Lula consegue que todos acreditem que contam com sua simpatia e que exercem sobre ele uma grande influência, quando na realidade ele os manipula
Qual será a real herança dos oito anos de Lula na Presidência? Os aliados e simpatizantes guardarão a imagem do líder iluminado, que conseguiu promover a ascensão econômica de milhões de pessoas, ampliou de maneira exponencial os mecanismos de transferência de renda para as camadas mais pobres e alterou, assim, de maneira permanente e significativa a estrutura social de nosso país. Sua lembrança evocará também o político obstinado mas tolerante, capaz de esquecer agravos e se aliar aos inimigos de ontem sem aparentes constrangimentos nem pudores.
Os adversários e críticos se lembrarão dele como o populista completo e acabado, a versão moderna do pai dos pobres, que montou com o Bolsa Família e outras políticas assistencialistas, uma quase-invencível máquina eleitoral. Também reconhecerão nele a tolerância, mas traduzida pela leniência com aliados corruptos e a incapacidade ou inapetência para exigir de muitos de seus companheiros um modicum de decoro no trato da coisa pública. Isso tudo somado a uma desenvoltura única para se aliar ao que existe de mais arcaico e apodrecido na política brasileira se isso servir aos seus propósitos eleitorais.
Para mim, a lembrança mais forte será seu inexcedível pragmatismo.
Não adianta brigar com os fatos: o Brasil vive um momento muito favorável, com uma combinação que é o Santo Graal dos economistas: inflação baixa e sob controle, com crescimento econômico; empregos fartos e salários reais crescentes; lucros, apesar dos juros escorchantes e da carga fiscal confiscatória. O crédito abundante permitiu o acesso de milhões de pessoas a confortos antes inimagináveis.
Onde entra o pragmatismo lulista? Na capacidade de fazer com que os grupos sociais mais antagônicos não consigam ter força para levar o país a impasses institucionais sem solução fácil. Lula consegue que todos acreditem que contam com sua simpatia e que exercem sobre ele uma grande influência, quando na realidade ele os manipula, transformando-os em aliados de seus propósitos.
Esperto como é, Lula conseguiu alguns milagres de malabarismo: posa de indignado com os banqueiros e empresários nacionais e multinacionais, mas nunca na história deste país os ditos ganharam tanto. Fala do governo FHC com desdém, mas manteve intacta a estratégia monetária e financeira que herdou dele. Cultiva a imagem de um perseguido dos anos de chumbo, mas quando sentiu que pisava em terreno minado em suas relações com os militares, como no caso da greve dos controladores de voo de Brasilia, esfriou o ímpeto antimilitarista de alguns de seus assessores. Deu trela aos radicais que elaboraram o programa de direitos humanos, mas quando sentiu que aspectos mais delirantes do programa seriam capazes de mobilizar forças poderosas contra ele, deixou o ministro Vanucci falando sozinho. É um crítico mordaz do anacronismo das instituições brasileiras, mas não moveu uma palha para realmente reformá-las.
De novo, o julgamento desses atributos variará: os simpatizantes verão nessa metamorfose ambulante (apud Raul Seixas) a marca do estadista, capaz de entender que as estruturas políticas e sociais de um país têm de ser modificadas paulatinamente e não a golpes de marreta. Os antipáticos ao lulismo verão nessa infinita maleabilidade a marca do oportunismo puro e simples.
Os resultados que obteve, no entanto, poderiam tê-lo catapultado à condição de um verdadeiro líder de porte internacional, se não tivesse cometido o erro de tentar ser ambíguo em questões que não comportam ambiguidades. Fez do caso Zelaya em Honduras um cavalo de batalha da defesa da democracia, mas vive aos beijos e abraços com a ditadura dos decrépitos irmãos Castro. Quis se colocar como mediador dos conflitos do Oriente Médio mas se abraçou com um dos contendores que prega que um outro seja pura e simplesmente riscado do mapa.
Uma pena. Poderia ser um novo tipo de interlocutor internacional de peso, à altura da crescente importância estratégica do Brasil. Preferiu continuar a encantar a platéia terceiromundista dos Chávez, Morales e companhia.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.
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