Há muitas décadas o senso comum tem outra resposta na ponta da língua para a pergunta do título, mas pesquisas sociológicas recentes têm desafiado esse consenso social. De fato, uma das ideias mais arraigadas na cultura ocidental afirma que os homens são irresponsáveis, que eles saem por aí distribuindo suas “sementes” sem nem olhar para trás, deixando um rastro de mulheres grávidas desamparadas. A paternidade é vista com desconfiança e uma boa dose de rejeição.
É bem verdade que neste exato momento milhões de pais estão em suas casas dividindo os cuidados infantis com suas esposas. Talvez esse seja o momento histórico de maior envolvimento dos homens na criação dos filhos. O mercado percebeu rápido esse movimento, pois os grandes supermercados e shopping centers substituíram os antigos fraldários, ligados aos banheiros femininos, pelos espaços família, que também acolhem os homens.
É preciso romper com o movimento de demonização e afastamento dos pais. Para isso, é preciso incluí-los, respeitá-los, ouvi-los.
Curiosamente, porém, esses pais zelosos e comprometidos não conseguem melhorar a percepção da paternidade no imaginário social. O Dia dos Pais, por exemplo, virou uma data de desagravo à paternidade. O mercado também percebeu esse movimento e passou a produzir presentes para as mães no Dia dos Pais, como uma camiseta com os dizeres “minha mãe é um paizão!”. Será mesmo? A imagem negativa dos pais separados contamina todos os pais. Ela é justa?
Há mais de duas décadas a socióloga americana Kathryn Edin, professora em Princeton, tem estudado as relações familiares de pais e mães que vivem sob o guarda-chuva das políticas de assistência social nos Estados Unidos (welfare). Ou seja, são famílias americanas muito pobres. Um de seus prestigiados livros, de 2005, trata da maternidade solo: Promises I Can Keep: Why Poor Women Put Motherhood Before Marriage.
Em uma palestra em 2017, Kathryn confidenciou que uma de suas colegas de trabalho havia lhe desafiado a conversar também com os pais (homens) para conhecer o outro lado da história, mas ela disse que sempre resistiu à ideia, pois pensava saber tudo sobre esses homens através dos relatos das mães.
Felizmente, Kathryn não resistiu aos apelos da colega e por mais de sete anos mergulhou na vida de 110 pais (homens) separados vivendo na pobreza americana e lidando com a paternidade. Esse trabalho deu origem ao livro Doing the Best I Can: Fatherhood in the Inner City, publicado em 2013. O livro teve uma excelente recepção no debate americano e merece uma tradução para a língua portuguesa.
Um dos pontos altos do trabalho de Kathryn é desmontar o equívoco do estereótipo popular de que os homens espalham suas sementes sem nem olhar para trás. A ausência ou abandono paterno, afirma a socióloga, é um problema multifatorial que quando ocorre não é súbito, mas um processo lento que não raro conta com a definitiva contribuição das mães das crianças. As mães tendem a ser as guardiãs (gatekeeper) da relação das crianças com os pais, permitindo ou não a convivência e o exercício da autoridade parental. Elas desempenham esse papel, diz Kathryn, de modo frequentemente tirânico. Quanto mais interesse o pai demonstra, maior é o poder de controle das mães.
Kathryn afirma que um dos principais marcadores da ruptura da relação do pai biológico com seus filhos, abandono ou ausência, ocorre quando a mãe encontra outro companheiro e passa a minar a relação do pai biológico com seus filhos, pois ela intenciona trocar um pelo outro. A mãe deseja que o novo companheiro assuma a “função paterna” (essa expressão vazia de significado derivada da psicanálise) imaginando que terão outros filhos e que a presença do pai biológico será um estorvo à harmonia da nova família.
Ainda hoje circulam nas redes sociais comentários maldosos incluindo Leniel Borel entre os responsáveis pela morte do menino Henry Borel, seu filho. Leniel teria sido negligente. Há pouco tempo, o país ficou horrorizado com a trágica morte da menina Sophia de Jesus Ocampo, de 2 anos, que teria sido, segundo a denúncia, assassinada pela mãe e pelo padrasto. Soube-se também que o pai da menina Sophia, Jean Carlos Ocampo, fez inúmeras denúncias de maus-tratos. Ele gastou sapato. Procurou as instituições. Insistiu. Bateu o pé. Foi sumariamente ignorado. Leniel Borel poderia ter feito a mesma coisa e muito provavelmente teria destino idêntico: ser ignorado. Talvez fosse pior. A mãe de Henry Borel poderia se dizer incomodada com as reclamações, poderia afirmar que Leniel estava com ciúmes de seu novo relacionamento e que ela temia por sua segurança e pela segurança do menino. Com base na Lei Maria da Penha, Leniel seria afastado do filho por muito, muito tempo.
Kathryn Edin diz que os pais são reféns das mães, pois se eles procurarem as instituições, a tendência é piorar a situação. De fato, o Judiciário não sabe o que fazer com os pais biológicos que são presentes. O roteiro que existe nas varas de família é simples: o pai deve deixar a guarda com a mãe, pagar a pensão e receber a visita dos meninos nas férias escolares. Quando o pai entra em confronto com a mãe, a tendência do Judiciário é afastar o pai, como bem descreveu a ministra do STJ Nancy Andrighi em julgado de 2016 (REsp nº 1.626.495/SP):
22 - Os julgadores, diante de um conflito exacerbado entre os genitores/ascendentes, vislumbram que aquela situação conflitiva, perdurando no tempo e no espaço, poderá gerar uma situação de grave estresse para a criança/adolescente e optam por recorrer à histórica fórmula da guarda unilateral, pois nela a criança/adolescente conseguirá “ter um tranquilo desenvolvimento”
23. Ignora-se, contudo, nesse cenário que, primeiro: o “tranquilo desenvolvido” é, na verdade, um tranquilo desenvolvimento incompleto, social e psicologicamente falando, pois suprime do menor um ativo que é seu por direito: o convívio com ambos os ascendentes.
De tempos em tempos, tragédias como os de Leniel Borel e Jean Carlos Ocampo emergem para dizer que há algo de errado com o tratamento dado à paternidade dos pais separados. Como já disse Kathryn Edin, é preciso romper com o movimento de demonização e afastamento dos pais. Para isso, é preciso incluí-los, respeitá-los, ouvi-los.
Márcio Leopoldo Maciel é formado em Filosofia pela UFRGS e cursa Direito na UFPEL.
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