Os seres humanos, sabe-se, são feitos para viver em sociedade. Caso contrário, se a solidão oferecesse a eles melhores condições para não somente sobreviver, mas também viver em felicidade integral, teriam qualidades próprias e suficientes para prescindir da vida em coletividade. Por escopo divino, segundo os que crêem, pelo acaso ou necessidade, segundo os mais céticos, restou idealizado que liames de sangue e de proveniência formassem entre os seres humanos uma união e uma integração, gradativamente mais intensa. Fora da sociedade, está provado, não há como desenvolver e potencializar faculdades e talentos.

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Tampouco atingir uma real e sólida felicidade. Não sendo a reclusão criadora, a sociedade é imprescindível. A própria economia da sociedade humana está fundamentada no princípio geral de que, para se buscar realização plena, é preciso que a busca seja compartilhada pelo mesmo desejo de outros tantos. Essa ajuda recíproca e intermitente evita a destruição de todos, é um tipo de germe de benevolência, por alguns estudiosos do tema definido como espírito de socialização. Viver em sociedade, todavia, não é nem poderia ser um "mar de rosas," a "dolce vita" regada por egoísmo e hedonismo generalizados.

O confronto salutar de idéias, de postulados, de crenças e dúvidas, próprios de uns e de outros, fundamenta e dinamiza a sabedoria humana, a força das diferenciadas virtudes naturais, o princípio geral de toda a moral e de toda a sociedade civil. Tal confronto deve ser regulado pelo senso do bem comum, da igualdade de direitos e deveres, do respeito para com os vínculos sociais, do espírito de fraternidade e da própria socialização. Para Alain Tourraine, "a sociedade não é um conjunto natural observável e sim uma representação da realidade social, mais precisamente dos sistemas de interação humana...".

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Erro fatal é conceber a sociedade fora da história, desvinculá-la da trajetória humana, isentá-la de imperfeições e ocasionais desvios. Quem assim pensa é, em geral, portador de visão subjetiva e não coletiva, agindo como se ela fosse maleável, à mercê de manipuladores. Daí ocorrem as apropriações indébitas, o nepotismo, o abuso de autoridade, o favorecimento ilícito no trato com o bem público, o oportunístico misturar do público com o privado. O ato de governar, fazer leis e julgar questões, mesmo quando legitimado pelo voto popular, não é dotado de infalibilidade. É preciso, é imprescindível, é legítimo e é justo que haja um órgão fiscalizador gabaritado e exclusivo. Porta-voz dos anseios e reclamos da coletividade.

Sociedade e gestão modernas devem aperfeiçoar e tornar crescente esse controle, em parceria com a sociedade, que deverá exercer a autofiscalização. Além, é claro, de um controle especial sobre o Estado, ação comprovada e aprovada nos países escandinavos, em que a vigilância chegou ultimamente a superar a metade do produto nacional! A fiscalização vem se provando importante forma de dissociação entre o universo da objetividade e o da subjetividade, um dos maiores desafios do pós-modernismo. A identificação do Estado com a sociedade, envolvendo todos os aspectos da vida social, através de sistemas de seguridade social, políticas de habitação e urbanização, saúde e escolarização, tanto mais será profícua quanto mais vigiada pelo órgão pertinente.

A partir de Aristóteles, a idéia de sociedade sempre teve conotação política, o que torna imprescindível o contraditório. No aqui e no agora, merece portanto repúdio total a mínima menção e a mais longínqua intenção de garrotear o Ministério Público do Paraná. Idéia tão nefasta que se quer tem paternidade responsável. Tão insuportável quanto mais ferino dos ventos deste final de inverno. O pensamento moderno, refém do individualismo moral, do utilitarismo e do absolutismo, vez por outra permite a passagem de aleijões como esse, soprado por qualquer mentecapto nos moldes de balão de ensaio. Que caia em outra freguesia e o quanto antes melhor.

Alzeli Bassetti é tradutora e intérprete.