"Homofobia" é a palavra do momento. Podemos encontrá-la em cartazes de manifestações ativistas, e até em julgados na mais alta corte do país. Todavia, o significado real desta expressão tem sido fortemente negligenciado, especialmente nas cortes judiciais e no recente julgado do STF acerca da criminalização da homofobia. Na verdade, há décadas tal expressão vem sendo usada de maneira indeterminada, em todas as esferas da nossa cultura: da grande mídia até a academia, passando pelo Judiciário, como dito. Mas não precisamos ir muito longe para notar o quão problemático o uso abrangente e inadequado desta expressão pode ser em alguns contextos, especialmente nas esferas legal e judicial.
Antes de tudo, queremos deixar claro que a presente crítica ao uso do termo “homofobia” não significa que estamos determinando um único significado ao termo. A razão para este pensamento está no fato de que a linguística e a filosofia da linguagem – áreas que tratam a respeito da natureza do vocabulário – nos explicam que os termos que usamos estão intimamente conectados às nossas práticas sociais, o que permite fluidez e variabilidade no ato de se expressar. Não é nosso objetivo negar este postulado. Porém, é importante perceber que há dificuldades e implicações quanto ao termo “homofobia”, principalmente no que se refere às variações de significado que ocorrem ao longo de seus diferentes contextos de uso.
Mas, afinal, qual é exatamente o problema com esse termo? Em resumo, o problema é que, ao incluir a palavra “fobia” como elemento de composição (nesse caso, como sufixo nominal), o termo “homofobia” pode remeter tanto a 1. algo de caráter patológico, ou seja, uma doença (sendo, neste caso, um termo semelhante a “aracnofobia”, “claustrofobia” etc.) quanto a 2. algo de caráter emocional, mas não patológico (podendo significar, desse modo, coisas como “aversão” ou “desdém”).
Como já foi ressaltado acima, é natural esperar que a linguagem humana produza esse tipo de ambiguidade. Porém, é igualmente natural esperar que ela possa nos ajudar a descrever diferentes realidades; e está claro que “fobia” pode remeter a realidades substancialmente diferentes, exigindo-nos as desambiguações apropriadas, a saber, a demonstração de todas as conceituações que uma palavra ambígua (com vários significados) tem.
É por essa diversidade de significados que a palavra “homofobia” carrega que ela se torna inadequada para ser base de produção de leis
Ora, em um contexto interpretativo mais “técnico” (tal como o contexto da produção de leis e julgados) será mais razoável interpretar o termo “homofobia” em sua acepção médica, como designando uma psicopatologia. Porém, em termos médicos a palavra simplesmente não se sustentaria – pois, de acordo com a visão majoritária acerca dos transtornos fóbicos, não há nada como uma “homofobia”. Em verdade, até hoje foram poucos os cientistas que defenderam a existência de semelhante tipo de transtorno. Porém, tal posição minoritária tem sido vista como cientificamente passível de imposição, inclusive por pesquisadores pró-gays renomados.
Assim, resta que a utilização não técnica do termo “homofobia” seria a mais adequada; isto é, o uso desse termo seria mais apropriado em circunstâncias “não técnicas” e semanticamente menos rígidas. Por exemplo: poderia ser usado em disputas políticas, como parte de um arcabouço ideológico ou retórico; ou até mesmo em pesquisas científicas, como o nome de uma hipótese a ser investigada.
É por essa diversidade de significados que a palavra “homofobia” carrega que ela se torna inadequada para ser base de produção de leis – já que tal ofício demanda o uso de termos técnicos e semanticamente precisos. Portanto, deve restar claro que, apesar de ser válido em certos contextos, o termo “homofobia” não serve para o léxico legal. De todo modo, vejamos mais detalhadamente as razões para pensar assim.
Conforme nos diz Francis Edward Jackson Valpy, em sua consagrada obra The Fundamental Words Of The Greek Language, a palavra “fobia” vem do grego “phóbos” (φόβος), que significa “medo”, “medo mórbido”, “pânico”, “terror”, “pavor”, entre outras; “phóbos”, por sua vez, deriva de “phébomai” (φέβομαι), que significa “fuga”, “fugir”. Tal palavra foi incorporada ao latim, tornando-se “phobia”, donde veio a palavra “fobia” no português (bem como “phobia” no inglês). O Dicionário Pribreram de Língua Portuguesa postula que, na qualidade de elemento de composição (isto é, enquanto uma palavra que compõe uma expressão ou conceito), o sufixo nominal “fobia” “exprime a noção de medo patológico ou aversão a (ex.: gimnofobia)”; e, na qualidade de substantivo feminino, remete a: “1. [Psicopatologia] Receio patológico persistente. 2. Medo exagerado ou grande aversão”.
Como alguns dos principais manuais médicos que tratam das fobias estão em inglês, é oportuno apreciar o significado de “fobia” na língua inglesa (“phobia”). Nesse sentido, Keith Livingston, na obra The Phobia Self-Help Book, recorre ao Cambridge International Dictionary of English, o qual diz que “phobia” remete a um “medo extremo de uma coisa ou situação particular, especialmente aquele medo que não pode ser racionalmente explicado”.
Ou seja, nota-se que, desde a sua raiz no grego até os seus usos mais atuais, a palavra “fobia” está intimamente associada a algo extremo, irracional e incontrolável. Na língua portuguesa, como mostra o Dicionário Priberam, tal palavra tem uma conotação majoritariamente patológica. O mesmo se segue para a língua inglesa. Em verdade, é deveras razoável supor que, ao menos no Brasil, a esmagadora maioria das pessoas, se questionadas sobre o significado de “fobia”, citaria imediatamente exemplos patológicos, tais como aracnofobia ou claustrofobia. Todo modo, concedemos que seja igualmente razoável supor que, se levadas a refletir sobre os demais usos que “fobia” pode ensejar, as mesmas pessoas aceitariam que tal palavra poderia conotar algo como uma repulsa ou aversão que não é patológica, como quando alguém diz, de maneira figurada, que “tem fobia da pessoa x”.
Como já deixamos claro desde o início, não há problema algum em uma palavra ter usos substancialmente distintos. Há problema, isto sim, quando certos termos são usados de forma confusa e pouco informativa, de maneira a distorcer aqueles significados que, conforme indicam as peculiaridades de cada contexto de uso, seriam os mais adequados. No caso da palavra “fobia”, temos visto que as nossas convenções linguísticas locais tendem a apontar primariamente para a sua acepção patológica, razão pela qual podemos considerá-las ordenadas e informativas.
Com base nessas ponderações linguísticas, podemos tranquilamente concluir que, na ausência de uma patologia real à qual o termo “homofobia” possa se referir, segue-se que tal termo, apesar de não ser completamente ausente de significado (dada a possibilidade, em princípio linguisticamente legítima, de uso figurado da palavra “fobia”), é no mínimo inadequado para contextos em que a sua acepção patológica é de algum modo relevante. Mas aqui cabe substanciar a afirmação de que não há qualquer patologia a que possamos chamar de “homofobia”.
Conforme assevera Edmund J. Bourne na obra The Anxiety and Phobia Workbook (um notável best-seller da área), as fobias são transtornos de ansiedade. Por conseguinte, para compreender a natureza das fobias é preciso compreender primeiro a natureza da ansiedade. Segundo Bourne, a ansiedade é uma espécie de extrapolação do medo e da apreensão que naturalmente temos. Como nos demais animais, há em nós uma tendência natural e instintiva para sentir medo ou apreensão frente a algum perigo ou ameaça concreta (por exemplo, um cão bravo ou um assaltante armado); entretanto, podemos sentir medo ou apreensão de algo mais vago, distante e mesmo irreconhecível em alguns casos, donde surge o estado de espírito a que chamamos de ansiedade (como a ansiedade sobre a possibilidade de “perder o controle” sobre si mesmo ou sobre alguma situação). Enquanto o medo e a apreensão naturais nos levam à diligência, à fuga, à luta etc., a ansiedade apenas transtorna a nossa vida e rotina, causando diversos impropérios físicos, mentais e comportamentais, tais como: palpitação, dor de cabeça, falta de sono, falta de concentração, falta ou excesso de fome etc.
Existem, entretanto, certas ansiedades que ocorrem apenas diante de situações específicas: as chamadas ansiedades fóbicas. Esse tipo de ansiedade se instaura quando o indivíduo passa a evitar, de modo obstinado, certas situações específicas que lhe angustiam, por exemplo: lugares muito altos, lugares muito pequenos, animais peçonhentos, exposição pública etc. O indivíduo que sofre desse tipo de transtorno de ansiedade experimenta intenso sofrimento frente ao objeto de fobia, podendo ser acometido de fortes dores musculares, falta de ar, vômito e até mesmo desmaios quando do enfrentamento de situações fóbicas.
O ápice desse longo processo de usos e abusos do sufixo “fobia” deu-se, porém, com os trabalhos e ativismo de George Weinberg
Os transtornos de ansiedade fóbica têm sido cada vez mais investigados pelas ciências da saúde mental. É verdade que existem fenômenos e aspectos das ansiedades fóbicas cuja compreensão adequada ainda nos escapa. De todo modo, os avanços que obtivemos até o presente momento têm sido de grande valor para o tratamento terapêutico e medicamentoso de tais males. Esse conhecimento é comumente referenciado em manuais e convenções internacionalmente reconhecidas, como é o caso do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM), um manual elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria com a finalidade de fornecer uma categorização dos transtornos mentais, bem como os critérios para diagnosticá-los. Trata-se de um documento de maior importância, utilizado não apenas por universidades e profissionais da saúde mental, mas também por laboratórios, empresas, organizações civis e instituições governamentais.
Alguns exemplos familiares de fobias indexadas no DSM são: fobia social, agorafobia (fobia de espaços muito amplos/multidões), acrofobia (fobia de altura), claustrofobia, aracnofobia, hemofobia (fobia de sangue), ofidiofobia (fobia de cobras). Todavia, mesmo em sua última edição, de 2013 não se encontra uma única menção a algum transtorno de “homofobia”.
O que havia, até 1973, era algo diferente: as sociedades psiquiátricas postulavam um homossexualismo patologizado como “transtorno antissocial da personalidade” (TAP). Nesse mesmo ano, porém, o psiquiatra Robert Spitzer, considerado o pai da classificação moderna das doenças mentais (DSM), falecido em 2015 e ele mesmo homossexual, defendeu a despatologização do referido transtorno, reclassificando-o como homossexualidade simplesmente, sem qualquer presença de doença metal ou desvio de comportamento. A atuação do psicoterapeuta norte-americano George Weinberg (na qualidade de ativista e escritor) foi de vital importância para essa reorientação na mentalidade médica e clínica acerca da condição homossexual. Mas não foi apenas essa a participação de Weinberg: ele é o inventor do termo “homofobia”, e pretendia que tal palavra se referisse justamente a uma patologia real. É oportuno narrar brevemente como isso se passou.
Antes disso, no entanto, é interessante observar que o termo “homofobia”, antes de sua recente ascensão política, fora usado em um período breve da década de 1920 para significar algo como “medo do homem”. Ou seja, esse uso linguístico pioneiro tratava o prefixo grego “homo” de forma literal, como significando “homem”, “ser humano” na expressão “homofobia”. Porém, enquanto o prefixo “homo” era mais usado de maneira mais literal, a expressão como um todo tinha conotação notadamente figurada – “homofobia” era o “medo” do humano, daquilo que somos. Mas o precedente mais expressivo da atual acepção de “homofobia” é o conhecido termo “xenofobia”, cuja significação segue a mesma linha da versão não técnica de “homofobia”: xenófobos são aqueles indivíduos que temem, discriminam, hostilizam, excluem estrangeiros. Esse precedente, porém, apenas revela que antes de “homofobia” já tínhamos termo semelhantemente equívoco. E a origem de “xenofobia” na língua inglesa explica a razão disso.
Segundo o dicionário Merriam Webster, as evidências disponíveis apontam que “xenofobia” apareceu na língua inglesa pela primeira vez em um artigo no jornal The Daily News no ano de 1880 – tendo sido usada novamente no The Daily News em 1891 e no The Pupils of Peter the Great em 1897. Ainda segundo o Merriam Webster, antes da aparição de “xenofobia” havia outro termo em língua inglesa para designar o mesmo fenômeno: “misoxenie” (“misoxenia”). Esse termo é considerado arcaico hoje em dia, mas é notavelmente menos equívoco do que “xenofobia”, que certamente influenciou Weinberg.
Em verdade, antes do conceito de “homofobia” weinbergiano, o famoso sociólogo Erving Goffman, em sua influente obra Stigma, de 1963, empregou “fobia” em um sentido semelhante. Propôs, pois, um contraste entre respostas “estigmafóbicas” e respostas “estigmófilas”: as primeiras são as respostas negativas de uma sociedade em direção aos seus estigmatizados, enquanto as segundas são as respostas positivas mais restritas tidas por aqueles que têm vínculos afetivos com os estigmatizados. Como os grupos de ativismo gay das décadas de 1950 e 1960 se intitulavam de “homófilos”, nota-se uma clara ambientação da terminologia de Goffman. Alguns anos depois da publicação de Stigma, e concomitantemente ao período em que Weinberg cunhou o termo “homofobia”, o psicoterapeuta Wainwright Churchill publicou um livro sobre homossexualidade entre homens no qual falava em “erotofobia” (medo do erotismo) e “homoerotofobia”, medo da homossexualidade – ou “homossexualismo”, que era o termo em vigor na CID-10 e DSM-III quando da publicação daquela obra.
O ápice desse longo processo de usos e abusos do sufixo “fobia” deu-se, porém, com os trabalhos e ativismo de George Weinberg. Segundo ele mesmo narrou, a ideia de “homofobia” inicialmente lhe ocorrera enquanto ele refletia sobre a profunda aversão a homossexuais que os seus colegas haviam manifestado em algumas ocasiões – aversão essa que lhe parecera muito semelhante àquela que caracteriza os transtornos fóbicos. De fato, ele veio a concluir que os fenômenos que observara só poderiam ser compreendidos a partir dos critérios das fobias patológicas. Esse episódio se passou em 1965, enquanto ele se preparava para dar uma palestra em um encontro de ativistas pró-gays – naquela época ele já era um militante da causa gay. Entre 1966 e 1967, Weinberg cunhou o termo “homofobia”, passando então a divulgá-lo amplamente.
Neste desiderato, Weinberg teve apoio de Jack Nichols e Lige Clark em uma coluna semanal no tabloide pornográfico Screw, em que escreviam sobre temas homossexuais. Em 1969, em um texto de sua coluna intitulado He-Man Horse Shit (“Másculo Merda”, em uma tradução livre), Nichols e Clark usaram o termo “homofobia” para referirem-se ao medo que os heterossexuais têm de serem vistos como homossexuais. Foi esta a primeira vez que o termo “homofobia” apareceu em uma publicação impressa em língua inglesa com o significado próximo a “medo de homossexuais”. Alguns meses depois foi publicado um artigo na revista Time que empregava o termo no mesmo sentido, e a partir de então a ideia começou a se espalhar, logo se tornando central para o movimento gay, a ponto de um conhecido professor de Psicologia da Universidade da Califórnia em Davis e defensor da causa homossexual, Gregory Herek, observar que “tal termo [homofobia] tornou-se uma ferramenta importante para ativistas do movimento gay e para os seus defensores e aliados”.
Weinberg, por sua vez, empregou “homofobia” em um texto pela primeira vez em 1971, em uma publicação ao jornal Gay (editado por Nichols e visto como a versão “homossexual” da Screw). Em Words for the New Culture (“Palavras para a Nova Cultura”), Weinberg discorreu sobre o suposto fenômeno da “homofobia”, que definiu como “o pavor de estar muito próximo a homossexuais – e, no caso dos próprios homossexuais, a autoaversão”. Nesse mesmo ano Weinberg convenceu um aluno, Kenneth Smith, a fazer uma dissertação de mestrado sobre o novo conceito; Smith logo publicou um pequeno relatório sobre a pesquisa em uma revista científica – e foi esta a primeira vez que o termo “homofobia” apareceu em uma publicação dessa natureza. Mas foi só em 1972, com a publicação da obra Society And The Healthy Homosexual, que Weinberg forneceu o que seria uma justificação da sua ideia. Nessa obra, ele nos diz que a atitude de hostilidade aos gays deveria ser vista como especialmente patológica – como uma “homofobia”.
O precedente mais expressivo da atual acepção de “homofobia” é o conhecido termo “xenofobia”
Ora, uma alegação tão séria quanto essa deveria estar amparada por uma vasta gama de evidências tanto das ciências naturais quanto das ciências sociais, correto? Correto. Mas, infelizmente, não é bem isso que encontramos em Society And The Healthy Homosexual. Na verdade, a obra se desenrola através de uma série de especulações sociológicas, e as pesquisas científicas que ela apresenta não corroboram (pelo menos não de modo direto) em nada sua hipótese central. Trata-se de uma obra de fácil leitura, de modo que, ao lê-la, é fácil perceber que nela Weinberg está a dar contornos médicos, clínicos, patológicos etc. a fenômenos sociológicos conhecidos, para os quais já temos conceitos consideravelmente esclarecedores, a saber: preconceito, discriminação, entre outros. Desse modo, ao menos no que diz respeito ao termo “homofobia”, tal obra deveria ser lida como uma espécie de ensaio em psicologia social, e não como obra “técnica” da área da saúde mental.
Tanto é assim que, após sua publicação e amplo impacto mundo afora, do pouco que se investigou cientificamente sobre a hipótese de Weinberg não se extraiu qualquer resultado que pudesse comprová-la. Por exemplo: Shields e Harriman, dois pesquisadores da Universidade da Califórnia em Davis, submeteram um grupo de homens de perfil “homofóbico” a cenas de sexo homossexual, mas não encontraram respostas emocionais típicas dos transtornos fóbicos. De fato, as pesquisas empiricamente orientadas revelam que os sentimentos ou respostas negativas a homossexuais são majoritariamente o “ódio” e o “desgosto”. Gregory Herek observa que tais resultados são consistentes com as pesquisas sobre emoções e preconceitos, as quais apontam mais para o ódio e o desgosto, em vez do medo, como as causas centrais da hostilidade que grupos dominantes têm para com grupos minoritários.
David Haaga, professor de Psicologia da Universidade Americana em Washington, DC, apresentou um estudo bastante elucidativo sobre tais contrastes. Com efeito, ele elucida que os transtornos fóbicos têm componente emocional central distinto daquele que presumivelmente origina a “homofobia”: enquanto os primeiros dependem crucialmente da ansiedade, a última parece estar fundada no ódio. Haaga sublinha, ainda, as seguintes descontinuidades entre fobias patológicas e o preconceito a que tem se chamado “homofobia”: 1. os indivíduos fóbicos consideram o seu medo fóbico como excessivo ou desarrazoado, mas os “homofóbicos” consideram seu ódio como legítimo; 2. o comportamento disfuncional que é típico das fobias é o de evitar compulsivamente certa situação, enquanto no caso da “homofobia” o que ocorre é a agressão; 3. “homofobia” é um conceito explicitamente associado a uma agenda política, enquanto “transtornos fóbicos” não o são; 4. os indivíduos que sofrem de transtornos fóbicos são motivados por si mesmos a mudarem sua condição, ao passo que no caso dos “homofóbicos” a motivação é imposta desde fora.
Em uma entrevista concedida a Gregory Herek em 1998, Weinberg afirmou que não intencionava advogar a ideia de uma “fobia” em sentido estrito, tal como a aracnofobia ou a claustrofobia, por exemplo. Porém, mais perto do fim de sua vida ele parece ter mudado de ideia. Em uma entrevista ao portal GayToday no ano de 2002, quando questionado sobre a definição real de “homofobia”, Weinberg respondeu que: “A homofobia é apenas isso: uma fobia. Um pavor mórbido e irracional que instiga o comportamento irracional de fugir ou o desejo de destruir o estímulo que causa fobia e qualquer coisa remanescente dela”.
Mais ainda: há poucos anos atrás, precisamente em 2016, em um breve texto para o site Huffington Post, Weinberg defendeu a correção da palavra “homofobia” contra as críticas, concluindo com a seguinte recomendação: “De fato, o próximo grande passo deveria ser o de acrescentar ‘homofobia’ à lista oficial de desordens mentais – e não o de purificar a linguagem de sua presença” (grifos nossos).
Ou seja, não satisfeito com a parca justificação que fornecera para a ideia de “homofobia” em Society And The Healthy Homosexual, em 1972, Weinberg simplesmente passou a ignorar o montante de dados empíricos que foram se acumulando contra ela desde então, insistindo em sua correção científica quando a maioria das evidências indicava o contrário. Ele simplesmente fechou os olhos para os fatos em prol de ideias – infelizmente, algo corriqueiro no meio acadêmico atual, sobretudo quando se trata de questões caras à agenda dita “progressista”. Ora, esse fato revelador reforça o juízo que fizemos acima sobre a referida obra de 1972: o de que se trata de uma obra especulativa no campo da sociologia, e não de obra médica – daí ela ser tão útil para fins retóricos e políticos.
Tivesse se contentado em apenas lançar a hipótese da “homofobia” e esperar que as pesquisas a comprovassem ou não (como é razoável proceder enquanto pesquisador), Weinberg teria se saído melhor em termos teóricos e científicos. Mas desde muito cedo ele se decidiu por ser um ativista pró-gay, inclusive deixando sempre clara a maneira como os seus sentimentos por amigos e colegas gays foram decisivos para o seu engajamento – ou seja, jamais escondeu que era também (e, ao que nos parece, principalmente) uma questão pessoal, apesar de ele mesmo não ser homossexual. Em verdade, ele chegou a declarar que, tão logo conseguira estabelecer as suas primeiras publicações sobre a ideia de “homofobia”, cuidou de fazer tudo o que pôde para divulgá-la, conforme lemos neste trecho de uma de suas últimas entrevistas:
“Perguntei a Frank Kameny: ‘Qual é a melhor maneira de espalhar a ideia [de homofobia]?’ Ele respondeu: ‘cartazes, pôsteres – pôsteres em todos os lugares’. Então eu imprimi a capa do meu livro em pôsteres, e os dei para grupos gays por todo o país. A Aliança Gay de Denver foi o grupo que mais os divulgou. As pessoas gostavam das palavras ‘homossexual saudável’. E os cartazes colocavam a palavra ‘homofobia’ em todos os lugares. Eu usei a palavra ‘homofobia’ no Reino Unido e na França.”
Felizmente, nem todos os defensores da causa gay abandonaram o mundo dos fatos. Um caso de particular lucidez é o de Gregory Herek, já foi citado diversas vezes aqui e cujos estudos serviram de fonte para grande parte das informações por nós arroladas. Em um estudo bastante sério sobre o tema da “homofobia”, Herek defendeu que tal terminologia deveria ser substituída em virtude das suas muitas “limitações”. Enquanto defensor da causa homossexual, Herek afirma que a importância histórica e social do advento da expressão “homofobia” não deveria ser desconsiderada. Porém, ele lista uma série de “limitações” e “problemas” que motivam o abandono do referido termo.
Eis um resumo de seus argumentos: 1. O sufixo “fobia” refere-se ao estado de medo, mas a atitude antigay é normalmente fundada no ódio; ademais, há pesquisa elucidando que a violência (principal flagelo da “homofobia”) é mais motivada pelo ódio do que pelo medo. 2. Embora ativistas gays e alguns pesquisadores utilizem-se da linguagem médica, a maior parte das evidências empíricas não legitima tal uso. 3. “homofobia” é um termo que restringe a atitude antigay à perspectiva individual do “indivíduo fóbico”, podendo deixar a análise cultural e social em segundo plano, resultando num estreitamento do escopo das atitudes antigay (e muitos estudos apontam que tal atitude possui intricadas relações causais com o meio social e cultural). 4. Como a palavra “homossexual” parece ser mais associada a gays homens do que a lésbicas, tal termo pode ter o efeito de ser reducionista quanto aos gêneros sexuais. Há dados que sugerem que o preconceito contra lésbicas tem uma configuração psicológica diferente do preconceito contra gays; ademais, teses feministas alegam que o preconceito contra lésbicas é qualitativamente distinto do preconceito contra gays. 5. A extensão do termo “homofobia” tem sido entendida de modo muito amplo; tem sido aplicado a casos muito distintos, por exemplo: pensamentos negativos, brincadeiras de mau gosto, ofensas explícitas, violência, espancamento e assassinato – tudo isso tem sido indistintamente descrito como “homofobia” quando os indivíduos em questão são gays. Assim, tornou-se um termo demasiado impreciso. 6. A ideia de “homofobia” nasce do contexto da chamada “liberação gay” ocorrida na década de 1960, em que o movimento gay advogava uma relativização total das orientações sexuais (defendia, pois, que a fronteira entre “gay” e “heterossexual” é arbitrária e artificial). Mas os movimentos gays atuais seguem o paradigma do movimento reformista de direitos civis e dos grupos “minoritários”, aproximando-se das minorias étnicas. Assim, a abordagem atual não demanda o endosso pessoal de nenhuma tese radical sobre sexualidade.
Em face dessas limitações e problemas, Herek sugere que a expressão “homofobia” seja substituída pela seguinte tríade conceitual: 1. estigma sexual (conhecimento compartilhado acerca do juízo negativo que a sociedade tem por qualquer comportamento, identidade, relacionamento ou comunidade não heterossexual; 2. heterossexismo (a visão cultural ou ideologia que perpetua o estigma sexual); e 3. preconceito sexual (as atitudes negativas sobre orientação sexual). Não temos tempo aqui de analisar esses conceitos – que, apesar de coerentes, são eles mesmos igualmente questionáveis em diversos aspectos; por ora, cumpre apenas sublinhar a honestidade da proposta de Herek.
Enfim, a essa altura do texto já deve estar suficientemente claro por que as nossas leis e julgados não deveriam propagar termos como “homofobia”. Como é sabido por qualquer estudante de Direito, a redação legal deve buscar por clareza e precisão, evitando termos confusos ou obscuros. E demonstramos aqui que “homofobia” não cumpre tais requisitos. Infelizmente, nem todos os ativistas e teóricos têm a honestidade do professor Herek, pois a esmagadora maioria deles simplesmente assume a abordagem médica do conceito de “homofobia” sem dar maiores explicações.
Para piorar a situação, os discursos e as teorias de tais proponentes acabam sendo utilizados como evidências científicas ou teses autoritativas para a pesquisa acadêmica e mesmo para a produção de leis e julgados neste sentido. Temos assistido, por exemplo, ao caso da ADO 26, que se utiliza fartamente de termos como “homofobia” e “transfobia” em suas proposituras. Do que vimos até aqui, fica clara sua inadequação semântica enquanto documento legal. Temos em nosso país o arcabouço semântico, lexical e principiológico (em nível moral e jurídico) para combater todos os tipos de preconceito e discriminação; de modo que a introdução de termo equívoco só pode, então, se dever a duas coisas: ignorância ou ativismo jurídico.
O problema que suscita a bandeira da homofobia não foi devidamente comprovado
Há de se falar na diferença presente na conclusão da caminhada etimológica entre a palavra “homofobia” e a palavra “racismo” – caso o resultado no senso comum venha a ser levantado como justificativa para que ambas sejam equiparadas. Roy Bhaskar, em The Possibility of Naturalism, percebe isto afirmando que tais divergências revelam uma “realidade social ontologicamente estratificada”. A palavra “racismo” também carrega consigo divergências em seu significado, aos quais podemos citar a 1. noção popular (que tomou como significado timbrado aquilo que está na Lei 7.716/89, na qual o racismo é traduzido como discriminação relacionada às características raciais fruto de preconceito, gerando agressão, intimidação e afins), 2. a definição de que o racismo é “um conjunto de crenças de que diferenças orgânicas, genéticas transmitidas (reais ou imaginadas) entre grupos humanos estão intrinsicamente associadas com a presença ou ausência de certas habilidades ou características socialmente relevantes”, conforme prelecionou Pierre van den Berghe em Race and Racism: a comparative perspective, de 1960; ou 3. o conceito de Malcom Brown, que em seu livro Racism defende o racismo como uma “ideologia que é caracterizada pelo seu conteúdo [...] que assevera ou presume a existência de ‘raças’ separadas e discretas, e atribui uma avaliação negativa de uma ou algumas dessas ‘raças’ putativas”.
Apesar da existência de dimensões diferentes no quesito do racismo, e do reconhecimento das próprias comunidades de “representatividade negra” de que tais diferenças põem em risco “a política da militância antirracista”, tal caráter heterogêneo da palavra não compromete a existência da realidade fática que comprova o preconceito em razão de características étnicas. Mesmo havendo tal diferença semântica, a realidade empírica é facilmente reconhecível, nos conduzindo ao resumo da ópera de que, mesmo que a palavra “racismo” não existisse, o problema em torno do preconceito em razão da etnia é real e causou danos severamente comprovados. O que não é o caso da homofobia – inconsistente no sentido etimológico e não comprovada no sentido real –, mais especificamente no que se refere à extensão do problema e da necessidade de pôr em risco outras liberdades em razão de uma problemática que não foi confirmada em números, sendo a análise dos pressupostos de risco insuficientes para responder se de fato vale a pena timbrar uma palavra da mesma forma que o racismo foi timbrado.
Para observar esse risco, basta consultar o processo 0027541-28.2018, no 10.º Juizado Especial Cível Regional de Leopoldina, em que professoras da Universidade Federal do Rio de Janeiro estão buscando, por meio judicial, a condenação de Daniel Barbosa Reynaldo pelo fato de terem sido questionadas sobre o método de pesquisa utilizado para a construção de um dossiê sobre “lesbocídio”. Se o Direito toma como base as inovações sociais, não há nenhum problema em verificar primeiro a necessidade da inovação legislativa antes de produzi-la. O problema que suscita a bandeira da homofobia não foi devidamente comprovado – só temos teorias, sendo os reais preconceitos ou violações em razão do sexo tranquilamente passíveis de punição como qualquer outro tipo de preconceito que exista, não havendo necessidade de um privilégio legal, principalmente porque tal alteração fulmina os direitos de outros, principalmente de comunidades religiosas.
Thiago Rafael Vieira, pós-graduado em Direito do Estado, é presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR). Jean Marques Regina é segundo vice-presidente do IBDR. Ambos os autores são advogados, professores e escritores, com pós-graduação em Direito Constitucional e Liberdade Religiosa, com estudos pela Universidade de Oxford (Regent’s Park College) e pela Universidade de Coimbra, e pós-graduandos em Teologia.