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Em contradição, Lula diz que não igualou responsabilidades de Ucrânia e Rússia no conflito
Em Portugal, Lula disse erroneamente que nunca igualou as responsabilidades de Rússia e Ucrânia no conflito| Foto: Andre Borges/EFE

A visita do presidente Lula ao território europeu já produziu algumas situações que merecem atenção, pois demonstram a visão do principal mandatário brasileiro acerca de conceitos importantes no âmbito jurídico constitucional e internacional. Os princípios que regem o Brasil no campo das relações internacionais e as noções de guerra e paz do condutor do Estado brasileiro são tópicos que não podem passar sem análise mais detida, pois apontam para o posicionamento que deve ser adotado em quaisquer situações, de maior ou menor gravidade, que digam respeito ao Brasil ao longo dos próximos anos.

Em uma passagem anterior à viagem atual, em Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos), o presidente Lula afirmou que “Putin não toma a iniciativa de parar; Zelenski não toma a iniciativa de parar”. O representante do Estado brasileiro certamente sabe (ou deveria saber) que não é possível fazer a equivalência entre Rússia e Ucrânia na guerra, conforme os ditames do direito internacional. Segundo tal ramo jurídico, o direito de promover a guerra (jus ad bellum) existe somente em duas situações: legítima defesa do Estado e ação da ONU, de acordo com o Conselho de Segurança, para manutenção ou restauração da paz. É evidente que a primeira hipótese mencionada é argumento que somente pode ser brandido pelos ucranianos, que tiveram seu território invadido pelos russos. Logo, igualar as partes em conflito revela-se suprema injustiça.

Os ucranianos, a partir da invasão, tiveram a respectiva dignidade vulnerada e os direitos humanos ofendidos.

Em Portugal, reafirmando visão um tanto distorcida sobre contexto de guerra e paz, afirmou que “se você não fala em paz, você contribui para a guerra”. Qual seria o conceito de paz do presidente? Há um país que tomou parte do território de outro e este tenta, legitimamente, defender-se e retomar terreno, além de proteger a população. A concessão do território ucraniano ao invasor seria um exemplo de atitude pacífica esperada dos ucranianos ou seria isto tão somente a conivência com a atitude agressiva tomada pelos russos, medida que já fora implementada no momento da invasão da Crimeia (e parece não ter saciado o apetite do governante russo)?

O artigo 4º da Constituição da República determina os princípios que regem o Brasil no campo das relações internacionais, entre os quais destaca-se a prevalência dos direitos humanos (inciso II). É importante ressaltar tal inciso, pois um dos fundamentos do Estado brasileiro é a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, do Texto Maior), elemento que guarda intrínseca relação com o dispositivo anteriormente citado. Só é possível conferir primazia aos direitos humanos no âmbito internacional se a dignidade do ser humano, seja lá onde ele estiver, for considerada a razão última do direito.

Como determina a filosofia kantiana, o ser humano é um fim em si mesmo e, portanto, não deve ser tratado como instrumento para quaisquer outros elementos (como interesses políticos e econômicos, por exemplo). Os ucranianos, a partir da invasão, tiveram a respectiva dignidade vulnerada e os direitos humanos ofendidos, uma vez que lhe foram retirados os direitos essenciais reconhecidos internacionalmente para a existência de qualquer pessoa, como o direito à vida, à liberdade e a um ambiente de paz.

A Rússia é um país com uma história riquíssima, que produziu grandes valores culturais para a humanidade, como demonstra a Literatura, com autores como Tolstoi, criador da obra Guerra e paz. Um erro, como a invasão do território ucraniano, não tem o condão de diminuir a contribuição russa à comunidade mundial, nem autoriza a discriminação dos seus cidadãos, como tem ocorrido em determinados lugares após o início da guerra. Tal constatação, porém, não diminui o fato de que a agressão à Ucrânia é de difícil defesa sob o prisma jurídico, algo que deveria ser mais facilmente observado pelas autoridades brasileiras. A falsa equivalência entre as partes e a noção de paz apresentada ultimamente pelo governo não se coaduna com o direito internacional e com a matriz axiológica da Constituição da República. “Paz sem voz não é paz, é medo”, como diz a conhecida canção da banda brasileira O Rappa, e os ucranianos merecem ter o grito de liberdade ouvido.

Elton Duarte Batalha, advogado, é doutor em Direito e professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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