Home office é um desafio durante a pandemia.| Foto: Bigstock
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Na Nota Técnica 17/2020, o Ministério Público do Trabalho formulou 17 recomendações para serem observadas pelas empresas no que se refere à adoção do home office como meio de trabalho. A justificativa para a emissão da referida nota técnica é a de que, no período da pandemia de Covid-19, houve aumento do número de pessoas que estão laborando nesta modalidade. Que aquilo que antes era implantando por apenas alguns dias na semana irá se tornar um modelo permanente, o que reforça uma necessidade de fiscalização. Segundo dados da Pnad, de 30 agosto a 5 de setembro havia 8,3 milhões de pessoas trabalhando remotamente.

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As 17 recomendações são basicamente no sentido de que deverá haver um termo aditivo do contrato de trabalho, no qual constarão as novas condições, bem como o reembolso das despesas que o colaborador tiver. Os empregadores terão de observar padrões de ergonomia do mobiliário utilizado pelos colaboradores, deverá existir uma “etiqueta digital”, bem como deverá ser oferecido ao colaborador todo o suporte tecnológico para o desempenho das atividades.

O Ministério Público do Trabalho não pode legislar; quem legisla é o Congresso Nacional, portanto tais recomendações não devem ter força de lei. Na reforma trabalhista ocorrida em 2017 houvera apreciação do tema do teletrabalho, e a intenção fora de simplificar essa relação laboral, justamente com o intuito de fomentar a sua adoção. O Grupo de Altos Estudos do Trabalho, vinculado ao Ministério da Economia, presidido pelo ministro Ives Gandra Martins Filho, ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho, no início da pandemia da Covid-19 analisou a legislação pertinente ao home office e afirmou: “Entendemos que a legislação é suficiente e que qualquer coisa ia mais dificultar que ajudar empresas e trabalhadores”.

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A nota do MPT traz algumas recomendações necessárias, por exemplo o item 8: “adotar modelos de etiqueta digital em que se oriente toda a equipe, com especificação de horários para atendimento virtual da demanda, assegurando os repousos legais e o direito à desconexão”. É claro que as pessoas precisam ter um momento em que irão se desconectar de suas máquinas; não é porque o colaborador está realizando um trabalho em home office que o mesmo está 24 horas por dia à disposição do empregador.

Por outro lado, algumas recomendações causam mais confusão do que esclarecimento. O item 3 prescreve: “observar os parâmetros da ergonomia, seja quanto às condições físicas ou cognitivas de trabalho (por exemplo, mobiliário e equipamentos de trabalho, postura física (...)”, e o item 6 afirma: “instruir os empregados, de maneira expressa, clara e objetiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças, físicas e mentais e acidentes de trabalho, bem como adotar medidas de segurança como intervalos e exercícios laborais” (destaques nossos). Como as empresas irão verificar se os colaboradores estão adotando a postura física correta para desempenhar suas atividades? Como as empresas irão verificar se os colaboradores estão cumprindo os intervalos de jornada?

É interessante que os itens 6 e 3 contradizem o item 1, que formula: “respeitar a ética digital no relacionamento com os trabalhadores e trabalhadoras, preservando seu espaço de autonomia para realização de escolhas quanto à sua intimidade, privacidade e segurança pessoal e familiar (...)”. Se existe uma instrução no sentido de que deve ser preservada a autonomia quanto à intimidade e privacidade do colaborador, como será verificado se o mesmo está adotando aqueles intervalos recomendados no item 6? Como será verificado se o mesmo está com a postura correta, como recomenda o item 3? É evidente que, caso o empregador observe uma dessas recomendações, ele estará infringindo a outra.

Em comentário no Jornal da Cultura no dia 7 de outubro, o filósofo pernambucano Luiz Felipe Pondé afirmou que muitas vezes o Ministério Público tem dificuldade de entender como funciona o mundo real, pois a maioria das pessoas que foram designadas para fazer home office nesse período de pandemia está na verdade muito feliz, pois não perdeu o seu emprego. A impressão que fica é que um filósofo conseguiu entender melhor a realidade do que os próprios juristas. Parece que os juristas estão com uma ânsia de normatizar a vida, o que é impossível. É claro que em um ambiente de home office, como pontuou Pondé, em muitos momentos o “home” e o “office” irão se misturar.

Acredito nas boas intenções do Ministério Público do Trabalho; por outro lado, creio que faltou um pouco de sensibilidade, pois o órgão deveria ter formulado recomendações que fossem mais claras e realizáveis, e não subjetivas. Ao formular recomendações que não são claras, joga-se contra a criação de empregos, e isso se torna mais grave em um momento de crise econômica.

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O problema de tais recomendações serem subjetivas é que elas agravam a insegurança jurídica em um país que desse mal já padece. E, embora a recomendações não tenham força de lei, sabemos que no mundo real elas abrem brecha para o ingresso de reclamações trabalhistas.

As recomendações deveriam ter deixado mais fácil e mais simples a adesão ao home office, que eu percebo ser justamente o anseio da sociedade. Se perguntássemos a um trabalhador que perdeu o emprego por conta da pandemia se ele preferiria estar desempregado ou estar trabalhando em home office, tenho certeza de que ele optaria pela segunda opção. Mas, para que a preferência desse desempregado se torne uma realidade, é necessário que o Estado crie essas condições, e não as dificulte.

Matheus Kruger é advogado.