Na correria da rotina, muitas vezes não percebemos as mudanças que ocorrem na sociedade. Indubitavelmente, em decorrência das mais diversas influências vivenciadas em nosso cotidiano, a nossa forma de agir, pensar, interagir com novos produtos e com a tecnologia, bem como o modo como nos relacionamos com as pessoas muda o tempo todo e a todo o momento. O direito (composto pelas leis, pelos julgados e pela doutrina elaborada por renomados juristas) precisa estar em constante adaptação para corresponder aos anseios da sociedade, regular as novas formas de interação entre as pessoas e solucionar os conflitos decorrentes dos mais diversos tipos de relacionamentos.
O conceito de família é dinâmico e vive em constante evolução. Por esse motivo, as novas configurações familiares surgem antes de os doutrinadores criarem suas teses, de a jurisprudência consolidar entendimentos sobre determinadas matérias e, principalmente, da regulamentação legislativa sobre as novas formas de relacionamentos. É por esse motivo que, atualmente e sem prejuízo de outros formatos ainda não definidos conceitualmente, além da noção clássica de família (formada por homem, mulher e filhos), incluímos nesse conceito as definições de família monoparental, família recomposta e família homoafetiva.
A guarda compartilhada é um exemplo importante de mudança de pensamento da sociedade e, por consequência, de alteração legislativa para assegurar a regulação de um novo modo de viver para todas as famílias nos seus mais diversos formatos. Isso porque, com o passar do tempo, os homens começaram a descobrir os benefícios do exercício pleno da paternidade, e o estabelecimento da guarda compartilhada como regra no ordenamento jurídico veio a atender esse anseio social.
Os benefícios do estabelecimento da guarda compartilhada e do seu exercício pleno são inúmeros
A noção do papel de pai se alterou significativamente nas últimas décadas. Em um primeiro momento, os homens estavam conformados com a ideia de sentar na cadeira da ponta da mesa, pagar as contas da casa e deixar a criação e a educação dos filhos a cargo das mulheres. Hoje, parcela significativa dos homens deseja participar ativamente da vida dos filhos. Para os pais, é importante participar dos momentos de lazer e, também, compartilhar as responsabilidades, os deveres e as decisões sobre os mais diversos aspectos da criação das crianças e dos adolescentes.
Assim, há mais de dez anos, a Lei 11.698/2008 estabeleceu significativa mudança no Código Civil Brasileiro para regular essa nova e melhor forma de criação dos filhos adotada por grande parte das famílias brasileiras. De fato, numa realidade crescente de divórcios e famílias recompostas, o sistema jurídico brasileiro privilegia a adoção da guarda compartilhada, ou seja, “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”. O que se busca, portanto, é reduzir significativamente os efeitos que a separação dos pais causa nos filhos, sendo que, inobstante a lei mencionar as palavras “pai” e “mãe”, essa mesma lógica se aplica às famílias homoafetivas.
Em regra, em que pese o fim do relacionamento dos genitores e do compartilhamento de um mesmo lar pelos integrantes da família, a guarda compartilhada orienta o compartilhamento sobre as decisões da vida dos filhos. Na prática, é como se os pais ainda fossem casados. Isso significa dizer que, mesmo separados, os pais deverão decidir, de comum acordo, a escola que os filhos vão frequentar, quais atividades extracurriculares irão realizar, quais valores serão repassados e reforçados na educação da criança ou do adolescente, se haverá uma orientação religiosa e, em havendo, qual será essa orientação etc.
- A defesa dos princípios da família brasileira (artigo de Regina Beatriz Tavares da Silva, publicado em 26 de outubro de 2018)
- Por que a família é essencial para a sustentabilidade de todo o sistema social? (artigo de Lígia Miranda de Oliveira Badauy, publicado em 19 de outubro de 2018)
- Casamento e bem comum (artigo de Carlos Adriano Ferraz, publicado em 14 de outubro de 2018)
A guarda compartilhada privilegia princípios basilares como o da dignidade da pessoa humana. Objetiva que os pais, mediante muita conversa e bom relacionamento, decidam conjuntamente todos os aspectos relevantes para a criação e o desenvolvimento saudável de uma pessoa em formação.
Muitas vezes as redes sociais e a mídia desvirtuam os conceitos de guarda compartilhada, dando a entender que ela diz respeito, apenas e tão somente, à divisão igualitária de tempo. No entanto, os conceitos de guarda compartilhada são muito mais amplos e afetam aspectos relevantes de formação e criação dos filhos.
É importante estabelecer uma rotina na vida da criança e do adolescente, motivo pelo qual não se pode confundir a guarda compartilhada com a guarda alternada, na qual se estabelecem períodos fixos e iguais de convivência com cada genitor. A fixação dessa modalidade de guarda não significa a ausência de um lar de referência para a criança ou adolescente, nem a ausência de obrigatoriedade no pagamento de pensão alimentícia. A guarda compartilhada pressupõe divisão de responsabilidade, sendo que o tempo de convívio de cada genitor com os filhos deve ser de qualidade, e estabelecido observando a realidade fática daquela família e, principalmente, o modelo que atende o melhor interesse da criança e do adolescente.
Os benefícios do estabelecimento da guarda compartilhada e do seu exercício pleno são inúmeros, sendo certo que esse modelo de guarda, quando devidamente exercido pelos genitores, é extremamente eficiente para pacificar os conflitos a respeito da criação dos filhos, que surgem com o fim do relacionamento de um casal. Portanto, os ganhos para pais, mães e filhos são inúmeros, eis que famílias no sentido mais amplo, nas quais imperam o respeito e a conversa, são capazes de criar indivíduos melhores e mais preparados para fazer a sua parte em tornar o mundo um lugar melhor para todos nós.
Greyce Caroline dos Santos, advogada especialista em Direito Aplicado e Desenvolvimento Gerencial, é integrante da Comissão de Advocacia Colaborativa. Maria Amélia Mastrorosa Vianna, advogada pós-graduada em Direito Processual Civil, é conselheira suplente da OAB/PR e diretora institucional do Cesa/PR.