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O ditador russo, Vladimir Putin
O ditador russo, Vladimir Putin| Foto: YURI KOCHETKOV/EFE/EPA

Depois de usar os ressentimentos sociais acumulados desde a Revolução Francesa, posteriormente concentrados na figura da classe proletária idealizada por Marx para a criação do maior e mais mortal regime totalitário do século XX, o multifacetado império russo - e a ideologia russa - direciona agora a sua aposta no grande resultado da explosão hormonal de sentimentos característica da pós-modernidade.

Uma nova geração que não conheceu o comunismo soviético, mas consome black metal, animes, ama videogames e profere discursos violentos em fóruns como o 4chan, reúne-se em torno de velhos nomes do fascismo ou políticas de “terceira posição” para destilar ódio ao “mundo moderno”, em geral representado pela figura dos seus pais. O fenômeno também é descrito por intelectuais modernos como o neofascismo do século XXI. Mas a nova ideologia russa, que mistura extrema direita com extrema esquerda, não tem nada de nova.

A ideologia russa acabou obtendo sucesso em se apropriar do discurso conservador e antissistêmico advindo de uma tendência espontânea de cansaço com o identitarismo

O ideólogo russo Alexander Dugin, cuja obra foi inserida pelo próprio Putin no currículo de formação militar russa, coordena ao redor do mundo essa rede de movimentos juvenis que se agrupam em torno de nomes importantes ligados ao fascismo, como Martin Heidegger, Carl Schmitt e o polêmico Julius Evola, defensor de nada menos que a restauração do Império Romano pagão sob as ruínas do Vaticano.

É claro que estes nomes figuram nas ideias mais populares de Dugin, mas a interpretação deles passa por outros filtros, ligados a tradições ocultistas que unem o esoterismo maçônico com a mística nazista, assim como o uso de métodos culturais difundidos pelo ocultista britânico Aleister Crowley, de quem Dugin sempre se considerou profundo admirador. A via proposta para se chegar a isso é o tradicionalismo perenialista de René Guénon, sufi francês que recomendava a submissão da Europa e do Vaticano à autoridade muçulmana como meio de “salvar” o Ocidente da degradação moral gerada pela perda da “Tradição”. Não é preciso dizer que a “tradição” proposta por Dugin não tem nada de cristã, assim como a de Guénon.

Apesar disso, nos meandros do neofascismo ligado ao Kremlin, uma grande quantidade de jovens, entre eles muitos autodeclarados cristãos, deposita esperanças de um retorno à polaridade da Guerra Fria, cujo abandono representa o que chamam de “mundo unipolar”. Apesar de o globalismo ter sido uma obra perfeita e acabada do próprio comunismo soviético e seus métodos marxistas difundidos e financiados pela Rússia, parece que a verdadeira solução mundial vinda da Rússia ainda precisa de aperfeiçoamento.

Seus seguidores veem – corretamente – neste mundo unipolar uma espécie de regime do Anticristo. Mas contra essa tendência eles oferecem um “Mundo multipolar igualitário”, utopia que aparece na fala de muitos líderes alternativos como os ligados ao BRICS. Apesar de não contar com grandes explicações quando evocada sob o aspecto econômico de uma nova ordem geopolítica, a tal multipolaridade possui as mesmas características de todas as propostas revolucionárias da história. A diferença é apenas aparente, já que esta nova utopia, ao invés de oferecer uma estética e filosofia modernista, apresenta–se sob uma moldura em estilo clássico, por trás da qual se pode ouvir uma melodia wagneriana.

Em termos ideológicos, ou retóricos, trata-se de uma proposta de retorno às velhas hierarquias espirituais contra a hegemonia do mundo moderno materialista e individualista, tanto no sentido econômico do capitalismo quanto no sentido cultural das políticas identitárias. É precisamente este aspecto que torna a ideologia atrativa para conservadores, aficionados pela história das monarquias absolutistas e símbolos imperiais, quanto a esquerdistas ortodoxos, que preferem Mao Tse Tung, Stalin e Fidel à fraqueza de um Macron ou Biden. Evidentemente, o que os une na política é o chamado populismo, uma moda que abrange tanto a direita quanto a esquerda no mundo.

É fato que a expansão da informação e das redes sociais levou a uma descoberta das utopias que se mostraram distópicas a partir da pandemia de Covid-19. O radicalismo da elite ocidental globalista, imbuída de devaneios de controle total sobre a vida humana, proporcionaram um efeito de “despertar” político contra as forças atuantes na fabricação de consensos midiáticos. Mas a ideologia russa acabou obtendo sucesso em se apropriar do discurso conservador e antissistêmico advindo de uma tendência espontânea de cansaço com o identitarismo, do violento racialismo LGBT e de movimentos como Black Live Matter, todos resultados da hegemonia de bilionários de Wall Street herdeiros de grupos como a Sociedade Fabiana. Mas se estes regimes populistas, de direita e esquerda, vêm se unindo contra o controle econômico e biológico da vida pelos velhos socialistas, eles também coincidem no apoio estratégico à Rússia nas suas políticas expansionistas e interesses geopolíticos.

Os jovens que se deliciam com o canto da sereia da ideologia russa são os órfãos do modernismo antitradicional, da Teologia da Libertação e novas abordagens psicologistas, que a despeito de unir o mundo em uma “cultura de paz” suprarreligiosa, sufocou o natural anseio espiritual por sentido concreto e histórico. Sem uma resposta de defesa aberta e radical que os mantenha equilibrados sob a balança das virtudes, a juventude pós-moderna se tornou presa fácil para o espiritualismo barato que terminará trazendo de volta o bom e velho poder estatal totalitário, agora embalado em papel de Tradição.

Cristian Derosa é jornalista, escritor e autor do livro recém lançado “O Sol Negro da Rússia: raízes ocultistas do eurasianismo”.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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