Numa recessão mundial prolongada, o pior risco para o Brasil parece ser o do câmbio e das importações, mais que o da falta de recursos financeiros externos. Com reservas suficientes, oportunidades de investimento atrativas e sem os problemas de endividamento dos anos 30 e 80, as condições para enfrentar uma nova crise de contração são razoavelmente melhores que em qualquer momento similar do passado.

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De maneira geral, quase todos os indicadores internos são superiores aos históricos: crescimento e inflação moderados, déficit fiscal e endividamento público inferiores à média mundial, consumo e crédito em expansão, geração de empregos formais, aumento da massa salarial, redução da pobreza e da desigualdade.

Mesmo o contexto internacional não é uniformemente negativo. Um dos paradoxos atuais é vivermos um momento bipolar na economia em pleno auge da globalização, que deveria unificar as reações dos mercados em escala planetária.

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Nos 30 e até nos 80, China, Índia, Ásia, contavam pouco (exceto o Japão) como destino de nossas exportações. A conversão da China no primeiro mercado brasileiro é mutação sugestiva de que somos um dos maiores beneficiários da emergência asiática.

Qual é então o perigo no quadro de agravamento da crise mundial? É deixar que o principal motor da economia nessa emergência, a capacidade de expansão do mercado doméstico, ser ocupada por importações favorecidas pela moeda apreciada. A coincidência do aumento do consumo com a estagnação da indústria nacional demonstra que a expansão já está sendo capturada pelas importações.

Recente pesquisa coordenada pela nossa mais atualizada e experiente especialista em Organização Mundial de Comércio (OMC), Vera Thorstensen, professora da Fundação Getúlio Vargas, comprova que o real apresenta desalinhamento de 30% para mais. Enquanto isso, o dólar dos EUA está com subvalorização de 10% para menos e a moeda chinesa vale entre 20 e 30% menos do que deveria.

Em consequência, o câmbio anula as tarifas negociadas pelo Brasil na OMC. Vai além: atua como subsídio indireto e estímulo às importações, sobretudo chinesas. É conversa fiada nessas condições falar em negociar acordos, bilaterais ou de qualquer natureza. Negociar o quê, se as tarifas cuja redução constitui boa parte das negociações já estão sendo eliminadas pelo câmbio?

O Brasil conseguiu que a OMC examine a relação entre câmbio e comércio. Até agora aceitou-se apenas encomendar estudos. São mínimas as chances de obter remédio efetivo em tempo hábil. Na Rodada Uruguai, apesar de um grupo de negociação especial, não se logrou mais que uma declaração genérica sobre a falta de coerência entre o sistema comercial, de um lado e o sistema monetário e financeiro, do outro. Para nós não se trata de ameaça hipotética e futura. A invasão de importações favorecidas pelo desalinhamento do câmbio salta aos olhos. Na falta de quadro legal internacional, temos de encontrar instrumentos nacionais para neutralizar com urgência os efeitos comerciais da anarquia cambial. Não para erigir barreiras novas, mas simplesmente para manter as mínimas indispensáveis.

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Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.