Curitiba precisa com urgência de mais cronistas: escritores, poetas, compositores, fotógrafos e pintores capazes de observar e contar o cotidiano do nosso povo e cidade. A rápida mudança dos últimos 20 anos estrutural, urbana e comportamental abalou a nossa referência de identidade. A produção de boas crônicas pode ajudar neste resgate.
Aqui se processou a melange de raças que misturou também as histórias de famílias e costumes. O sangue europeu de outras épocas embaralhou-se com rapidez ao dos neocuritibanos. Descendentes de polacos casam-se com baianos, italianos com cariocas e alemães com mineiras. Em longo prazo nós vamos agradecer por essa rica combinação. Somos um Brasil diferente, diz Wilson Martins. No entanto, precisamos deixar este patrimônio registrado.
A crônica é necessária porque ela nos incita a pensar sobre nós mesmos. Cada vez que lemos ou vemos algo a propósito de nossa maneira de ser e agir, refletimos sobre o comportamento coletivo. Isto firma a identidade e ressalta as diferenças com as outras cidades. A velha frase "se queres ser universal canta a tua aldeia" continua válida e cada vez mais nestes tempos de globalização acelerada.
Carecemos de pintores e poetas que saibam dar cor à luz impressionista do outono curitibano. Este brilho de planalto que banha de maneira suave os telhados ainda em pé das antigas casas de colonos com seus quintais, esparsos pinheiros, pessegueiros e pereiras em flor. Bakun e Helena Kolody perceberam e retrataram, nos seus tempos, esta maravilhosa claridade. Como artistas sensíveis, viram o que a maioria de nós não enxergava. Por isso a necessidade dos cronistas.
Precisamos de compositores, músicos e cantadores para registrar o barulho comportado das nossas feiras livres, onde os pregões são feitos em voz baixa a senhoras e senhores de ares circunspetos. Vestidos com sobriedade, eles vêem com simpatia o jovem casal paulista que acabou de chegar e o verdureiro paraibano aumentando o tom de voz para brincar com os que passam. Nesta Curitiba emaranhada podemos comprar pierogue, vina, apfelstrudel, tapioca, pamonha e vatapá na mesma feira.
Escritores que possam contar, sem medo de expor sensibilidades, sobre a explosão passional, emotiva e chorona da nossa alma eslava. E explicar por que o nosso descendente de italiano ficou diverso do italiano do Braz, Bixiga, Caxias ou Bento Gonçalves nossos italianos são diferentes dos italianos dos outros.
Que contem os causos dos alemães assustados que vêem a chegada dos novos curitibanos trazendo a dissolução do seu folclore e do progresso que promoveu o desaparecimento das suas casas bem cuidadas. Nem jogadores de futebol com nomes estrangeiros temos mais: Kosileck, Osternack, Kruger, Becker, Lanzoni e Fedato deram lugar a outros e a atual crônica esportiva grifa nomes como Cleidson, Oziel e Osdermar.
Mas onde estão as histórias perdidas de Curitiba? Nas ruas, nas conversas, nos mistérios dos velhos sótãos das casas de madeira. Na memória dos mais velhos que viram o apogeu e a queda econômica das serrarias e ervateiras e freqüentaram as festas das igrejas e dos clubes de imigrantes. Como foram escassos os registros destas histórias, com o passar do tempo elas irão se perder. Se não resgatarmos agora, daqui a pouco quem quiser escrever sobre a cidade só vai poder fazer pesquisa histórica e nada mais. Perder o registro da história passada e presente é perder o que temos de mais valioso: nossas raízes.
Quase todas as capitais brasileiras apresentaram, nos seus tempos, cronistas maravilhosos: Rubem Braga, Nelson Rodrigues, Fernando Sabino, Drummond, Luiz Fernando Verissimo, Inácio Loyola Brandão e dezenas de outros. Aqui, Dalton Trevisan, Jamil Snege, Nireu Teixeira e Renato Schaitza produziram boas crônicas os dois últimos ausentes da escrita penduraram as chuteiras antes do tempo. Roberto Gomes e Ernani Buckman às vezes nos brindam com observações deliciosas sobre o viver curitibano. Pode-se dizer que escrever crônica fora dos grandes eixos é uma atividade não paga e que faltam espaços nos jornais para os cronistas. Mas temos que lutar pelo sagrado espaço de falar da nossa própria vida, um compromisso com a história da cidade e do povo.
Vou colocar um anúncio nas páginas deste jornal: "Procuram-se cronistas que queiram escrever sobre Curitiba tratar com urgência com o povo curitibano".
Eloi Zanetti é especialista em marketing e comunicação.
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