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OPINIÃO DO DIA 1

Governo e liberdade

A sobrevivência e a eficácia da liberdade pressupõem cer­­to ordenamento jurídico definidor de normas universais de conduta justa, que visem a manter as liberdades e direitos individuais

A imprensa criticou a campanha e os debates, entre outras razões, porque os candidatos não apresentaram um plano para o Brasil. Defino "planejar" como a arte e a técnica de estabelecer os objetivos, fixar as metas, listar as ações e identificar os meios. E isso faltou nestas eleições. Todo plano deveria começar com uma "declaração de princípios", a fim de deixar claro quais são as crenças do candidato, a exemplo de como ele entende e defende a "liberdade", tanto no seu conceito geral, quanto em termos das liberdades específicas, como a liberdade de opinião e expressão. Falemos um pouco sobre esse tema.

A liberdade é um valor e, mesmo parecendo subjetiva, é possível identificá-la e focalizá-la como fato objetivo. Na sua concepção factual e, portanto, objetiva, "liberdade é a ausência de coerção de indivíduos sobre indivíduos e de grupos (inclusive o Estado) sobre o indivíduo". A coerção existe quando os indivíduos são levados, sob algum tipo de pressão, a colocar-se a serviço de interesses alheios, em detrimento dos seus propósitos e interesses pessoais. Segundo Frederich Hayek, pensador austríaco, "a coerção é má, porque anula o indivíduo como ser que pensa, avalia e decide, já que o transforma em mero instrumento dos interesses e fins de outrem" (esse outrem pode ser o governo).

O conceito de liberdade moderno vem da Inglaterra e da Escócia, do século 17. Os gregos, os romanos e nações da Idade Média tiveram seus respectivos conceitos de liberdade, nem sempre iguais. A legislação grega, por exemplo, dizia que o escravo era o que não tinha direito à propriedade e não podia apropriar-se livremente dos frutos do seu trabalho. No mundo moderno, a liberdade individual é a base sobre a qual se construiu o liberalismo, doutrina que não advoga a liberdade absoluta e sim a liberdade balizada por normais gerais de conduta justa, pela qual cada indivíduo tem asseguradas as suas liberdades e seus direitos, condicionados ao respeito às liberdades e direitos dos seus semelhantes.

Os defensores da ordem liberal acreditam que esse tipo de organização social é o mais adequado para cumprir quatro objetivos principais: 1) o respeito à condição humana; 2) o desenvolvimento das potencialidades individuais; 3) a prosperidade material; 4) a justiça social. Antes do liberalismo inglês e escocês, até mesmo filósofos importantes, fundadores de religiões e estadistas que amavam seu povo encaravam a servidão de parte da raça humana como uma instituição justa, útil e benéfica, e que alguns homens e povos eram destinados, pela natureza, para a liberdade, e outros para a servidão. Não apenas os senhores pensavam assim, mas também um grande número de escravos, que suportavam sua escravidão, não somente sob a força dos seus senhores, mas também porque viam algum bem nisso.

Quando o liberalismo propôs, no século 17, abolir a escravidão, muitos humanistas sinceros se posicionaram contra. Os próprios trabalhadores escravos não estavam prontos para a liberdade, pois, acostumados à servidão, muitos acreditavam que esta era útil ao sistema produtivo e à sociedade. A liberdade percorreu um caminho árduo até atingir o status que tem hoje no mundo ocidental. Não há espaço aqui para detalhes, mas vale destacar duas marcas fundamentais de uma sociedade livre: 1) igualdade de oportunidades; 2) igualdade de todos perante as leis.

Quanto ao primeiro ponto, sendo as pessoas desiguais em características físicas e mentais, e tendo projetos diferentes de vida e de felicidade pessoal, cabe ao sistema social e ao governo oferecer condições para a existência da igualdade de oportunidade para todos (igualdade na saída). Quanto ao segundo, os seguidores do iluminismo exigiam a igualdade de todos nos direitos políticos e civis, porque acreditavam que todos são iguais naquilo que é imperecível no homem: seu espírito, que é o mesmo no rico e no pobre, no plebeu e no nobre, no branco e no negro.

A sobrevivência e a eficácia da liberdade pressupõem certo ordenamento jurídico definidor de normas universais de conduta justa, que visem a manter as liberdades e direitos individuais e a minimizar as incertezas nas relações humanas. É na sistematização e formalização dessas regras de conduta, e na sua administração, que o governo tem uma de suas tarefas principais. Espero que o futuro presidente acredite nisso.

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.

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