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Godoy era aquilo que os franceses chamavam de enfant terrible. Parecia que teriam se inspirado nele – talvez em outras vidas – para criar o cognome. E ele se fazia plenamente merecedor da referência, desde o jardim da infância, no colégio Dante Alighieri, uma tradicional e centenária escola italiana paulistana por onde passaram políticos, famosos empresários, ex-presidentes do Banco Central e advogados de prestígio.
Frequentador da diretoria disciplinar, era figura fácil conhecida pelo nome, não só pelo diretor, mas por cada um dos funcionários do setor, pela criatividade, ousadia e caráter marcante de seus atos desafiadores do código escolar. Certa vez, durante o período do recreio, soltou no pátio do colégio um pequeno porco previamente bem ensebado, que se pôs a correr desembestado em meio aos estudantes, incrédulos diante da cena. Os bedéis se puseram logo a perseguir o suíno para interromper a molecagem que se rachava no riso.
Era visto, por este tipo de “façanha” estudantil, como ídolo pelos colegas. Fazia sucesso entre as meninas, apesar de seus parcos 12 anos e de suas muitas espinhas, que denunciavam a chegada da puberdade.
Nas aulas, sempre desatento, sem controle algum em casa, quer do pai ou da mãe, em relação a seu desempenho escolar, que era medíocre. Mas conseguia contornar, estudando as matérias nas vésperas das provas ou conseguindo sucesso nos pedidos sedutores de revisão de nota junto aos professores.
Mas se aproximava uma prova de Matemática, matéria da qual Godoy não sabia patavinas e precisava de muita nota. Sem cerimônia, “colou” todo o conteúdo de Araújo, um dos melhores alunos da turma. Achou que o professor estivesse desatento, mas desta vez os planos não deram certo. Pego em flagrante, o professor retirou a prova e aplicou um implacável zero, punindo também Araújo por entender que estava colaborando com a fraude conscientemente.
Cansado das atitudes de Godoy, o diretor Anadyr chamou seu pai na escola. Era a gota d’água. Por mais que fosse persuasivo, Diogo teve de ouvir e ouvir. Pouco conseguiu responder, especialmente diante de sua ausência diária em relação ao acompanhamento da vida escolar do filho.
Naquela noite, Diogo chegou em casa diferente, pensativo, distante, com silêncio ensurdecedor reinando na mesa durante o jantar, o que surpreendeu a mulher Beatriz e a filha Cristina. E, logo que acabou a refeição, ele chamou Godoy ao escritório, com aparente surpresa do jovem.
Sem rodeios, interpelou-o sobre o episódio da “cola” na prova de Matemática, deixando de abordar outros episódios anteriores. Com frieza e cinismo extremo, sem se abalar, Godoy rebate de bate-pronto o pai: “Acho muito injusto tudo isso, pai!”
“Você perdeu a noção? Em que mundo você vive?”, responde o pai, incrédulo.
“No planeta Terra. No Brasil. Que eu saiba, quem copia e cola, aqui em nosso país, é premiado e nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal. O senhor já ouviu falar em Kássio Nunes Marques? Eu que pergunto: em que mundo o senhor vive? Faça-me o favor!”
Roberto Livianu é doutor em Direito, procurador de Justiça em São Paulo, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção e cronista, autor de “50 Tons da Vida – 2018” e “50 Tons da Vida – volume 2 – 2020”.