O Brasil rompeu com o método tra­­­dicional, firmando-se como a primeira grande potência absolutamente paci­­­fista na história

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Na discussão em torno da intervenção militar na Líbia, novamente a postura brasileira se afirmou positivamente contrária às ações militares e pela busca de soluções pacíficas e diplomáticas.

A diplomacia brasileira, mostrando maturidade, não tem tido receio de se contrapor ao discurso das potências tradicionalmente hegemônicas, posicionando-se com clareza em contrariedade à violência, o que é por muitos açodadamente criticado, pois acostumados a ver o País se alinhar ao desejo dos mais poderosos, sem postura definida, como hoje, em prol das liberdades, do multiculturalismo e da não aceitação de intervenções violentas.

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O momento é único na história da diplomacia brasileira e dele deve ser extraída lição para a reestruturação da própria sociedade, pois não há como negar que a postura não militarista, que tem apontado o Brasil como uma nova potência, diversa de todas que a história humana já conheceu, é incompatível e contraditória com a persistência do cenário de guerra dentro do seu território.

Como o Direito Internacional se contrapõe à guerra, impedindo-a e tentando buscar soluções pacíficas, no plano interno o Direito Penal deve se contrapor à pena.

No Brasil pacifista e multicultural não é adequado que os problemas internos sejam enfrentados com mecanismos punitivos, sendo premente que a maturidade assumida no cenário internacional também se faça sentir dentro de suas fronteiras e haja reais esforços para corrigir os graves conflitos gerados pela desigualdade.

É absolutamente contraditório que as pessoas sintam-se, por exemplo, chocadas pelas torturas que maculam a democracia norte-americana, praticadas em Abu-Ghraib, no Iraque; mas continuem defendendo que os cidadãos brasileiros que errarem sigam sendo torturados, violentados e massacrados nas masmorras contemporâneas que se convencionou chamar de prisão.

Impressiona que parte da classe política faça do endurecimento do sistema punitivo brasileiro, já não fosse ele um dos mais rigorosos do planeta, sua plataforma única de ação, não propondo nenhuma medida concreta para o enfrentamento da lentidão e ineficácia dos meios de resolução pacífica dos conflitos, do problema dos menores abandonados e da sua exploração; do desenvolvimento de cultura humanística e solidaria; do respeito ao diferente e às regras de convívio.

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Fala-se de redução de garantias, de invasões na intimidade, de concessão de mais poderes às polícias, quando, em verdade, a defesa dessas posturas equivale à defesa da guerra permanente. A nova moda é combater a "visita íntima" a que tem direito os reclusos, apenas esquecem os seus detratores de informar à sociedade que, em grande parte, pela existência dela, o Brasil é, dos países que ainda apostam na violência para conter crimes, o que experimenta os mais baixos índices de violência sexual praticados pela população egressa do sistema carcerário.

Não há fuga: aumento do catálogo de crimes é o mesmo que guerra generalizada; endurecimento de penas é o mesmo que bombardeio; redução de direitos e garantias é o mesmo que carnificina e massacre.

Em seu discurso, ao receber o Prêmio Nobel de literatura, García Márquez questionou: "Por que a originalidade que de nós admitem sem reservas na literatura nos é negada com todo tipo de suspeitas em nossas tão difíceis tentativas de mudança social? Por que pensar que a justiça social que os europeus há muito tentam impor em seus países, não pode ser também um objetivo latino-americano com métodos distintos e condições diferentes?"

O Brasil rompeu com o método tradicional, firmando-se como a primeira grande potência absolutamente pacifista na história, vale romper de novo e, na mesma lógica, defender a paz interna e para isso pensar um pouco menos em punições e um pouco mais em soluções que conduzam à redução da conflituosidade social.

Adel El Tasse, procurador federal, professor de Direito Penal, é coordenador no Paraná da Associação Brasileira de Professores em Ciências Penais (ABPCP). E-mail:adel@eltasse.com.br

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