O economista Álvaro Vargas Llosa, em seu livro Manual do perfeito idiota latino-americano, diferenciou a esquerda carnívora, mais radical, representada por Hugo Chávez, os irmãos Castro e Nicolás Maduro da esquerda vegetariana, mais moderada, representada pelos governos de Lula e Tabaré Vásquez.
A esquerda carnívora é troglodita. Prende opositores, despreza a democracia representativa, propõe leis que atentam descaradamente contra as liberdades individuais. Já a versão vegana, sem lactose, possui uma retórica carnívora ocasional, mas sem atacar tão escancaradamente as instituições democráticas quanto seus pares carnívoros.
Nas eleições municipais de São Paulo, Bruno Covas, apesar de ter sido vice do atual governador de “direita” João Doria, representa a tradicional esquerda vegetariana. Ele queima incenso no altar dos justiceiros sociais, alocou esquerdistas na Secretaria da Cultura e busca agradar os sindicatos mais populares. No entanto, o esquerdismo de Bruno Covas fica restrito aos bloquinhos de Carnaval e à Secretaria da Cultura.
Já Boulos é fruto de um pós-lulismo. Seu partido, o PSol, é antiliberal nos costumes e antidemocrático, vangloriando-se de sua política identitária: quando dizem que vidas negras importam, na verdade são os votos negros que realmente interessam. O mesmo para as demais minorias que o PSol tenta sindicalizar.
É um partido que não se envergonha de queimar a bandeira de Israel, de apoiar o Hamas em seu site. Na votação do impeachment de Dilma Rousseff, o deputado psolista Glauber Braga fez apologia ao terrorista Marighella, fundador da ALN e um dos responsáveis pelas 119 vítimas das guerrilhas de esquerda no Brasil, 19 delas antes do próprio AI-5. A grande maioria das vítimas foi de civis desarmados que nada tinham a ver com o conflito. O partido também apoia o governo de Nicolás Maduro, segundo nota publicada no próprio site no ano passado. Segundo a ONU, o governo venezuelano é responsável pelo assassinato de 6.856 pessoas em pouco mais de um ano.
Guilherme Boulos ficou conhecido por seus movimentos “sociais” por moradia. Em 2009, durante a presidência de Dilma Rousseff, eles obtiveram uma cota no programa Minha Casa, Minha Vida : o MCMV entidades. Através dele, esses movimentos poderiam indicar quem tinha direito a apartamentos. Boulos então criou uma planilha de pontos que somava coisas como participação nas manifestações do MTST e invasões de imóveis. Quem tivesse mais pontos, ganhava um imóvel subsidiado pelo pagador de impostos. Uma verdadeira cafetinagem da pobreza.
Além disso, Boulos quer implementar o terraplanismo econômico. A mais bizarra de suas propostas de campanha foi a de que contratação de novos servidores seria uma alternativa à reforma da Previdência Municipal.
A previdência municipal de São Paulo, tal qual o INSS, não foi planejada para cada aposentado ser pago em função das suas contribuições passadas acrescido de rentabilidade. Era baseado na geração de caixa em função de novos entrantes no sistema.
Porém, neste momento temos 120 mil pessoas aposentadas pela prefeitura, e seria impossível manter este sistema que mais se assemelha a uma pirâmide financeira. O orçamento da prefeitura de São Paulo para 2021 é de 67 bilhões. Em 2017, por exemplo, a prefeitura teve que fazer um aporte adicional de 4,7 bilhões para saldar a previdência.
Boulos ignora o princípio básico da contabilidade, criado no final do século XV pelo italiano Luca Pacioli. Por esse princípio, para cada crédito há um débito correspondente. Em previdência há sempre um crédito (aquilo que o funcionário e a prefeitura aportam acrescidos do rendimento até a data da aposentadoria), e um débito (a despesa do pagamento de aposentadoria no futuro).
Se a projeção de despesas com pagamentos da aposentadoria for maior que a projeção do saldo das aplicações financeiras do fundo, o plano quebra. Há um déficit da previdência. Ajustes periódicos precisam ser feitos, dado que, com os avanços da Medicina, as pessoas vivem cada vez mais.
Na contabilidade internacional esse conceito de provisão de despesas futuras é chamado de Projected Benefit Obligation (PBO). A conta é um pouco mais detalhada, feita por profissionais formados em ciências atuariais. Para o público é importante entender que não adianta colocar novos funcionários num plano deficitário. Se a obrigação futura de pagar aquele funcionário for maior do que a projeção dos aportes dele, então mais funcionários públicos é sinônimo de mais déficit.
Felizmente, a cidade de São Paulo fez a escolha pelo mal menor neste segundo turno. O PSol representa o cadáver insepulto de Fidel Castro. É o partido que despreza a democracia representativa e tenta seduzir jovens de classe média descontentes para uma distopia cubana misturado à estética black block. Porém a expressiva votação do candidato, mais de dois milhões de votos, deve servir como alerta para a nossa sociedade.
Guilherme Boulos é, politicamente, um esquerdista carnívoro, que quer subverter a ordem econômica. Não é um vegetariano, como Lula. Seus militantes, entretanto, são de um terceiro grupo: a esquerda herbívora.
Felipe Martins Passero, CFA, é formado em Administração de Empresas pela USP e Alumni do Instituto de Formação de Líderes de São Paulo (IFL SP).
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