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Manifesto pró-democracia reuniu assinaturas de seis presidenciáveis de centro.
Carreata em apoio à Operação Lava Jato.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Em boa parte do mundo há esforços significativos para aperfeiçoar a governança das organizações no setor público e privado, de modo a aumentar a capacidade de entrega de resultados para seus clientes, reduzir os custos de funcionamento e melhorar o gerenciamento dos seus riscos.

A integridade é a fundação que assegura que o caminho trilhado pela governança siga por meio de condutas ilesas, honradas, honestas, probas, servindo como guia de senso de justiça, equidade, construção de credibilidade e fortalecimento da imagem. A governança com integridade é uma bússola calibrada para direcionar a atuação e monitorar o desempenho de gestores, livre de conflitos de interesses e com transparência ativa voltada para o interesse real das partes interessadas. A integridade é a liga para garantir que haja compromisso real da gestão com agregação de valor e foco em resultados com respeito aos princípios, valores e dimensões ambientais, sociais e da própria governança.

A governança deve garantir que a organização não se distancie dessa realidade e a integridade deve promover o melhor uso dos recursos, assegurando que o desenho e funcionamento das organizações sejam leves, baratos, céleres e não estruturas pesadas, caras e lentas para atender interesses diversos que não se coadunam com os  objetivos a que se propõem, nem com os resultados que delas se esperam.

A integridade é um elemento fundamental e que vai diferenciar uma organização    com aparente boa governança, mas que trabalha para interesses capturados com  ganhos diretos ou indiretos para finalidades distintas daquelas definidas na missão da  organização. Governança com integridade é mais do que não se envolver em fraude  ou corrupção; é assegurar o compromisso de tomar decisões com foco no propósito.  A governança direciona a gestão para colocar em prática a estratégia, mas é a integridade que vai assegurar que o valor gerado trata adequadamente as incertezas e promove o comportamento íntegro, justo e ético.

Os termos integridade e compliance foram internalizados na prática de gestão com  maior frequência no Brasil após as investigações e resultados da Operação Lava Jato, especialmente após a edição da Lei 12.846/13, conhecida como Lei Anticorrupção, que  disciplina a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública.

O emblemático caso da Lava Jato, a maior investigação de esquema de corrupção  já realizada no Brasil, juntamente com outras grandes investigações que culminaram com a prisão de vários empresários e políticos corruptos, abriu um horizonte de esperança à sociedade.

A recomendação da OCDE sobre integridade pública em 2017 indica que de 10% a 30% de investimento em um projeto de construção com financiamento público pode ser  perdido por má gestão e corrupção. A mesma publicação menciona que abordagens tradicionais baseadas na criação de mais regras, conformidade mais rigorosa e cumprimento mais rígido têm eficácia limitada. Uma resposta estratégica e sustentável à  corrupção é a integridade pública.

Embora o Brasil tenha reduzido a corrupção percebida entre 2020 e 2019, o país ainda apresenta um índice bastante elevado: de 180 países, o Brasil ocupou, em 2020, a 94.ª colocação no ranking de corrupção percebida elaborado pela ONG Transparência  Internacional. O país segue atrás de Colômbia, Turquia e China, por exemplo. A nota alcançada pelo Brasil em 2020 foi a mesma registrada em 2015. Representa o terceiro pior resultado da série histórica. Com exceção dos anos de 2012 e 2014, o país sempre esteve abaixo da média global (43). Na avaliação de parte da comunidade internacional, o Brasil continua falhando em promover reformas estruturais que ataquem as causas de  corrupção sistêmica e corre risco de reduzir sua capacidade institucional para o enfrentamento da corrupção.

A partir da Lava Jato, foi incorporado um sentimento geral de que a gestão pública e privada não pode prescindir de rígidas regras de integridade, a balizar o comportamento dos gestores para que eles cumpram padrões éticos e procedimentos íntegros. Entretanto, decisões judiciais recentes, como os cancelamentos de sentenças de condenados por práticas de corrupção, permitem questionar se haverá retrocesso no Brasil, como ocorreu na década de 90, com a Operação Mãos Limpas, na Itália.

Parte da sociedade tem um discurso de que o combate  à corrupção promovido pela Lava Jato trouxe implicações econômicas, com retrocesso no PIB devido a choques produzidos em vários segmentos, especialmente os de construção civil e petróleo. Mas é a corrupção que pode prejudicar seriamente o desempenho de uma empresa ou mesmo de um país, à medida que afeta as decisões de alocação de recursos e investimentos, limitando o crescimento econômico, alterando a composição dos gastos e criando uma precificação artificial relativa ao custo da corrupção, ou seja: quanto mais sistêmica a corrupção, maior será o preço a pagar. Pesquisa publicada em 2010 pela Fiesp aponta que o custo médio anual  da corrupção no Brasil representa de 1,38% a 2,3% do PIB, ou seja, girava em torno de R$ 41,5 bilhões a R$ 69,1 bilhões do PIB da época.

A quebra de confiança foi objeto de estudo de Donald R. Cressey, que, por intermédio de entrevistas com fraudadores, elaborou em 1953 o modelo conhecido como “triângulo de fraude”. Segundo este modelo, para a ocorrência de uma fraude são necessários três fatores: pressão, oportunidade e racionalização. Para Cressey, as pessoas podem cometer fraudes incentivadas  por um problema financeiro ou emocional; considerando as fragilidades institucionais; e estão convencidas de algum tipo de racionalização moralmente aceitável antes de transgredir e se envolver em comportamentos antiéticos, por entenderem que é justificável realizar tal conduta. Portanto, a pressão é o que motiva o crime em primeiro lugar; a oportunidade refere-se à debilidade institucional de gestão do risco, na qual há brechas para explorar uma situação que faz a fraude possível; e a racionalização refere-se à justificação de que o comportamento antiético é algo aceitável e diferente da atividade criminosa na mente do  agente que adota essa conduta. Há, ainda, um outro aspecto apontado pelo especialista,  que é a capacidade: o transgressor precisa ter as habilidades pessoais  e técnicas para cometer a fraude.

A Lava Jato desvendou esquemas com números impressionantes, publicados no site da Polícia Federal: R$ 12,5 trilhões em operações financeiras investigadas; R$ 2,4 bilhões em bens bloqueados ou aprendidos nas operações; mais de R$ 745 milhões repatriados. A operação foi um marco para o combate à corrupção, e  quem não quiser reconhecer isso está vendando os olhos ou agindo de forma intelectualmente desonesta.

A Lava Jato descortinou esquemas de fraude e corrupção cometidos por um conjunto  de empresas pressionadas ou incentivadas por agentes corruptos, que enxergaram fragilidades no sistema e buscaram racionalizar sua transgressão em razão de entender  que o Brasil funciona dessa forma. Todas as empresas envolvidas tinham governança com maturidade razoável, mas nenhuma delas adotava uma governança com integridade.

A promoção de boa governança deve fortalecer a transparência, monitoramento das regras existentes, prestação de contas e responsabilização. Deve também elevar os  custos morais do envolvimento em atos corruptos, o que pode ser obtido pela elevação do rigor na punição dos infratores, seja pelo aumento do incentivo para delatá-los, como pelo aumento das penalidades.

Governança com integridade é muito mais que  prevenir fraudes, corrupção e promover transparência. Uma governança com integridade  é mais do que não se envolver em fraude ou corrupção; é assegurar o compromisso  de tomar decisões com foco no propósito acompanhado de mecanismos eficazes de avaliação de desempenho e responsabilização de seus gestores e colaboradores em prol da atuação das organizações com foco não somente nos seus acionistas, mas com foco na sociedade, no meio ambiente e nos demais agentes impactados por sua atuação.

Márcio Lima Medeiros é professor da pós-graduação em Governança, Riscos e Compliance do Ibmec Brasília.

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