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Artigo

Guerra à polícia

 | Fernando Frazão/Agência Brasil
(Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

“O que nós queremos? Policiais mortos.” (Canto de guerra do “Black Lives Matter”, in The War on Cops – how the new attack on Law and order makes everyone less safe, p. 39).

No estudo intitulado “Disorder and Decline: Crime and the Spiral of Decay in American Neighboorhoods”, Wesley Skogan observou que a desordem é precursora do crime, corroborando o alerta de James Q. Wilson (Thinking About Crime) no sentido de que os crimes graves costumam aflorar em áreas onde o comportamento desordeiro passa despercebido. Delinquentes, sejam oportunistas ou profissionais, creem ter reduzidas chances de prisão se atuarem em locais onde as vítimas potenciais já estão intimidadas pelas condições preexistentes.

Pautando sua atuação na premissa de que o trabalho policial de manutenção da ordem é crucial para evitar o declínio das comunidades, a partir do ano de 1994, sob o comando do comissário William J. Bratton, o Departamento de Polícia de Nova York obteve uma diminuição de 12% nas taxas de criminalidade. No ano seguinte essa diminuição foi de 16%, enquanto os índices permaneceram estáveis no resto do país. A experiência bem-sucedida do NYPD foi replicada por outros departamentos de polícia dos Estados Unidos, sendo, em grande parte, responsável pela queda de 50% dos índices de criminalidade no país nas duas décadas seguintes, tal como observa Heather MacDonald no fundamental The War on Cops– how the new attack on Law and order makes everyone less safe.

Se a formação de um ciclo virtuoso de segurança passa pelo prestígio da atuação policial, não é preciso grande esforço para concluir que a desmoralização da autoridade e a leniência na repressão às condutas criminosas são causas de subversão da ordem social. Foi precisamente esse o processo desencadeado no mês de agosto de 2014, quando, durante uma abordagem realizada em Ferguson, estado do Missouri, o policial Darren Wilson alvejou o suspeito Michael Brown, ferindo-o mortalmente. O fato serviu de estopim para uma campanha de difamação da polícia americana, que, baseada numa narrativa tão falsa quanto persistente, ganhou proporções alarmantes: a versão, rapidamente difundida pela mídia após o episódio, dava conta de que Brown teria sido executado a sangue-frio pelo policial, enquanto implorava por sua vida. Essa narrativa passou a ser explorada pela imprensa, pelo movimento extremista “Black Lives Matter” (que tem ramificações no Brasil) e pelo próprio presidente norte-americano, à época Barack Obama.

O heroísmo do policial brasileiro deveria render-lhe, no mínimo e sem qualquer favor, o justo reconhecimento da sociedade

Após três meses de depoimentos, o grande júri do condado de St. Louis concluiu pela inocência de Wilson, que agira em legítima defesa, mas nem mesmo isso refreou o ativismo radical, que, àquela altura, já assumira caráter criminoso: sob o influxo da retórica de ódio, policiais passaram a ser emboscados e assassinados em diversos pontos do país. No dia seguinte ao assassinato do delegado de polícia de Houston Darren Goforth, morto enquanto enchia o tanque do carro em agosto de 2015 – relata MacDonald –, ativistas do Black Lives Matter marcharam em St. Paul, cantando: “Pigs in a blanket, fry’em like bacon”. Falando na Chicago Law School, em outubro do mesmo ano, James Comey, diretor do FBI, observou que a criminalidade violenta crescia na América, afirmando – respaldado em dados estatísticos – que a razão provável para isso era o declínio da atividade policial pró-ativa, fenômeno que passou a ser chamado de “efeito Ferguson”.

O que o “efeito Ferguson” tem a ver com o Brasil? O fato é que o quadro de desordem e subversão enfrentado pelos Estados Unidos não é nada quando comparado à nossa realidade. No país mais violento do mundo, que registra três assaltos por minuto apenas nas capitais e conta com um absurdo déficit de efetivo, falar-se em função policial de manutenção da ordem soa quase como deboche. Isso não impede, porém, que analisemos a atual condição da polícia brasileira a partir do feroz ativismo contra ela dirigido e dos efeitos da retração da (já precária) atividade policial, no contexto de guerra híbrida em que nos encontramos.

Segundo dados da Comissão de Análise da Vitimização Policial da PM do Rio de Janeiro, a guerra urbana no estado entre os anos de 1994 e 2017 teve o seguinte impacto sobre a Polícia Militar: 1. o porcentual de baixas por morte da PMERJ (3,77%) é superior ao registrado pela Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial (1,84%) e pelos Estados Unidos nas guerras do Golfo (0,02%), da Coreia (0,95%), e do Vietnã (0,98%), bem como na Primeira (2,46%) e na Segunda (2,52%) Guerra Mundial; 2. a taxa de baixas (mortos e feridos) da PMERJ (20,70%) é superior ao dobro do registrado pela Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial (9,99%) e exponencialmente maior que a sofrida pelos Estados Unidos nas guerras do Golfo (0,04%), da Coreia (2,76%) e do Vietnã (2,65%), bem como na Primeira (6,77%) e na Segunda (6,69%) Guerra Mundial. Parece grave? Pois saiba, caro leitor, que esses índices praticamente dobram se considerarmos apenas os policiais que atuam na região metropolitana do Rio de Janeiro!

O heroísmo do policial brasileiro deveria render-lhe, no mínimo e sem qualquer favor, o justo reconhecimento da sociedade. Providências enérgicas deveriam ser exigidas de governantes e legisladores, diante do extermínio de nossa força policial, sabidamente fomentado pela impunidade dos delinquentes que, cada vez mais audazes, fazem do assassinato de autoridades sua credencial para ascensão no submundo do crime. Se nada disso acontece, é justamente porque a opinião pública foi submetida a um grave processo de dessensibilização, por meio de uma execrável campanha de desmoralização e aviltamento movida contra a polícia brasileira, tachada de assassina em razão das baixas que causa no estrito cumprimento do dever legal, sem que seus detratores tenham ao menos a decência de lembrar que ela sofre baixas incomparavelmente superiores não às de outras polícias, mas às de exércitos regulares engajados em guerras!

Pouco importa que o policial militar que atua na região metropolitana do Rio de Janeiro tenha uma probabilidade de ser ferido 1.613 vezes superior à de um soldado americano na Guerra do Golfo. A simples ideia de que sejam empregados atiradores de elite para aumentar a segurança das operações e resguardar a integridade desse combatente causa escândalo aos “especialistas”, que, ante a assombrosa perspectiva de neutralização dos soldados do tráfico, manifestam uma indignação jamais testemunhada quando um policial sai da vida para entrar na... estatística.

A retração da atividade policial resulta na submissão de vasta parcela da população (em geral a mais pobre e indefesa) à tirania imposta por maníacos e sociopatas. De moradores expulsos da própria casa por narcotraficantes a mulheres torturadas e punidas de acordo com o “código penal da favela”, abusos inomináveis se incorporaram ao cotidiano do povo brasileiro, embalados pelo silêncio cúmplice de falsos defensores dos direitos humanos, cujo ativismo seletivo contempla apenas aqueles humanos devotados a alguma subcultura delinquente. É loucura supor, como pretendem alguns, que a ausência do Estado como garantidor da ordem legal seja sinônimo de liberdade. Basta lembrar o que ocorreu em 2017 durante os 21 dias da greve (ilegal) da Polícia Militar no Espírito Santo, período de caos e anarquia, no qual o número de homicídios praticados obrigou os servidores de um superlotado Departamento Médico-Legal a empilhar cadáveres pelos seus corredores. Se existe uma lição (de Dave Grossman) que podemos lembrar aos vizinhos do norte, ela é justamente essa: o cão pastor incomoda a ovelha porque é uma lembrança constante de que há lobos lá fora, mas quando o lobo aparecer todo o rebanho tentará desesperadamente esconder-se atrás do pastor. Dito de outro modo, a sociedade que despreza sua polícia está tornando impossível a ordem pela qual ela própria não tardará a clamar.

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