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opinião do dia 1

Hora do debate

Não é o fim dos tempos, apocalipse ou era das trevas. Ao contrário: estamos dian­­­te da possibilidade de dar conti­­­nui­­­dade ao Iluminismo

A crise econômica mundial começou em 2008 nos Estados Unidos com a explosão da bolha imobiliária, o vendaval que sacode o mundo árabe sopra cada vez mais forte desde janeiro e, embora suas causas estejam longe de serem identificadas, os seus efeitos serão implacáveis. Mais recente, a tríplice catástrofe japonesa aparentemente não se ajusta aos dois processos históricos em curso – é resultado de um acidente da Natureza – mas o seu sequenciamento fatalmente se acrescentará às duas irrupções.

O mundo jamais enfrentou um conjunto de emergências desse porte porque jamais esteve tão amarrado e interdependente. Dei­­­xamos a esfera dos particularismos arrastados para um panelão único. Qualquer solução destinada a contornar, minorar ou remediar alguma das tribulações singulares terá de ser examinada no contexto das demais.

O acidente nuclear no Japão contém uma ameaça concreta de contaminação radioativa e, ao mesmo tempo, dá um violento safanão nos projetos energéticos do mundo inteiro. Isso não significa um embargo à proliferação das centrais nucleares, significa que o custo do planejamento, instalação e monitoramento das novas usinas será consideravelmente maior e neutralizará algumas das suas vantagens diante de fontes não renováveis (como o gás) e renováveis (eólica, solar etc.).

O sismo no mundo árabe já fechou uma das torneiras dos combustíveis fósseis (a Líbia), ronda os fabulosos recursos da península arábica, afeta o fornecimento de derivados de petróleo para a Europa, Estados Unidos, China, mas principalmente aumenta o sufoco social e político que está acionando os levantes no Oriente Próximo e Médio.

Não é o fim dos tempos, apocalipse ou era das trevas. Ao contrário: estamos diante da possibilidade de dar continuidade ao Iluminismo desde que entendamos seu sentido e derivados: fim do dogmatismo, ilustração, esclarecimento. Cerca de dois séculos depois, agora instrumentados pelo fabuloso ferramental para a difusão do conhecimento, estamos aptos a democratizar os questionamentos, a debater.

Nossa experiência nessa matéria é pequena. Os colonizadores nos mantiveram ao longo de trezentos anos completamente cegos e surdos graças à censura religiosa. A emancipação política foi discutida abertamente durante um brevíssimo período (quatorze anos, 1808-1822), sem condições de incluir aquela que seria sua complementação natural: a abolição da escravidão.

A república nos presenteou com três ditaduras e décadas de censura e, nos intervalos de normalidade, o debate não era propriamente um debate, mas um enfrentamento em torno de egos, fulanos, preconceitos. Agora, graças a uma feliz conjunção de fatores e pressionados pela trepidação internacional, temos a rara oportunidade de debater ideias.

A primeira relaciona-se com o modelo energético que assumiu a primazia global. Fomos abençoados com recursos que nos permitem combinar todas as matrizes e, justamente por isso, impõe-se a obrigação de administrar esta abundância. Sem um debate amplo, impossível.

Estamos diante de um novo surto inflacionário e o receituário só contempla ações imediatas com vistas aos índices mensais ou trimestrais. Ninguém lembra que a inflação tem horror à poupança. O consumismo conspícuo – aqui ou em Miami – não iguala, só agrava as disparidades sociais. Discutimos a Ficha Limpa com o mesmo ânimo adotado para discutir o futebol – o juiz roubou.

Uma sociedade sem partidos, movida por interesses e ambições pessoais, mesmo montada em cima de minas de ouro, só conseguirá tornar-se efetivamente rica quando souber o que aconteceu, o que está acontecendo e o que pode acontecer.

Alberto Dines é jornalista.

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