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Horário de verão: uma mentira recorrente

Alexandre Silveira
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira defende a volta do do horário de verão (Foto: Lula Marques/Agência Brasil)

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É interessante como os governos gostam de mentir para o povo. Curiosamente, algumas mentiras atravessaram vários governos, como, por exemplo, a de que o horário de verão produz uma economia significativa de energia elétrica. Essa medida foi adotada pela primeira vez no governo provisório de Getúlio Vargas, em 1931, e passou por vários períodos de adoção e supressão, sempre com a suspeita de ser uma medida inócua, mas reiteradamente adotada.

A única certeza que eu tenho é que esta medida não é baseada em conhecimento técnico. Vou explicar os motivos disso, mas não acredito que vou erradicar esta mentira, pois conheço o comportamento humano, que é o de relegar qualquer questionamento quando lhe convém acreditar em uma mentira.

Sempre quis entender essa mania patológica de mentir para a população, tão característica dos nossos governos. Será que a sensação de causar um transtorno geral no país a partir de uma simples assinatura explica isso?

Os dias no verão são mais longos, de forma que algum ajuste no horário possibilitaria, em tese, uma pequena economia de energia. Essa tese é questionável, mas ainda que válida, não compensa o enorme transtorno causado à população. No governo Dilma, era enfatizado que essa economia seria da ordem de 4 %, o que é claramente um disparate.

Lembrando que o dia tem 24 horas, 4 % significa aproximadamente o consumo médio de energia correspondente a uma hora. Pensando um pouco, é totalmente impossível que o simples ajuste de uma hora nos relógios possa produzir um efeito equivalente a que todo o país fosse desligado do sistema elétrico durante este mesmo período de uma hora. Só isso já deixa claro o exagero, mas também é preciso considerar que o horário de verão somente é adotado nos estados do Sul, o que torna esta afirmação ainda mais inverossímil. Claramente, uma mentira.

Eu fui gerente de uma grande rede de computadores durante os anos 90. Um dos maiores transtornos que eu e minha equipe tínhamos que enfrentar eram as mudanças de horário, pois os computadores precisam trabalhar de forma sincronizada – não é admissível que um e-mail enviado às 11h05 chegue em seu destino às 10h06. Na época, não havia um procedimento automatizado para acertar os relógios de milhares de máquinas, cada qual com suas particularidades. Além disso, nem todos os usuários tinham noção de que o ajuste do horário de verão precisa envolver a alteração do fuso horário, o que gerava mais confusão do que solução. Eu ficava bem irritado, pois sempre tive ciência da inutilidade desta medida.

No ano de 2006, fui convidado para um evento acadêmico no Tocantins. Achei interessante participar, pois seria uma oportunidade de conhecer um estado brasileiro que não sofre os incômodos do horário de verão. Mas foi aí que eu me dei conta que nestes estados o incômodo é ainda maior que nos estados do Sul. Eles não precisam adiantar seus relógios, mas acontece que todo o país está em sintonia com o horário de verão. Então, toda a programação da TV fica adiantada em uma hora, as viagens de avião e de ônibus interestaduais passam a ter sua chegada e partida adiantada em uma hora. Eles precisam conviver com dois horários: o local e o nacional.

Vamos agora analisar com mais detalhe a questão da (não) economia de energia. Para estimar a quantidade poupada de energia é necessário contabilizar a economia proveniente da alteração no ciclo de funcionamento dos dispositivos elétricos em virtude do ajuste de horário. Qualquer outra economia de energia, que não tenha ligação com a mudança de horário, não pode ser computada. Então temos que os dispositivos elétricos podem ser classificados em 3 grupos, segundo a forma como eles convertem energia elétrica para outras formas de energia: 1) aquecimento (chuveiros, fornos, secadores); 2) movimento (elevadores, liquidificadores, aspiradores); 3) iluminação (lâmpadas, luminárias, refletores).

Toda a parcela de energia elétrica utilizada para fins de aquecimento e movimento não guarda nenhuma relação com o horário de verão. Uma geladeira simplesmente desconhece que houve uma mudança no horário do país. E dessa forma, todas as fábricas, siderúrgicas e demais unidades da indústria de transformação, que demandam uma grande quantidade de energia para aquecimento e movimento, não alteram seu perfil de consumo de energia com o horário de verão, pois não deixam de produzir um único item em virtude da mudança de horário.

Somente a parcela de energia elétrica que é utilizada para fins de iluminação é que pode sofrer alguma alteração com o horário de verão. Ainda assim, boa parte desta energia é insensível ao relógio. Por exemplo, a iluminação de rua, que é acionada por sensores de luminosidade, não sofre nenhuma interferência do relógio. As luzes são ligadas automaticamente pelo anoitecer, e não pelo decreto que institui o horário de verão.

A iluminação residencial é praticamente a única que pode trazer benefícios de economia com o horário de verão. Isso porque, com o ajuste do relógio, as pessoas tendem a ir para a cama uma hora mais cedo e apagam as luzes com uma hora de antecedência. Mas somente haverá economia de energia se elas não acenderem as luzes ao acordar, pois senão anulam a economia da noite anterior. Para as pessoas que acordam quando já está claro, esta medida pode resultar em alguma economia de energia, mas ela é desprezível quando comparada às outras formas de consumo de energia elétrica.

Ocorre que a parcela de energia elétrica gasta com iluminação é consideravelmente menor do que aquela gasta com aquecimento, especialmente se considerarmos as modernas lâmpadas de baixo consumo. Por exemplo, uma lâmpada de LED consome de 5 W a 10 W, enquanto que um chuveiro consome de 1000 W a 7000 W. E como ninguém vai tomar um banho mais rápido por causa do horário de verão, fica fácil entender por que a economia obtida com esta medida é insignificante.

Em outras épocas, quando a iluminação era feita com lâmpadas incandescentes essa economia era mais significativa (10 vezes maior), além disso, havia menos máquinas de transformação de energia em calor ou movimento. Porém, nessa época, o sistema hidrelétrico brasileiro não sofria os problemas atuais e, como o horário de verão ocorre no período de chuvas, essa economia não produzia nenhum benefício, pois os reservatórios saturavam e não havia como armazenar a energia economizada.

Em alguns países da Europa essa medida já funcionou. Para que ela tenha sucesso é necessário que a parcela de energia consumida com aquecimento seja pequena em relação à parcela consumida com iluminação. Esta condição era facilmente atendida na época das lâmpadas incandescentes, porque as lâmpadas consumiam muito e o aquecimento consumia muito pouco (em geral, os países europeus utilizam aquecimento a gás). A matriz energética dos países europeus é baseada em combustível fóssil, de forma que não importa a época do ano em que a economia é obtida. Além disso, dado o alto custo de geração dessa energia, qualquer economia, por pequena que fosse, seria muito bem-vinda. Ao que parece, o horário de verão é um desses modismos copiados de países do primeiro mundo, sem que haja nenhuma preocupação com a efetividade da medida.

Outro aspecto da questão, e que ajuda a manter a mentira de que o horário de verão produz economia de energia, é que o perfil de consumo energético muda também com fatores que são inerentes à estação do ano. No verão, os chuveiros são ajustados para a posição de menor consumo, o que realmente ocasiona uma redução do consumo. Essa redução no consumo era falsamente anunciada como sendo uma consequência benéfica do horário de verão. Esse perfil, no entanto, tem sofrido alterações. Isso porque foi popularizado o uso de aparelhos de ar-condicionado. Devido ao uso frequente desses aparelhos para refrigeração, o que se observa no período de verão não é mais uma redução, e sim uma elevação de consumo. Com isso ficou difícil manter a “narrativa” de que o horário de verão produz economia de energia.

Enfim, eu sempre quis entender essa mania patológica de mentir para a população, tão característica dos nossos governos. Será que a sensação de causar um transtorno geral no país a partir de uma simples assinatura é o fator que explica isso?

José Roberto Gimenez é engenheiro e doutor pela Unicamp.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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