Divulgados os resultados. E aí, melhorou ou piorou a qualidade da educação? Lá onde o indicador cresceu, todos os problemas estão resolvidos? E nas escolas, municípios e estados que registraram queda, nada foi feito durante dois anos? Não temos a resposta para estas e tantas outras perguntas porque o Ideb não tem essa capacidade.
Discutir qualidade da educação a partir do Ideb seria o mesmo que buscar uma definição da educação dentro de uma fábrica: estipular as tarefas, determinar a programação de ações, focar na execução dos serviços, providenciar a medição dos resultados e, claro, dar atenção especial à aferição do lucro. Acontece que professores não são robôs e os estudantes, tampouco, máquinas. Ao contrário do que alguns possam imaginar, a educação é um direito e não um serviço ou produto. Cada estudante tem um tempo e um modo de aprender, e não há como definir que sua trajetória escolar siga padrões e regras pré-estabelecidos. O ambiente da sala de aula é diferente do chão de uma fábrica; enquanto operários manipulam máquinas, os professores estimulam o desenvolvimento cognitivo de seres humanos.
Se Garrincha estivesse vivo, poderia analisar o resultado do Ideb 2013 com sua maravilhosa frase "esqueceram de combinar com os russos"! Infelizmente, o Ideb surgiu na educação brasileira ao mesmo tempo em que em diversas regiões do mundo abandonavam a política do accountability, com vistas à responsabilização de professores e gestores. Um dos exemplos é a fracassada reforma educacional de Nova York, segundo seus próprios criadores. Avaliação é fundamental no processo educativo, mas provoca desastrosos resultados quando utilizada apenas de maneira gerencial, com foco no estabelecimento de rankings, comparações, na definição de programas de governo, na destinação de abonos salariais.
É preciso reconhecer que o Brasil avançou nos últimos anos na discussão sobre avaliação na educação. Pena que o caminho escolhido foi o errado. A realidade fica mascarada quando um indicador sintético combina informações sobre a aprendizagem de poucos alunos, em apenas algumas áreas, frente às taxas de aprovação. As escolas brasileiras matriculam somente estudantes de 5º e 9º anos do ensino fundamental e 3º do ensino médio? Os alunos frequentam a escola apenas a cada dois anos? Todas as turmas têm mais de 20 alunos? A realidade local, o contexto sociocultural, as ciências da vida e da natureza não fazem parte da formação do cidadão? Onde estão, nesse indicador, a formação inicial e continuada dos professores? E a infraestrutura das unidades escolares? Todos os estudantes têm o mesmo nível socioeconômico? E aqueles municípios que ficaram sem Ideb em 2011 porque tinham implantado o ensino fundamental de nove anos e, naquele momento, não contavam com alunos frequentando o 5º ano? Essa lógica é decepcionante porque está centrada na comparação entre os desiguais. Na educação, dois processos estão presentes: um é o do ensino e outro, o da aprendizagem. É possível ter o mesmo nível de domínio sobre ambas as variáveis? Isso dá para ser traduzido em um número de zero a dez?
Enquanto a realidade é mascarada através do Ideb, os reais problemas da educação brasileira deixam de ser enfrentados. E a cada nova edição comemoramos avanços e nos frustramos com os resultados "indesejáveis". A visão míope afasta o que de fato acontece na educação púbica. Um exemplo? Queremos educação de Finlândia, mas temos recursos comparáveis a Azerbaijão e Quirguistão. Enquanto os países do meio europeu investem por ano, em cada aluno do ensino fundamental, algo em torno de US$ 7,7 mil, aqui não se alcança US$ 2,5 mil (OCDE, 2010). Esta é a capacidade de prefeituras e governos estaduais. Se apenas os poucos estudantes da rede federal representassem o Brasil no Pisa, nosso país ficaria entre os sete primeiros e não entre os últimos. Isso porque a União, que oferta poucas matrículas, tem capacidade de investir por aluno, a cada ano, valores próximos aos de países europeus.
Inegável que precisamos melhorar a gestão das redes de ensino, e para isso é possível contar com importantes iniciativas. Entretanto, é imprescindível considerar que o novo Plano Nacional de Educação (PNE) determina uma nova sistemática de cooperação entre os entes federados desta República. Não é possível admitir que, de cada R$ 100 arrecadados no Brasil, R$ 57 fiquem com o governo federal, R$ 25 sejam distribuídos entre os 26 estados e o Distrito Federal, e apenas R$ 18 sejam disputados pelos 5,7 mil municípios. O processo eleitoral vai acabar e 2015 chegará. É preciso dissipar essa cortina de fumaça na qual o ente federado que mais arrecada é o que faz o menor esforço de investimento em educação pública: o governo federal participa com somente 19% do total. E as prefeituras, por vezes criticadas e massacradas de maneira injusta, tiram leite de pedra, colaborando com 40% de tudo o que é aplicado em educação, segundo dados do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social de 2010.
O Brasil precisará de maior atenção e destinação de recursos para a área se realmente desejar crescer como nação e corrigir as desigualdades. Com o novo PNE, a sociedade civil conquistou o estabelecimento de um padrão mínimo para as escolas públicas por meio do Custo Aluno Qualidade Inicial. E a responsabilidade de o governo federal aplicar mais para alcançar este patamar. Porém, só isso, ou mesmo os recursos advindos do petróleo, tampouco serão suficientes para garantir educação com qualidade para os brasileiros que estão dentro e aqueles que, infelizmente, encontram-se fora da escola. A realidade da carreira docente também tem de ser enfrentada. Uma nação não pode admitir que seu professor da educação básica tenha um salário médio que corresponda a 51% da remuneração dos demais profissionais. A trajetória escolar dos estudantes será impulsionada com unidades escolares em que existam biblioteca, quadra de esporte, laboratórios, equipamentos adequados e necessários, formação e valorização de todos os profissionais da educação.
Esses são apenas alguns pontos que desaparecem da discussão sobre educação quando o Ideb vira prioridade absoluta. Independentemente do resultado das eleições, o Brasil poderia utilizar os dados das avaliações em favor dos alunos. Priorizar a análise do processo e não focar atenção somente no resultado. Informações colhidas sobre o desempenho individual de cada estudante, entregues às escolas e aos professores, permitiriam a reorganização da formação e do planejamento pedagógico. O direito à educação de cada cidadão poderia ser respeitado através das avaliações e não das medições. Porém, se nada mudar, daqui a dois anos, com ou sem atraso na divulgação, virá uma nova cortina de fumaça!
Ah, antes de encerrar: é preciso cuidado na hora de definir o que fazer com os resultados de sexta-feira. Não dá pra esquecer que os dados são dos alunos que concluíram os anos iniciais e finais do ensino fundamental e médio em 2013. Dar remédio para um paciente que já foi embora não resolve!
Carlos Eduardo Sanches é membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, conselheiro estadual de Educação no Paraná e foi presidente da Undime Nacional.
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