Imagem ilustrativa.| Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
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Seja qual for o governo, órgãos de Estado sempre sofrem com problemas orçamentários. Se não há valorização clara do órgão pelo governo ou Congresso, o cobertor financeiro da instituição estará sempre curto, principalmente em tempos de ajuste fiscal. Todavia, não prever recursos necessários às suas atividades é, com certeza, miopia governamental.

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Para evitar flutuações orçamentárias e, consequentemente, não comprometer as funções de Estado, é preciso inovar nos arranjos institucionais, modelos jurídicos que facilitem a composição do orçamento. Fomos acostumados de que tudo que vem do Estado tem que ser de graça. Por que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) ou mesmo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) não poderia cobrar por suas pesquisas? Qual seria o problema, se o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) também cobrasse? Nenhum, mas o recurso captado não entraria no orçamento dessas instituições. Todo o esforço destinaria as verbas ao cofre único da União.

De um lado, parece que há interesse em capturar a instituição para finalidades de curto prazo, esquivando-se da sua principal missão de longo prazo. O aparelhamento político é um risco iminente

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O IBGE é responsável por realizar pesquisas e produzir informações estatísticas georreferenciadas do Brasil. O seu trabalho consiste em levantamentos censitários, pesquisas amostrais, produção de dados sobre inflação, emprego e renda, mapeamento geográfico e disseminação dessas informações ao público em geral. Ou seja, busca-se apoiar o desenvolvimento socioeconômico do País.

Ao que me parece, o IBGE+ foi criado para contornar o estrangulamento orçamentário, recorrente em nossas instituições públicas, e os entraves legais e burocráticos de se comercializar pesquisas customizadas no mercado. Essa comercialização é tabu em qualquer órgão público. Parece até que se trata de heresia, quando, na realidade, seria a capacidade autônoma do órgão de caminhar com pernas próprias.

Esta é uma estratégia pragmática. Como o Congresso detém o poder de decisão sobre volume considerável e crescente de recursos do orçamento, e que gasto com estatísticas e geoinformação não rendem votos no curto prazo, dificilmente o orçamento do IBGE será ampliado com emendas parlamentares. A solução seria passa convencer o setor privado de que estatísticas oficiais são estratégicas aos negócios.

Neste novo arranjo, é preciso cautela. De um lado, parece que há interesse em capturar a instituição para finalidades de curto prazo, esquivando-se da sua principal missão de longo prazo. O aparelhamento político é um risco iminente. De outro lado, observa-se o corporativismo dos servidores públicos da casa, que estão acostumados, bem ou mal, com o seu já garantido orçamento, não se preocupando com a eficiência da entrega dos serviços.

Como usuário de dados do IBGE, fico inconformado com a liberação de estatísticas a conta gotas. Veja que, por fazer parte do Ipea, tenho acesso facilitado. Mesmo assim, a manipulação de dados é dificultada com a justificativa do sigilo e da credibilidade institucional. Em uma era digital, seria mais interessante investir em um sistema de acesso indireto aos microdados via rede, de forma desidentificada e com protocolos rígidos. Este sistema não substituiria por completo as salas de sigilo, mas atenderia boa parte das demandas, algo como um banco multidimensional estatístico.

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A situação do IBGE é a falta crônica de recursos. É fato que a atual gestão do órgão está fragilizada e em crise. Em entrevista, Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do IBGE, destacou a relevância em discutir no Congresso o marco geral das estatísticas, colocando a instituição no centro do debate. Particularmente, faço parte do grupo que pensa que a coleta de dados (por agentes públicos ou privados), incluindo seu tratamento, compartilhamento e disponibilização, deva ser “melhor” regulada. A periodicidade das pesquisas, censitárias e amostrais, não pode ser prejudicada por falta de capacitação, déficits tecnológicos ou mesmo contingenciamento orçamentário.

Em resposta a esta confusão, o Ministério do Planejamento sinalizou, no último dia 29/01/25, apoio ao IBGE, por meio da Lei Orçamentária Anual (LOA), para formulação do Censo Agropecuário, bem como resolveu suspender as tratativas do IBGE+, buscando discutir, no futuro, modelos alternativos de financiamento. Quanto mais democratizado o acesso aos dados produzidos pelo IBGE, melhor seria cumprida a sua missão; maior seria a capacidade do governo em escolher as melhores políticas públicas com os maiores retornos sociais. Só não podemos imaginar que toda reforma institucional será para o bem ou que toda resistência à mudança é boa. Não se trata de um jogo disjunto “cara ou coroa”. Não podemos deixar que instituições de Estado sejam capturadas por fora ou mesmo por dentro!

José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho, economista e matemático, é pesquisador do Ipea e autor do livro “Agricultura e indústria no Brasil: inovação e competitividade”.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]