Nas últimas eleições municipais em pequena cidade do Nordeste, uma coligação lançou 29 candidaturas para vereador. A agremiação respeitou a exigência legal de registrar ao menos 30% de candidatos de um dos sexos. Entretanto, houve acusação de que cinco das candidaturas femininas eram laranjas, não tendo recebido recursos e tampouco participado efetivamente da campanha eleitoral. Recentemente, ao julgar o caso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decretou a cassação de toda a chapa, com determinação de perda do mandato dos quatro homens e das duas mulheres que foram eleitos vereadores por tal coligação. Daí a questão: acertou o TSE?
De início, deve-se mencionar que tem razão o ministro Roberto Barroso ao aduzir, em seu voto, que “a política de ação afirmativa para incrementar a participação feminina no Poder Legislativo se insere num esforço mundial e nacional de superação da desigualdade de gênero, e no Brasil, embora a cota de gênero de 30% exista desde 1997, a verdade é que ela não produziu ainda nenhum impacto substancialmente relevante na composição do parlamento, onde apenas 15% dos integrantes são mulheres”. Não se discute, nessa perspectiva, a necessidade de aumento da participação feminina na política, absolutamente essencial ao aprimoramento da democracia brasileira.
A punição de terceiros sem previsão legal é arbitrariedade, que despreza a democracia e destrói o próprio Estado de Direito
A questão fundamental acerca da decisão do TSE, contudo, é outra. Isso porque toda e qualquer punição no mundo civilizado deve ter previsão legal, com descrição individualizada da conduta vedada e da respectiva penalidade. Assim sendo, o TSE não julgou o grau de importância da mulher na política, mas aplicou penalidade a quatro homens e duas mulheres democraticamente eleitos, os quais nem sequer tiveram conhecimento da conduta adotada por seus companheiros de chapa.
Deve-se pontuar que a Lei das Eleições impõe ao partido ou coligação o dever de observância do porcentual legal no “registro” e no “preenchimento de vagas” para candidaturas de cada sexo. Não há descrição de realização de “efetiva campanha” e tampouco previsão expressa de penalidade em caso de seu descumprimento, muito menos em relação a outros candidatos que não cometeram qualquer irregularidade. E mais: não há dever legal de candidatos fiscalizarem a campanha de concorrentes do mesmo partido ou da mesma coligação.
Destarte, a falta de previsão de penalidade e a impossibilidade de sua imposição perante terceiros, mesmo em eleições proporcionais, configuram óbices intransponíveis que desnudam o equívoco perpetrado pelo TSE. Nesse plano, merece aplausos a posição defendida pelo ministro Edson Fachin, que votou pela punição apenas das quatro mulheres que comprovadamente participaram da fraude e dos dois homens que efetivamente se beneficiaram dela.
O aumento da participação feminina na política é imprescindível ao amadurecimento democrático brasileiro. Mas a punição de terceiros sem previsão legal é arbitrariedade, que despreza a democracia e destrói o próprio Estado de Direito. Estado esse que foi instituído para substituir um governo de uns poucos homens e mulheres por um governo de todos pautado na lei.
Fernando Mânica é doutor em Direito e professor do Mestrado Profissional em Direito da Universidade Positivo.