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Home office: é possível o controle pelo empregador? Em quais condições?

Teletrabalho virou uma realidade em meio à pandemia. (Foto: Bigstock)

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Embora o teletrabalho já encontre previsão na CLT desde a reforma trabalhista, ocorrida em novembro de 2017, a sua implementação foi muito tímida. O “bloqueio” à implementação dessa nova forma de trabalho estava fortemente aliado ao pensamento de que os trabalhadores que laborassem de suas casas teriam uma menor produtividade que aqueles que o fizessem nas dependências da empresa.

Contudo, o inesperado aconteceu. De repente, fez-se necessária a adoção de diversas medidas pelos empregadores, no intuito de salvaguardar a saúde dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, permitir a manutenção das atividades empresariais, em razão da pandemia ocasionada pela Covid-19.

O que se verificou, na prática, foi que o teletrabalho, conhecido no Brasil como home office, consistiu em uma das principais ferramentas adotadas pelo empresariado, gerando a necessidade de rever o paradigma anterior e criando a implementação, em massa, dessa medida.

Os números foram surpreendentes. Os principais dados divulgados na mídia revelaram que, tanto na esfera pública quanto na esfera privada, houve um aumento expressivo de produtividade, indicando que o teletrabalho é extremamente eficiente e veio para ficar. Além disso, verificou-se que ele é vantajoso tanto para o empregador quanto para o empregado.

Contudo, nem tudo são flores, como diria o poeta. Isso porque o teletrabalho está disciplinado de forma muito simplória na CLT, tendo basicamente cinco artigos em seu respectivo capítulo no texto legal. Por um lado, a finalidade dessa regulamentação básica foi justamente permitir uma maior liberdade para que as partes – trabalhador e empresa ou empresa e sindicato –pudessem transacionar quanto à forma como se daria o teletrabalho. De outro lado, a adoção às pressas dessa ferramenta não permitiu, em alguns casos, o respeito a esses cuidados e minúcias quanto à forma de trabalho, tornando-o por vezes precário.

Não é à toa que o número de ações envolvendo questões sobre o teletrabalho praticamente triplicou na Justiça do Trabalho. Além disso, são vários os projetos de lei que visam regulamentar ainda mais a questão. Para complementar, o Ministério Público do Trabalho (MPT) divulgou recentemente nota técnica com 17 recomendações para o trabalho remoto – nota que, diga-se de passagem, é amplamente debatida pelos juristas.

Entre tantas discussões e dúvidas que envolvem o tema, um dos maiores questionamentos se refere ao poder de fiscalização por parte da empresa em face do trabalhador nesse regime especial. É possível fiscalizar a jornada? A produtividade? Saber se o trabalhador está ou não em frente ao computador?

Em linhas gerais, a CLT disciplina que o empregado que está em regime de teletrabalho não está sujeito à anotação de ponto, ou seja, aplica-se a ele lógica semelhante ao trabalhador externo ou aos empregados ocupantes de cargo de confiança. Afinal, o que se espera com esse regime de trabalho é justamente que o empregador não precise fiscalizar o empregado, seja pela impossibilidade de fazê-lo, seja porque é da natureza desse regime que o trabalhador tenha maior liberdade para decidir como conduzir suas tarefas diárias.

Todavia, essa maior liberdade que o trabalhador tem para conduzir suas tarefas e obrigações deve ser verificada dentro de limites de razoabilidade por este profissional. Não é recomendado que seja trocado o dia pela noite, tampouco que o trabalhador se ausente de forma significativa durante o horário regular, em que sabe que é possível serem agendadas reuniões que necessitam de sua presença ou durante o qual seus clientes (internos e externos) podem dele precisar. É importante, inclusive, que essas questões sejam devidamente pactuadas em termo aditivo ou em norma coletiva para evitar desentendimentos e possíveis conflitos entre as partes.

Além disso, embora a norma traga a desobrigação da fiscalização, existem certas atividades realizadas em home office em que é possível que a fiscalização seja feita pelo empregador e que, portanto, fazem com que a fiscalização da jornada do trabalho se torne obrigatória, de modo a garantir os direitos dos trabalhadores a horas extras e demais direitos trabalhistas. É o típico caso dos trabalhadores de telemarketing. Mesmo no teletrabalho, o empregador tem como ter ciência se este profissional está ou não desempenhando suas funções, seja por acessos ou logins no sistema da empresa, seja pelos registros de ligação. Nesse caso, não seria razoável que o empregador deixasse de fazer o controle, já que possui diversas formas de fazê-lo, sob pena de sonegar eventuais direitos aos trabalhadores em caso de exercício de sua jornada além dos limites legais ou contratuais.

Evidentemente, o teletrabalho não pode servir como forma de ganho de capital irregular pelas empresas em face dos seus trabalhadores, de modo que produzam e trabalhem além daquilo antes tido como “normal” ou “padrão”. Do contrário, é de se esperar até mesmo o surgimento de doenças ocupacionais ocasionadas pela exaustão e pelo labor excessivo.

Também deve ser observado que essa fiscalização quanto ao trabalho deve se limitar aos acessos ao sistema e outras formas que permitam o controle dentro de critérios que não impliquem a violação ao direito à privacidade e intimidade dos trabalhadores. Exigir que os empregados permaneçam constantemente em reuniões ou com câmeras ligadas para garantir o monitoramento, por exemplo, pode facilmente ser entendido como violação aos direitos anteriormente mencionados, sujeitando o empregado aos riscos trabalhistas decorrentes de tais práticas. Aliás, é da natureza do próprio contrato de trabalho que exista uma relação de confiança entre as partes, pois é justamente essa perda de fidúcia que autoriza, por exemplo, uma rescisão por justa causa. Assim, exatamente por conta dessa confiança natural do contrato é que as limitações ao poder do empregador devem ser avaliadas com maior severidade no teletrabalho, ou não haveria lógica na implementação desse regime.

Isso não obsta, contudo, a fiscalização pelo empregador. Apenas exige-se que esta seja feita de forma inteligente, razoável e moderada. É o caso, por exemplo, de fiscalização dos e-mails do empregado. Afinal, o e-mail pode eventualmente ser utilizado como meio de prova em ação judicial para demonstrar que o empregado laborava muito mais do que oito horas por dia. Ao mesmo tempo, essa prova não é absoluta, sendo possível até mesmo que um empregado, de má-fé, programe e-mails para envio em horários aleatórios, de modo a forjar uma prova de que o seu trabalho seria mais extenso do que de fato o é, o que, infelizmente, não é incomum.

Dito isso, é importante que o empregador adote critérios de fiscalização de forma razoável, que não violem a intimidade do trabalhador, a exemplo da fiscalização das suas próprias ferramentas de trabalho (e-mails corporativos, notebooks fornecidos pela empresa etc.), que, em última análise, pertencem ao empregador e não ao empregado, sendo possível, portanto, a fiscalização. Assim, no caso de surgimento de qualquer conduta suspeita, o empregador poderá chamar o empregado para conversar e verificar as suas ocorrências, ou seja, se de fato o trabalhador possui demanda excessiva de trabalho, e assim fazer os ajustes necessários para que o trabalho não o sobrecarregue, ou então apurar eventual conduta irregular e adotar as devidas medidas punitivas que lhe convirem.

Por fim, salienta-se que o mais adequado para garantir maior segurança quanto às ações adotadas e critérios estabelecidos é fazê-lo mediante expressa inclusão desses pontos no termo aditivo ou no acordo coletivo, de modo que ambas as partes tenham ciência dos seus deveres e obrigações, possibilitando, assim, que o regime de teletrabalho seja igualmente benéfico ao empregador e ao empregado.

Rafael Fazzi é advogado especializado na área trabalhista.

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