Imagem ilustrativa.| Foto: pixel2013/Pixabay
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“Acredito que haja uma história no mundo, e somente uma. Os humanos são aprisionados – em suas vidas, pensamentos, fomes e ambições, em suas avareza e crueldade, e em suas bondade e generosidade também – em uma trama do bem e do mal. Não existe outra história. Um homem, depois de limpar a poeira e os fragmentos de sua vida, terá deixado apenas as perguntas duras e claras: foi bom ou foi mau? Eu me saí bem ou mal?” (John Steinbeck, A leste do Éden)

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“Por que nos metemos em jogos psicológicos?”, pergunta a análise. Ao que responde “para manter os quadros de referência”. Esmiuçemos, com outras palavras. O mal-estar que se pode sentir durante uma discussão sobre política é indício de que houve, para dizer o mínimo, uma triangulação nos papéis a que frequentemente recorremos para manter nossa visão de mundo: de herói, de vítima (a arte inclinará até a “submissão ao absurdo”), ou a que se vê favoritada, de “dizer a verdade na cara, doa a quem doer, eu falo mesmo!”. Jogou, perdeu. No jogo não há nenhum vencedor. Trazemos, porém, a notícia de que é possível se expressar, seja qual for o assunto, sem perder a paz. Ainda mais com a paz no preço que está.

Evidentemente, a filosofia, a comunicação política e a psicologia se fazem emergencialmente necessárias à mediação do conflito que se estabelece nas redes sociais digitais, nas conversas de corredor, ou, poxa, que inconveniente, nas refeições em família. Quando escrevemos sobre tal emergência, nos referimos a duas coisas: o reforço na prática da suspensão, para se tentar, pelo menos, entender o outro segundo o mapa dele (é uma das coisas que um terapeuta faz durante uma sessão); e também uma boa dose de remédios intelectuais contra o que não se pode superar pela razão.

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Acontece que, embora tal razão remeta – que coincidência – a uma ideia de racionalidade, ou seja, de possibilidade de sustentação razoável, e que tal razoabilidade costume ter por gramática a ciência, ou seja, um sistema que se possa auditar, não é, e se poderia lamentar por isto, suficiente para cobrir uma parte significativa do eleitorado – o que pode nos incluir.

Achamos curioso quando nos dizem “o eleitorado pensa tal coisa”, como se pesquisas acadêmicas ou de intenções fossem suficientes para explicar coisas que hoje são uma grande bandeira do “Tio do Zap”, mas que amanhã, para esse mesmo querido Tio, valem menos que a água da louça. O que insinuamos é que existem coisas além dos algoritmos, coisas que são mais antigas que a linguagem, mais antigas que falar português.

Entender os outros, no sentido de combinar, ajustar as partes, é uma chave para a discussão política profícua. Dadas as temerárias condições das plataformas digitais nas quais ocorrem as conversas, a não radicalização seria um grande avanço.

Quando abrimos este artigo com o tema “jogos psicológicos”, é porque o resultado mal-estar é que se poderia evitar. E se poderia evitar da seguinte maneira: não vamos às relações com a intenção de nos proteger, e geralmente empregamos uma força descomunal para essa finalidade, mas para transitar para um estado de graça, de intimidade, que é o oposto de jogar psicologicamente, onde se pode ser quem é sem medo. É conhecer sem impor.

A estranheza que sentimos tem a ver com uma “visão de cima” ofegada pela altitude. Gosta de preto, de azul, de colorido? Pode se expressar, não tem problema. Independentemente de quem seja seu ou nosso favorito, ou de qual diretor de cinema é a obra relevante, não importa do que se trate, a dignidade do indivíduo é princípio basilar.

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Não se deveria, por razões muito simples de reciprocidade, violentar o espaço do brasileiro contribuinte – que há anos faz piadas inoportunas, que eventualmente se excede no álcool, que tem no som da brasa da churrasqueira e no apito do celular a grande trilha do fim de semana – com acusações de menor ou maior inteligência, ou até o absurdo de tornarmos nossos antepassados deuses do extermínio.

Além do mais, há o trabalho. Isto é, há coisas a serem pensadas, resolvidas, implementadas. Há muito serviço a ser feito e, se o indivíduo não puder ser quem é, estamos perdidos. Daí é fechar a lojinha.

Bruno Nichols é cientista social e pesquisador. Vinícius Sgarbe é jornalista e pesquisador.