Quando o homem pisou na Lua, o mundo comemorou a grande conquista, mas a canção, nem tanto: “Poetas, seresteiros, namorados, correi, é chegada a hora de escrever e cantar talvez as derradeiras noites de luar”. Porque sabíamos que do encantamento natural humano pela descoberta já pouco restava. Na verdade, a pegada registrada na superfície da Lua cumpria muito mais a função de uma logomarca, evidenciando a posse de quem chegou lá primeiro.

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Nossa letra nos identifica, nos representa, nos aproxima e pode até revelar nosso estado de espírito

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Já bem distante daquele momento histórico, outra notícia, à primeira vista não tão grandiosa, foi anunciada em 2011: os Estados Unidos estavam abandonando a “escrita de mão”. Uma consequência natural do progresso, na opinião de uns. Um risco para a formação da personalidade, na opinião de outros. Para muitos educadores, um prejuízo ao desenvolvimento psicomotor; para os grafólogos, o fim de uma das mais sensíveis técnicas investigativas.

É possível que outros instrumentos, como os jogos eletrônicos e tantos aplicativos, possam substituir o exercício cerebral demandado pela escrita de mão. E é de se reconhecer também o quanto a digitação pode ser inclusiva para os que não podem se expressar pela escrita cursiva. Porém, há algo que a digitação não poderá reproduzir: a sensação viva de nossa presença. “Ah, isto deve ser da Maria!” ou “esta letra é do Pedro!” – quantas vezes já não reagimos assim ao deparar com uma anotação num pequeno post-it? Nossa letra nos identifica, nos representa, nos aproxima e pode até revelar nosso estado de espírito ao escrever.

Assim, o abandono da letra cursiva simboliza, sobretudo, o fim de outras manifestações sensíveis do homem, tal como ocorreu na grande conquista de 1969: ganhamos a Lua, mas perdemos o luar. Prosseguimos ganhando em inovação, mas perdendo em poesia. Na modernização de nosso lazer, ganhamos o esplendor das vitrines dos shoppings enquanto perdemos o cheiro vivo das árvores, do gramado do parque, do suor das crianças extravasando energia e inventividade. Na praticidade das redes sociais, ganhamos o poder de falar com centenas de pessoas todos os dias enquanto perdemos o hábito (e o tempo) de abraçar quem está ao nosso lado. Nos medicamentos avançados, ganhamos a comodidade de ver crianças disciplinadas e atentas, mesmo a assuntos de que nem gostam, enquanto perdemos a aventura de vê-las desabrochar em sua forma única e mostrando a que vieram.

Como aprenderão as crianças a entender o que há além das palavras se não puderem imprimir, junto com elas, os garranchos da construção de sua identidade? Enquanto a tecnologia avança, ganhamos mais tempo. Tempo para escrever mais palavras por minuto, apagando nossas falhas e imperfeições. Tempo para sobrepujar o tempo humano que levaríamos para fazer as coisas, eliminando as emoções que “retardam” os prazos sempre para ontem das negociações.

Como uma casquinha de noz no oceano da competitividade, a letra cursiva e muitas outras habilidades humanas vão ficando para trás enquanto a modernização sai na frente, possibilitando uma velocidade cada vez maior ao nosso desenvolvimento para que possamos comemorar cada vez mais rápido: “Finalmente, cheguei lá!”. Mas lá onde?, precisamos perguntar. E onde terá ficado nosso coração?

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Maria Helena Masquetti, especialista em Psicoterapia Breve, é psicóloga do Instituto Alana.