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Sem uma legislação específica, a herança digital vem causando forte repercussão no Brasil e no mundo. Acompanhamos, recentemente, o caso de uma mãe pedindo para ter acesso à conta de e-mail Yahoo do filho. E será que pode?

Não é qualquer bem digital que pode ser considerado como herança, a não ser que o titular deixe sua vontade por escrito ou de forma clara, talvez através de um testamento. Se é a vontade do falecido, que alguém dê continuidade ao seu canal de YouTube, ou que faça posts em seu Instagram, em tese, poderia o herdeiro realizar sua vontade.

Mas e se nada disse o de cujus? Ele morreu e sua esposa deseja “herdar” seus contatos, fotos na nuvem e até senhas em sites e aplicativos, pode? Algumas mães processam redes sociais, a pretexto de garantir a “memória” dos filhos, como é o caso da americana Karen Williams, que processou o Facebook para ter acesso à memória de seu filho falecido. Mas, veja bem, se a Justiça começar a autorizar estes acessos, podemos ter uma grave violação do direito à privacidade.

O direito à privacidade está garantido na Constituição brasileira, através do direito à personalidade

O direito à privacidade está garantido na Constituição brasileira, através do direito à personalidade. Temos que tomar muito cuidado para não parecer contraditórios. Em um contexto histórico em que se fala tanto em proteção dos dados das pessoas físicas, através do “Princípio da finalidade da coleta de dados”, como poderemos ampliar tanto o conceito de herança?

Impossível não imaginar as situações vexatórias que poderiam surgir da exposição dos dados pessoais, contatos e vida virtual das pessoas aos seus familiares. Nesta seara da “herança digital” é mister observar o desejo do falecido. Eis a importância de conscientizar as pessoas sobre a possibilidade de dar um destino a esta herança, seja ela composta por: fotos, e-books, músicas e contatos mantidos de forma virtual.

Atualmente, existe um projeto de Lei (PL 4099/2012) que está aguardando apreciação do Senado Federal, o qual pretende regular sucessão dos bens e contas digitais do autor da herança. Tal PL, basicamente, busca alterar o artigo 1.788 do Código Civil, para a seguinte redação: “Serão transmitidos aos herdeiros todos os conteúdos de contas ou arquivos digitais de titularidade do autor da herança”.

Leia também: Quebras de sigilo e privacidade: três casos idênticos, três resultados diversos (artigo de Jacqueline de Souza Abreu, publicado em 6 de dezembro de 2017)

Leia também: A tecnologia, a Internet e a perda de privacidade (artigo de Fernando Matesco, publicado em 30 de maio de 2018)

Seguramente, o texto da forma como está esbarra no direito à privacidade e acreditamos pouco provável que seja aprovado sem ajustes. Seria mais plausível que cada solução fosse pautada no caso a caso, sempre buscando garantir o respeito à vida íntima do falecido e a necessidade dos parentes ao acesso de alguma informação.

Maria Carla Coronel é advogada, formada em Direito pela Universidade Católica de Santos e mestre em Integração da América Latina pela USP.
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