As transformações não acontecem pelos resultados últimos, mas sim com os inícios. Não se muda uma cultura partindo de cima para baixo. A transição de paradigmas na sociedade se concretiza apenas quando há uma intervenção em sua base: a família. A educação cidadã e a formação humana, enquanto seres sociais e merecedores de amor, promovem nos indivíduos a autonomia, o cumprimento de responsabilidades e o bom uso da liberdade.
Esse foi o norte que guiou o meu trabalho à frente da Secretaria da Família do Ministério de Direitos Humanos do Brasil (atual Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania). Ao longo destes quatro anos, todas as ações da pasta estiveram voltadas para o desenvolvimento de uma política antropológica focada na estruturação familiar e no fortalecimento de vínculos afetivos a partir de uma série de programas com este enfoque: Famílias Fortes; Família na Escola; Reconecte.
É impossível edificar uma sociedade plena, sólida e estável sem que não sejam firmados os alicerces da família, reconhecida constitucionalmente.
A nossa atenção esteve voltada para a consolidação do alicerce, tendo em vista que uma família bem preparada devolve bons frutos para a sociedade, contribuindo sócio e economicamente com cidadãos cientes do bem maior e resistentes a comportamentos de risco. Esse olhar proporciona o sentimento de autonomia familiar no entendimento de que eles podem pautar as próprias trajetórias. Um mecanismo eficaz na erradicação da pobreza e que desmente os mitos do assistencialismo.
A fundamentação dessa atuação se deu por comprovações científicas. Em relatório produzido e divulgado pela UNIFESP, foi constatada a eficácia do programa Famílias Fortes. Do conjunto analisado, destaco os seguintes dados após a intervenção e o acompanhamento da secretaria: redução de 60% nas chances dos responsáveis apresentarem um estilo parental negligente; tendência de significância estatística de aumentar em 90% a chance dos responsáveis apresentarem mais habilidades de exigência (pais que estabelecem regras e supervisionam os comportamentos dos filhos).
Para além dos dados técnicos, ouso trazer aqui as percepções pessoais de quem presenciou o primeiro abraço entre pai e filho, com especial atenção ao fato de que o adolescente vivenciou a situação pela primeira vez já aos 16 anos de idade. Os casos refletem também no Brasil o sucesso que esse benchmarking já havia realizado internacionalmente. A família como política pública de Estado de caráter transversal não deve ser descontinuada, pelo teor do benefício que proporciona a cada ser humano e à sociedade como um todo, sendo também escola de cidadania e fraternidade.
De fato, é impossível edificar uma sociedade plena, sólida e estável sem que não sejam firmados os alicerces da família, reconhecida constitucionalmente (artigo 226) como base até mesmo do Estado Democrático de Direito, pois é também berço de cidadania. Torna-se perceptível como a unidade familiar é uma escola de cidadania que projeta para a sociedade um ser humano consciente e fundamentado em bons valores.
Angela Gandra é advogada, professora da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB), PH.D. em Filosofia do Direito. De 2019 a 2022 foi Secretária Nacional da Família do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.