controlar todas as relações entre os cidadãos de vários continentes
O problema desta burocracia global (ONU, FMI, Banco Mundial, OMS, Opas e outras) e mesmo das burocracias transnacionais, como a União Europeia e o Mercosul, é um só: o seu crescente déficit de legitimidade, o seu déficit de democracia. Quem elegeu os burocratas que pontificam nessa parafernália burocrática que quer se sobrepor às soberanias nacionais? A quem eles prestam contas de suas políticas e propostas? Cada vez mais, o controle de políticas impostas globalmente tem passado de governantes eleitos nas nações para burocratas não eleitos e que, em tese, não prestam contas a ninguém. A quem a Opas, por exemplo, presta contas por repassar somente 30% do valor pago pelo Brasil aos médicos cubanos no programa Mais Médicos?
Quantas pessoas estudaram, por exemplo, a União Europeia e o labirinto organizacional de suas inumeráveis comissões e comitês? Quantas pessoas compreendem como funciona esta gigantesca burocracia pan-europeia, com o seu tribunal de justiça, seu parlamento, seu banco central, suas inumeráveis agências, normas e regras, e inclusive suas eventuais ingerências nas soberanias nacionais dos países-membros, como no caso recente das eleições italianas deste ano?
Leia também: O renascimento do nacionalismo na Europa (artigo de Pedro Henrique Ribeiro, publicado em 8 de julho de 2018)
Novamente: o globalismo não é a globalização econômica; globalismo é a crescente hipertrofia desse gigantesco aparato burocrático global, que vem cada vez mais se sobrepondo às soberanias nacionais, que nas democracias alcançam a legitimidade de suas ações por meio do voto. Quantas pessoas estudaram, por exemplo, as destruições de economias que o Banco Mundial e o FMI perpetraram nos anos 1990? Eu as estudei para a minha dissertação de mestrado e vi o que esses dois braços da ONU fizeram com inúmeras economias pobres na África e na Ásia, com governos que se submeteram acriticamente às suas imposições.
Não sou contra a atual burocracia global, pois ela foi criada em 1944, na Conferência de Bretton Woods, para evitar uma nova guerra mundial, fatalmente destrutiva para a humanidade. Porém, o fato de a burocracia global ter sido criada em nome desta nobre intenção (que segue o paradigma do “liberalismo” nas Relações Internacionais, em contraposição à velha balança de poder do “realismo” que durou até 1914) não a isenta de críticas e muito menos de reformas democratizantes.