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No início de 2021, quando fui escolhida pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, para ser a relatora do PL 3.172/2012, o projeto de lei que regulamenta a educação domiciliar (homeschooling) no Brasil, aceitei a tarefa ciente de que minha missão era levar equilíbrio e serenidade a um debate complexo, que desperta paixões, envolve demandas e ressalvas legítimas e cuja construção de consenso era um grande desafio. Após um ano de muitos debates, conversando com educadores, juristas, famílias praticantes da modalidade, colegas parlamentares que defendem e se opõem à regulamentação, além de autoridades educacionais de países onde essa forma de educar é reconhecida, acredito que o debate está maduro o suficiente para que o Congresso Nacional enfim tome uma decisão sobre a matéria.

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Mesmo sem a lei aprovada, é do conhecimento de todas as autoridades envolvidas no assunto o fato de que atualmente há milhares de famílias brasileiras que optaram por educar os filhos em casa. No entanto, o Estado não dispõe de nenhum dado oficial sobre essas famílias. Não sabemos exatamente quantas são, onde estão, qual seu perfil socioeconômico, a escolaridade e nem o motivo pelo qual tomaram a decisão que tomaram. Sem a lei, nem sequer distinguimos as crianças em evasão escolar daquelas que estão recebendo a educação domiciliar.

Da mesma forma, desconhecemos o desempenho educacional das crianças educadas nessa modalidade, se seguem ou não um currículo específico, e – o mais preocupante – se a totalidade de seus direitos está sendo plenamente garantida. Ora, discutir a aprovação da lei é discutir se as famílias terão ou não o acompanhamento do Estado, é decidir se haverá mecanismos que identifiquem o desenvolvimento pleno das crianças.

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Sem a lei, nem sequer distinguimos as crianças em evasão escolar daquelas que estão recebendo a educação domiciliar

Com esses pontos não se pretende colocar as famílias praticantes sob suspeita, mas sim alertar o poder público sobre a invisibilidade social na qual essas crianças se encontram, sobre a absoluta inexistência de formas de acompanhamento e sobre a atual precariedade jurídica dessa prática educacional que, embora escolhida por uma minoria, é uma realidade estabelecida. As leis municipais e estaduais sobre o tema recentemente aprovadas em diferentes regiões do país, sempre motivadas por grupos organizados de famílias que educam em casa, são uma evidência importante do quanto essa demanda social está difundida, ainda que a validade dessas legislações locais seja objeto de contestação.

O ministro Roberto Barroso, relator do recurso que originou o julgamento sobre o tema no Supremo Tribunal Federal, em 2018, quando a constitucionalidade do homeschooling foi discutida, afirmou em seu voto favorável que “não se pode trabalhar com a presunção de que os pais optem pelo ensino domiciliar para fazer a vida dos filhos pior no futuro, crianças frustradas e fracassadas”. É justamente o contrário. “Eles optam porque acham que isso os fará cidadãos melhores e pessoas mais felizes; independentemente da minha opção, acho que eles têm o direito de fazer essa escolha”. Da mesma forma, acredito que nenhum pai, mãe ou responsável opte por essa modalidade de ensino por preguiça ou capricho, e sim por acreditar que seja o melhor para os seus filhos.

Com essa posição, não ignoro as justas preocupações dos agentes envolvidos com a proteção dos direitos da infância, em especial aqueles que alertam para o risco de abusos, como possíveis casos em que a falta de frequência à escola favoreça o acobertamento de violência doméstica e outras implicações. É pensando nessas crianças e adolescentes mais vulneráveis que me oponho a uma permissão sem regras, mas defendo uma regulamentação responsável, clara e equilibrada, de modo que a proteção social àqueles que mais precisam seja garantida, ao mesmo tempo em que aqueles pais e mães zelosos, capazes e dispostos a assumirem compromissos não sejam prejudicados com a insegurança jurídica na qual se encontram hoje.

O modelo de regulamentação que proponho é inspirado em algumas das legislações internacionais que também se preocuparam em conciliar essas duas legítimas demandas sociais. Autoridades de Portugal, dos Estados Unidos e do Chile estão entre aquelas que foram ouvidas, embora, naturalmente, tenhamos priorizado na análise os elementos de nossa própria realidade socioeconômica, educacional e nossa capacidade de fiscalização.

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Elencamos balizas no relatório proposto, tais como: necessidade de vinculação do aluno com uma instituição de ensino; cumprimento dos conteúdos curriculares referentes ao ano escolar de acordo com a BNCC e apresentação de registro periódico das atividades realizadas; avaliações anuais sujeitas a reprovação e eventuais sanções; promoção de encontros entre as famílias que seguem esse modelo e participação desses estudantes em atividades curriculares e extracurriculares, como aulas de Educação Física, feiras cientificas, olimpíadas escolares, confraternizações e eventos culturais.

Pais ou responsáveis devem cumprir alguns requisitos: pelo menos um deles deve comprovar escolaridade de nível superior, havendo, contudo, um período para adaptação, solução pensada justamente para atender aqueles que já praticam a modalidade, mas ainda não atendem essa condição. Eles também devem apresentar certidões criminais da Justiça Federal e Estadual ou Distrital. Haverá acompanhamento educacional pelo órgão competente do sistema de ensino e pelo Conselho Tutelar.

Por fim, estou convencida de que, para todos os envolvidos no debate, inclusive para aqueles que têm ressalvas contra a modalidade, a regulamentação da educação domiciliar no Brasil é o melhor caminho, pois só assim poderemos, de fato, garantir tanto os direitos das crianças como garantir segurança jurídica às famílias.

No modelo democrático em que vivemos há um tempo em que é preciso contar as cabeças. Ora, é chegado o tempo de contarmos com aqueles que zelam pelo debate equilibrado, construtivo e sobretudo em prol de um país inovador, liberal e de mais oportunidades para todos. Como dizia Victor Hugo: “não há nada tão forte como uma ideia cujo tempo chegou”.

Luísa Canziani é deputada federal (PTB-PR).

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