A vulnerabilidade dos usuários de crack ao HIV e a outras doenças infectocontagiosas é evidente. Os estudos e a própria experiência mostram que é preciso agir rapidamente

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Muito tem se falado sobre o crack. A droga está cada vez mais presente nas ruas de grandes cidades do Brasil e de outros países do Cone Sul. A preocupação dos governos para entender os efeitos e, principalmente, os fluxos da cocaína e o crack é crescente. Uma questão, no entanto, vem recebendo pouca atenção. Trata-se da vulnerabilidade dos usuários de crack ao HIV e a outras doenças infectocontagiosas como a tuberculose, hepatites e infecções transmitidas sexualmente.

No final dos anos 80 e início dos 90, o Brasil foi protagonista no desenvolvimento de estratégias inclusivas ao promover ações de redução de danos entre usuários de drogas injetáveis, que então constituíam um dos grupos mais vulneráveis à transmissão do HIV por via sanguínea. O resultado foi um decréscimo de 72,6% do número absoluto de casos de aids associados ao uso injetável de drogas entre 1996 e 2006.

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Naquele momento, foi necessário que o enfoque não fosse a droga, mas o usuário, com ações de enfrentamento ao estigma e ao preconceito que representavam grandes barreiras na promoção do acesso desta população aos serviços de saúde. Hoje, quase 20 anos depois, o país enfrenta um novo desafio: a vulnerabilidade dos usuários de crack.

Surgido na década de 80, o crack é uma droga derivada da cocaína, com alto poder de criar dependência e que apresenta consequências devastadoras para a saúde física e mental. O baixo custo da pedra, comercializada, às vezes, por apenas R$ 5 faz com que qualquer pessoa tenha acesso à droga.

Diferentemente de outras substâncias, o uso problemático do crack é diário e ocorre até o esgotamento físico, psíquico ou financeiro do consumidor. Os usuários consomem em média entre seis e dez pedras por dia.

Estudos com recortes específicos demonstram os fatores de vulnerabilidade dos usuários de crack em relação ao HIV: práticas sexuais sem proteção, associadas a um número elevado de parceiros; a troca de sexo por dinheiro ou mesmo pela droga; o baixo nível de instrução dos consumidores; uso de múltiplas drogas; e a baixa imunidade colocam o usuário em situação ainda mais vulnerável.

Esta relação com a droga tem tornado o usuário de crack alvo de estigmatização, preconceito e marginalização, fragilizando todos os laços sociais que poderiam oferecer alternativas.

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Dados, já antigos, demonstram as proporções que o problema pode atingir. Na década de 90, estudo realizado em Nova York, nos Estados Unidos, evidenciou a alta prevalência de HIV entre mulheres usuárias de crack: 21% delas eram soropositivas.

Outro estudo, também realizado nos anos 90, em Houston (Estados Unidos), com usuárias de crack que apresentavam comportamento sexual de risco mostrou altas taxas de infecções sexualmente transmitidas: 11,3% positivas para HIV; 14,9% para sífilis e 53,3% para hepatite B.

Já no Brasil, um estudo publicado em 2004 sobre o comportamento de risco de mulheres usuárias de crack em relação às DSTs/aids revelou uma prevalência de 20% para o HIV na amostra estudada.

A vulnerabilidade dos usuários de crack ao HIV e a outras doenças infectocontagiosas é evidente. Os estudos e a própria experiência mostram que é preciso agir rapidamente para evitar a propagação dessas doenças entre os usuários de crack.

As vulnerabilidades associadas ao uso do crack demandam o desenvolvimento de novas estratégias e de métodos de prevenção do HIV, da tuberculose, das hepatites e outras DSTs.

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Nessa perspectiva, é importante a implementação de estratégias cientificamente fundamentadas para o equacionamento do problema. O estabelecimento de serviços que disponham de equipe qualificada, com o acolhimento e o respeito ao paciente, não como mero cliente ou usuário, mas como cidadão. Por outro lado, serviços e ações que efetivamente apresentem cobertura de abrangência nacional e de acessibilidade compatíveis.

Os tempos mudaram, o perfil do uso de drogas mudou, os desafios são outros, mas o objetivo deve ser o mesmo: prevenir e reduzir o consumo de drogas e minimizar os riscos e as vulnerabilidades à saúde de usuários por meio de serviços de atenção integral.

Bo Mathiasen é representante do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) para o Brasil e Cone Sul; Pedro Chequer é coordenador do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (UNAIDS) no Brasil.