Manifestantes em ato pró-Bolsonaro em Brasília| Foto: Marcos Correa/Agência Brasil
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As manifestações no 7 de setembro e a edição, na véspera, de uma medida provisória que pretende estabelecer um novo marco da internet merecem reflexões e posicionamentos pela sociedade.

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Sempre deve ser lembrado que, desde 1988, o País vive sob a égide de uma Constituição Federal que suportou solavancos e crises políticas e econômicas, mantendo firme o regime democrático.

Jamais poderá ser esquecido por qualquer governante, notadamente pelo presidente da República, que seu principal compromisso é defender a Constituição. O artigo 78, da Constituição estabelece que “O Presidente e o Vice-Presidente da República tomarão posse em sessão do Congresso Nacional, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”. Logo, não se admite qualquer discurso que ameace o funcionamento dos poderes constituídos, que insinuem rupturas democráticas e a volta do poder pela mão de ferro e pelo arbítrio. Isso contraria o juramento assumido no início do mandato e coloca em risco a Constituição, a democracia e a integridade da nação.

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O sufrágio universal é a premissa para se viver numa democracia, é impossível conceber essa forma de governo sem o direito da população de escolher seus governantes. Estamos a praticamente um ano de novas eleições e é preciso assegurar que o povo brasileiro escolha quem governará o País no próximo mandato. O lançamento de ataques às urnas eletrônicas traz um perigo enorme à democracia, porquanto se trata de sistema testado há várias eleições, sem que nunca tenha sido comprovada sua ineficácia ou falta de lisura.

Ademais, quem se elegeu por tal sistema de escolha não tem legitimidade para questioná-lo, pois seu mandato advém exatamente dessa forma de escolha. Claro que é possível rever os meios de exercício do voto, mas o foro adequado para isso, dentro da democracia, é o parlamento. Quando o parlamento rejeita a proposta de revisão é preciso reconhecer que ela não é a vontade popular, pois do contrário o sistema de freios e contrapesos que os poderes exercem, base da democracia, torna-se inoperante e o caminho para o arbítrio estará aberto.

As democracias terminam quando se estabelece uma guerra de poderes. Episódios de rupturas democráticas, notadamente na América do Sul, mostram que uma das receitas é o discurso de que não se consegue fazer reformas porque os demais poderes as impedem. Esse discurso derrubou democracias tanto quanto foi proferido pela esquerda como pela direita. Há, portanto, uma enorme responsabilidade dos chefes dos poderes em manter a harmonia para preservar a democracia.

A interferência de um poder sobre o outro, de forma exagerada e extrapolando competências, seja por decisões judiciais, seja por atos de exceção, como medidas provisórias, seja por legislação desconectada da Constituição, seja por ameaças, leva a um perigoso estágio de desagregação das bases democráticas, abrindo as portas para um regime de exceção.

De outro lado, também é base do regime democrático o direito de expressão, reunião e manifestação. Isso sempre deverá ser assegurado, mas é evidente que essas liberdades não podem ser utilizadas para derrubar o próprio regime democrático que as garante. José Lúcio Glomb, ex-presidente da OAB-PR, disse, recentemente, quando foi agraciado com a medalha Vieira Neto, na VII Conferência da Advocacia Paranaense, que é preciso desconfiar daqueles que usam as liberdades democráticas para atacar a própria democracia.

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E nesse contexto da liberdade de expressão, o novo marco da internet, editado por medida provisória, traz outra enorme preocupação, porquanto para o exercício de todo o direito há limites. O próprio ordenamento jurídico impõe esses limites, estabelecendo ser ilícito o abuso do direito. As fake news mostram como a liberdade de expressão sem controles é perigosa, por disseminar a desinformação, transformar mentiras em pseudoverdades, destruir reputações, ofender a honra, a intimidade e a dignidade das pessoas, valores que também estão tutelados pela Constituição, como direitos fundamentais. Não há urgência e relevância alguma a justificar essa MP, tal qual permitiria o art. 62, da Constituição. O País tem um marco de internet aprovado no parlamento após mais de cinco anos de discussão, logo é inconstitucional a tentativa de estabelecer um novo marco, via MP, com vigência imediata, a partir de impressões e opiniões pessoais do chefe do Poder Executivo. É possível debater se o atual marco é suficiente, se atende as expectativas da conjugação entre liberdade de expressão e limites para seu exercício, mas isso deve ser feito no Parlamento, que é o poder constituído para legislar.

Há limites para o exercício de qualquer direito. Quem exerce mandatos e a chefia de poderes deve ser o primeiro a saber disso e agir observando esses limites.

Cássio Lisandro Telles é presidente da OAB Paraná.