Hong Kong enfrenta há meses uma onda de protestos contra o governo chinês motivados, principalmente, por mudanças na legislação do país que autoriza que cidadãos da ilha sejam extraditados e julgados na China.
Os protestos e as reações políticas a favor da democracia têm sido um dos principais desafios de Xi Jinping, presidente chinês, que precisa administrar a crise política em Hong Kong durante um período em que o crescimento Chinês está abaixo da média.
Entretanto, não se trata apenas de um conflito limitado a soberania chinesa ou ainda localizado geopoliticamente no espaço asiático. Durante a semana, a situação agravou-se com as manifestações de apoio dos Estados Unidos aos manifestantes de Hong Kong. A China, por sua vez, promete retaliações.
As expectativas dos analistas internacionais, sobre qual o futuro de Hong Kong, estão sendo criadas tendo em vista que a crise parece não dar sinais de ter um fim breve. As principais perguntas consistem não só em compreender melhor as origens do conflito, mas também quais as possíveis consequências locais e globais, caso a China cumpra com as suas promessas de retaliação aos EUA e à própria ilha. Porém, outra pergunta que surge no cenário é se os movimentos pró-democracia em Hong Kong tem alguma chance de serem bem-sucedidos diante do governo chinês.
Para compreender o imbróglio, entretanto, é preciso brevemente conhecer os antecedentes das relações históricas entre Hong Kong, China e a comunidade internacional. Hong Kong se tornou um importante centro de comércio internacional no final do século XIX, quando a China entregou esse território por um prazo de 99 anos ao Reino Unido. Não obstante, durante o século XX, a ilha foi refúgio de exilados políticos chineses e as relações entre China e a ilha oscilaram de acordo com as relações entre os interesses da China e o “mundo ocidental”, chegando a momentos de fechamento completo e retomada da abertura comercial.
Durante os anos 70 e 80, uma onda intensa de imigração de chineses para Hong Kong e a atual relação mais amistosa entre Reino Unido e China levaram a retomada de negociação para a devolução do território que só se concretizou em 1997. A transferência de soberania de Hong Kong para China acontece a partir de um acordo sino-britânico que estabelece a região como uma “zona econômica especial”, com condições especiais tanto em relação a liberdades econômicas quanto a liberdades políticas.
Apesar dos protestos e instabilidades políticas da época, ocorre uma conciliação e considerável conservação institucional na transição. Contudo, a liberdade política de Hong Kong desde sempre esteve subordinada aos interesses da China e nunca foi um processo orgânico conquistado por uma sociedade verdadeiramente soberana.
Dessa forma, a conquista da democracia liberal em Hong Kong é extremamente improvável, pois não depende de processos internos e conquistas políticas dos cidadãos da ilha com as suas instituições. Interesses mais complexos e robustos estão em jogo, principalmente, os interesses chineses – um regime que tem como instrumento perseguição de minorias religiosas, controle de informação, desrespeito à propriedade privada. Ou seja, valores que não correspondem aos valores da democracia liberal de tolerância, pluralidade e liberdade.
É prática cotidiana do governo chinês a censura da imprensa - hard ou soft - e restrição das liberdades políticas quando convém ao regime, processo que desencadeou os protestos. A atuação do poder chinês também atua de maneira invisível pelos próprios meios democráticos, tendo em vista que já elegeram representantes do governo chinês em Hong Kong de maneira legítima.
A expectativa de retaliação internacional também parece improvável. Escolher brigar para perder o mercado chinês, a fim de defender ideais políticos democráticos em uma era pós-consenso, não parece uma expectativa realista mesmo dos mais otimistas. De qualquer forma, também não é necessário esperar que as promessas de retaliação sejam todas cumpridas pelos chineses. O crescimento em declínio os coloca em uma situação de também estarem condicionados a um cálculo racional do que é, de fato, efetivo fazer diante de todas as possibilidades de perdas no mercado internacional.
Marize Schons, mestre em Antropologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutoranda em Sociologia pela mesma instituição. Professora do Ibmec BH.
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